Revista
Sísifo. N° 16, Vol 1. Janeiro/Junho 2023. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com
Vilém Flusser, designer de jogos?
Um ensaio sobre a ludicidade, no âmbito da Comunicologia
Tadeu Rodrigues Iuama
Doutor em Comunicação
pela Universidade Paulista, com pós-doutorado em Ciências Sociais Aplicadas
pela Universidade de Sorocaba. Professor do Centro Universitário Belas Artes e
da Universidade de Sorocaba.
Resumo: O presente ensaio tem por tema a relação dos conceitos de design e jogo
no pensamento de Vilém Flusser, polímata e autodidata cuja obra perpassa a
linguagem, a filosofia, a culturologia e a tecnologia – para citar alguns
exemplos. Projeta, com isso, defender o argumento de que é possível um conceito
de design de jogos a partir dessas reflexões transversais na obra do ensaísta
tcheco-brasileiro. Para tanto, uma revisão bibliográfica coloca Flusser em
diálogo com estudiosos contemporâneos da área do design de jogos – assim como
dos game studies –, em busca de paralelos e ressonâncias. Como achados,
destaca-se a noção de que o design de jogos, pensado a partir de Flusser, é um
conceito com aplicações mais abrangentes do que os objetos habitualmente
chamados de jogos, alcançando fenômenos diversos da existência humana. Faz-se
de única ontologia possível – como defendido pelo próprio Flusser – num mundo
cuja reflexão levou a uma cosmovisão e, consequentemente, a uma filosofia que
se constitui em sucessivos jogos.
Palavras-chave: Comunicação. Design de Jogos. Vilém Flusser.
Abstract: The subject of this essay is the relationship
between the concepts of design and play in the thinking of Vilém Flusser, a
polymath and self-taught whose work permeates language, philosophy, culturology
and technology – to name a few examples. Thus, it proposes to defend the
argument that a concept of game design is possible based on these transversal
reflections in the work of the Czech-Brazilian essayist. To this end, a
bibliographical review puts Flusser in dialogue with contemporary scholars of
game design – as well as game studies –, in search of parallels and resonances.
As findings, we highlight the notion that game design, thought from Flusser, is
a concept with broader applications than the objects usually called games,
reaching diverse phenomena of human existence. It is the only possible ontology
– as defended by Flusser himself – in a world whose reflection led to a
cosmovision and, consequently, to a philosophy that is constituted in
successive games.
Keywords: Communication. Game design. Vilém Flusser.
Introdução
O presente texto visa
provocar o leitor acerca da possibilidade de compreender Vilém Flusser
(1920-1991), ensaísta que viveu por três décadas no Brasil, como um designer de
jogos. É evidente que a emergência do design de jogos, na condição de campo de
estudo, é posterior à morte de Flusser. Mas o que se tensiona aqui é a noção de
que o pensamento do autor atravessa o mesmo Zeitgeist que, menos de uma
década depois de sua morte, faria com que os jogos passassem a ser estudados
com maior intensidade.
Não que os jogos já
não fossem tema de estudo antes de Flusser. Pelo contrário: o autor sorveu de
fontes tais como Johan Huizinga, Oswald de Andrade e Anatol Rappaport, para
ficar em apenas alguns exemplos – todos pensadores que se debruçaram sobre os
jogos. Mas a centralidade dada por Flusser aos jogos – tema de levantamento de
pesquisa mais ampla, desenvolvida em pós-doutorado[2]
(IUAMA; SILVA, 2022b; SILVA; IUAMA, 2023; IUAMA; SILVA, 2023) – faz com que sua
reflexão sobre o papel dos jogos avance com relação aos seus referenciais.
Intencionamos
fornecer uma perspectiva mais ampla do design de jogos, que vai além da visão
de jogo stricto sensu empregada tanto pela indústria de jogos quanto
pela área do conhecimento científico que os estuda. Por conta disso,
justifica-se como relevante as aplicações nos mais diversos contextos: se
fenômenos do design e da publicidade, para ficar apenas em dois exemplos, podem
ser compreendidos como jogos, então podemos absorver reflexões do design de
jogos que se fazem pertinentes para ampliar nossos horizontes e possibilidades
com relação a esses.
