Revista Sísifo – Feira de Santana – v. 1, n. 1 (2014-) nº 11 janeiro-junho 2020 Filosofia – Periódicos I ISSN: 2359-3121 |
APRESENTAÇÃO
A filosofia desde que é reconhecida como tal se articulou como parte dos interesses práticos das classes. Com E. Dussel, em Filosofia da Libertação na América Latina, somos capazes de afirmar que a filosofia se alinhou no horizonte social concreto dos interesses da classe aristocrática, persistindo na era moderna, defendendo e servindo aos mesmos interesses da classe que nesse tempo histórico se consolida como dominante.
A universalização se efetiva como representante do ocidentalismo, configurando aparatos de hegemonia de classes dominantes que encontravam e encontram no centro a filosofia que busca em seu cerne a formulação ou a estruturação em termos de teoria do conhecimento (ἐπιστήμη). A busca é pelo justo, pela verdade, e pela validade lógica e palpável dos argumentos gerados. Embora muito tenha sido dito sobre o justo e consequentemente sobre a verdade, poucas vezes houve uma dedicação aos estudos do que seria então o oposto disso, ou seja, a ‘injustiça’.
Por Injustiça epistêmica entendemos, com Miranda Fricker, um tipo de injustiça que ocorre quando excluímos a contribuição de uma ou mais pessoas à produção, disseminação e manutenção do conhecimento. Com isso, também podemos chamar de injustiça epistêmica o apagamento em termos de silenciamento de negros e negras constituído historicamente.
O investimento do conhecimento oficial branco é tanto intelectual quanto emocional no que se refere à ideia de que a raça na verdade não importa como mecanismo para reduzir os desejos inconscientes agressivos em relação aos Outros, do mesmo modo em que suprimem seu senso de culpa. Ou como diria Frantz Fanon: “O que é frequentemente chamado de alma Negra é uma construção do homem branco.”
Com isto exposto, podemos inferir que analogamente ao processo concreto da colonização, dependente do genocídio, há uma espécie de epistemicídio, um controle necessário das estruturas epistemológicas do mundo moderno. Genocídio e epistemicídio dos sujeitos colonizados/dominados, mas especificamente do sujeito Negro, atacam a legitimidade ideológica de seu pensamento e seu status de validade. É preciso respirar por todos os meios necessários e o campo do saber é uma forma explicita de existir.
Como pensar os conflitos entre as tendências dirigidas à reorganização cultural contra as estruturas dominantes da sociedade, onde o caráter do imaginário e dos modos de conhecer e produzir conhecimento foram colocados como fechados, não permitindo a entrada de outras construções epistêmicas que se delineiem mais justas? Abrir as questões tidas como fechadas é de fundamental importância não só para o avanço do conhecimento, mas para a própria legitimidade do fazer filosófico.
Para isto: Ancestralidade, futuro e protagonismo negro; Se nutrir de trajetórias ancestrais e ganhar impulso para se construir e se lançar no futuro. Isto é o Afrofuturismo. Como bem coloca Esdras Souza, o “Afrofuturismo seria um movimento artístico, filosófico, cultural e político, que contém elementos da matriz africana, revertida de ficção científica e tecnológica, cuja finalidade seria pensar o sujeito negro no futuro, como produtor de ciência e tecnologia, sem, contudo, perder sua essência filosófica e política matricial.”
Afrofuturismo somos nós e é, no entanto, um modo de pensar o(a) negro(a) em perspectiva, e de refletir sobre a sua atuação presente a partir de seus laços com a ancestralidade e como este pode se lançar então ao futuro simbólico e efetivo. É também uma reivindicação necessária no campo da produção cultural e epistêmica desses corpos e mentes outrora silenciados. O silenciamento permanece como uma política insistente da qual procuramos romper.
A proposta desse dossiê é na perspectiva do Afrofuturismo, ou como esse movimento se manifesta numa forma de pensar, aquilombar articulações filosóficas e que permitem pensar como será então o futuro do povo negro, e suas concepções filosóficas em meio às políticas atuais que se configuram genocidas, epistemicídas e que constantemente negam o saber negro. Nesta edição, reunimos autores e autoras negros e negras da América Latina e África, pensando em termos continentais, dispostos a pensar a restruturação epistêmica, ontológica e política da produção intelectual negra em Filosofia e/ou áreas que dialogam com a mesma a fim de estabelecer uma percepção renovada nesta área do conhecimento, tão necessária e urgente de ser pensada a partir de nós e com nossas categorias de entendimento os mundos possíveis para o futuro.
Luize de Queiroz
Organizadora e membro do Coletivo de Inteligência Afrofuturista -CIA
DOSSIÊ: FILOSOFIAS NEGRAS E AFROFUTURISMO
ARTIGOS E ENSAIOS
TRADUÇÃO
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