Para realizar tal
proposta, a opção metodológica – pela própria natureza da investigação – é a
pesquisa bibliográfica (STUMPF, 2010). E, em consonância com as bases
epistemológicas de Flusser, a expressão dos achados se dá de maneira ensaística
(KÜNSCH, 2020): a busca é por uma interpretação, e não uma explicação, com uma
noção de autoria implicada no assunto estudado.
Como ensaio, não
busca esgotar o tema, com respostas fechadas e definitivas. Pelo contrário: a
intenção é gerar novas/outras dúvidas, para que o espaço de possibilidades se
amplie. Ou, nos termos que o texto trará: jogar com (e não contra) o programa,
aumentando-lhe a competência.
O ponto de partida
escolhido é delinear o léxico flusseriano no que diz respeito tanto ao conceito
de design quanto ao conceito de jogo. Com isso, o objetivo é estabelecer uma
linguagem comum para que a conversação se faça possível. Além disso, o contexto
da comunicologia, meta teórica da obra do autor, se fará presente conforme
necessário. A intenção aqui, mais do que esgotar o tema, é convidar a novos
diálogos.
O design de Flusser
O design é um
fenômeno importante no pensamento de Flusser (2014, p. 273), uma vez que “pelo
menos in nuce¸ o trabalho se desvalorizou e o informar, o design, o
programar, tanto faz que nome lhe damos, é a fonte de todos os valores”. Para
definir esse design flusseriano, a sugestão é começar pelo trajeto etimológico,
prestigiado pelo autor. Nesse contexto, aprendemos que “a palavra é de origem
latina e contém em si o termo signum, que significa o mesmo que a
palavra alemã Zeichen (‘signo’, ‘desenho’). E tanto signum quanto
Zeichen têm origem comum. Etimologicamente, a palavra design significa
algo assim como de-signar (ent-zeichnen)” (FLUSSER, 2017a, p. 180). Mas,
para além desse contexto etimológico, comparece um contexto semântico. Assim,
no discurso atual, “a palavra design ocorre em um contexto de astúcias e
fraudes. O designer é, portanto, um conspirador malicioso que se dedica a
engendrar armadilhas” (FLUSSER, 2017a, p. 180). Mas, da arte de desenhar para o
ardil de trapacear, aparentemente existe um abismo. Por isso, cabe também a
contextualização histórica. Ainda de acordo com Flusser (FLUSSER, 2017a, p.
182):
A
cultura moderna, burguesa, fez uma separação brusca entre o mundo das artes e o
mundo da técnica e das máquinas, de modo que a cultura se dividiu em dois ramos
estranhos entre si: por um lado, o ramo científico, quantificável, “duro”, e
por outro lado o ramo estético, qualificador, “brando”. Essa separação
desastrosa começou a se tornar insustentável no final do século XIX. A palavra
design entrou nessa brecha como uma espécie de ponte entre esses dois mundos. E
isso foi possível porque essa palavra exprime a conexão interna entre técnica e
arte. E por isso design significa aproximadamente aquele lugar em que arte e
técnica (e, consequentemente, pensamentos, valorativo e científico) caminham
juntos, com pesos equivalentes, tornando possível uma nova forma de cultura.
O design, como
habitante dessa brecha, é duplamente marginal. Artístico demais para ser
puramente técnico. Técnico demais para ser puramente artístico. Mas na medida
ideal para criar encontros – comunicar. E cabe reforçar ainda que “o design que
está por trás de toda cultura consiste em, com astúcia, nos transformar de
simples mamíferos condicionados pela natureza em artistas livres” (FLUSSER,
2017a, p. 183). Adiciona-se, assim, uma camada contestadora no designer: por
meio da cultura, construída a partir de seus projetos, enfrentamos os
determinismos e imposições da natureza.
Ainda de acordo com o
ensaísta, o olhar do designer é ambivalente – uma característica compartilhada
com os profetas da antiguidade. Por um lado, é um olhar técnico e prático. Por
outro, é um olhar formal e teórico. O designer, por possuir simultaneamente os
dois olhares, é capaz de transformar as formas eternas em técnicas relevantes.
Transformar teoria em prática. Flusser (2017a, p. 209) aponta que essa
concepção de design como “imposição de uma forma sobre uma massa informe” seria
uma perspectiva ocidental. Contudo,
Enquanto
no Ocidente o design revela um homem que interfere no mundo, no Oriente ele é
muito mais o modo como os homens emergem do mundo para experimentá-lo. Se
considerarmos a palavra estético em seu significado originário (isto é, no
sentido de “experimentável”, de “vivenciável”), podemos afirmar que o design no
Oriente é puramente estético.
Ainda é cedo para
falarmos explicitamente de jogo (embora, como perceberemos mais tarde, já
estamos falando de jogos). Mas a relação Ocidente-Oriente[3]
pode ser melhor abordada. Para sintetizarmos o raciocínio de Flusser (2021)
pertinente à nossa discussão, é possível afirmar que as línguas simultaneamente
são, propagam, criam e formam a realidade, já que esta não teria existência
senão pela linguagem. Muda a língua, muda a realidade. Destarte, Flusser agrupa
as línguas existentes em três blocos: aglutinantes, flexionais e isolantes. Os
dois últimos são particularmente pertinentes para nossa reflexão, uma vez que
deram origem, respectivamente, às civilizações ocidental e oriental. Enquanto
“o mundo das línguas flexionais é um mundo dinâmico, consistente de elementos
plásticos, mas constantes, e obedecendo a regras reduzíveis à lógica. É uma
cadeia de situações organizadas” (FLUSSER, 2021, p. 60), o mundo das línguas
isolantes seria:
[...]
impenetrável para nós, e o máximo que podemos dizer é o seguinte: consiste de
uns poucos elementos duros e imutáveis, os quais, não tendo significado, não
fazem tanto parte, como são condição daquele mundo. (Como, por exemplo, os
átomos não são parte da matéria, mas condição das moléculas deles formadas.)
Esses elementos formam conjuntos estéticos, sem regras formais (a não ser,
talvez, regras estéticas), que emanam uma aura de significado. Se o ideal da
frase flexional é a verdade, então o ideal do conjunto silábico é a beleza.
Naturalmente, estaremos falsificando todo esse problema ao formulá-lo em
português, em língua flexional, portanto (FLUSSER, 2021, p. 62-63).
O design ocidental,
nesse sentido, comparece como um conjunto de elementos (a massa informe)
organizados de acordo com regras (as formas). Destarte, designer seria o
indivíduo capaz de enxergar as regras e de trapacear, escolhendo a melhor
configuração possível de elementos dentro das brechas que as regras permitem.
O jogo de Flusser
Para começarmos a
compreender o papel que os jogos desempenham no pensamento de Flusser (FLUSSER,
2014, p. 274-275), evoco que “no século XVIII, tudo parecia uma máquina; no
XIX, um organismo. No século XX, tudo parece um jogo. Vemos o mundo como jogo,
como jogo entre acaso e necessidade”. E é possível inferir que Flusser não se
surpreenderia com a afirmação de que também o século XXI poderia ser chamado de
século lúdico – denominação proposta pelo designer de jogos Eric Zimmerman
(2014).
A definição de jogo
proposta por Flusser (FLUSSER, 2014, p. 257) é sucinta: “um sistema que se
compõe de elementos combinados entre si segundo regras”. Mas, apesar de
sucinta, é abrangente. Para nos atermos aos exemplos empregados pelo próprio
autor, xadrez, a língua alemã, o jogo de guerra e o futebol seriam exemplos de
jogos. Todos são sistemas compostos de elementos – sejam eles peças, palavras
ou os próprios jogadores – combinados de acordo com regras. Não por acaso, sua
definição de jogo é análoga à sua definição de língua flexional:
O
mundo das línguas flexionais consiste de elementos (palavras) agrupados em
situações (frases = pensamentos). Dentro da situação, o elemento conserva a sua
identidade e entra em relação com outros elementos. Há regras que governam as
modificações dos elementos em situações diferentes, e há regras que governam a
estrutura das situações (FLUSSER, 2021, p. 59).
Não seria exagero
afirmar que, observado a partir de uma realidade definida por uma língua
flexional – como é o caso da presente reflexão, escrita em português – o mundo
passa a ser percebido como um aglomerado de jogos. A ousadia do polemista
Flusser se faz presente.
Mas nem todos os
jogos são iguais. Em primeiro lugar, existem jogos abertos e jogos fechados.
“Um jogo é fechado quando nenhum elemento ou regra novos podem ser introduzidos
sem que, com isso, o caráter do jogo seja totalmente destruído. Um jogo é
aberto na medida em que possam ser introduzidos novos elementos e novas regras”
(FLUSSER, 2014, p. 259-260). Num jogo fechado, o objetivo é esgotar as
combinações de elementos possibilitadas pelas regras. Num jogo aberto, por sua
vez, a intenção é ampliar as possibilidades de combinações, seja pela inserção
ou pela retirada de elementos, seja pela modificação das regras.
Além disso, os jogos flusserianos se
distinguem entre os jogos de soma zero e os jogos de soma positiva. Nos jogos
de soma zero, para um jogador ganhar, outro deve perder. Já nos jogos de soma
positiva, todos os jogadores podem ganhar. Por fim,
Os
jogos podem ser complexos estrutural ou funcionalmente. O xadrez é
estruturalmente simplíssimo. Funcionalmente, é complexíssimo. Pode-se formular
a seguinte tese: a humanidade se desenvolve ou avança na medida em que seus
jogos se tornam mais simples estruturalmente e mais complexos funcionalmente
(FLUSSER, 2014, p. 264).
Não por acaso, para
Flusser (FLUSSER, 2007), compreender os jogos é compreender as dinâmicas
comunicológicas: interpretar como as informações são processadas, transmitidas
e armazenadas. Em outras palavras (FLUSSER, 2014), interpretar como ocorrem
diálogos, discursos e a própria cultura. Isso porque a comunicação, enquanto
fenômeno social e linguístico, é ela mesma um jogo.
Diante dos mais
diversos jogos, Flusser (FLUSSER, 1998, p. 169) aponta para três estratégias:
“jogar para ganhar, arriscando derrota. Ou jogar para não perder, para diminuir
o risco da derrota e a probabilidade da vitória. Ou jogar para mudar o jogo”.
Uma interpretação possível é que a terceira estratégia relaciona-se com mais
afinidade aos jogos abertos. Em todas elas, comparece um pensamento lúdico, que
é um pensamento formal, uma vez que escrutina as estruturas (o conjunto de
regras) que prescrevem um jogo, a fim de investigar as possiblidades de
esgotar/ampliar as combinações possíveis deste.
Design de jogos
Embora Flusser tenha
discutido tanto sobre design quanto sobre jogos, não fui capaz de encontrar uma
relação explícita de ambos os conceitos em sua obra. Contudo, implicitamente,
as pistas existem: o autor aponta o design como sinônimo de programar (FLUSSER,
2014) e, em outro contexto, um programa é definido como um “jogo de permutação
entre elementos claros e distintos” (FLUSSER, 2018, p. 85). Programar seria
então jogar com símbolos (FLUSSER, 2017a). Se seguirmos essa trilha, é possível
inferir que, no pensamento flusseriano, todo design é um design de jogos. Mas
tal definição totalizante pouco explica. Tomemos outro caminho.
Dentre as obras
consolidadas no campo do design de jogos, destaca-se Regras do jogo:
fundamentos do design de jogos, uma coautoria da designer de jogos Katie
Salen com o já mencionado Eric Zimmerman. Para os autores, o design de jogos
pode ser definido como “o processo pelo qual um designer de jogos cria um jogo,
a ser encontrado por um jogador, a partir do qual surge a interação lúdica
significativa” (SALEN; ZIMMERMAN, 2012a, p. 96).
Algumas questões se
abrem. A primeira delas é a respeito da definição de jogo utilizada pelos
autores. Para Salen e Zimmerman (SALEN; ZIMMERMAN, 2012a, p. 95), “um jogo é um
sistema no qual os jogadores se envolvem em um conflito artificial, definido
por regras, que implica um resultado quantificável”. A ideia de um sistema
definido por regras é explicitamente comum com a definição flusseriana. Por
artificial, os autores apontam para a distinção da vida cotidiana, uma vez que
os jogos são sempre limitados no espaço e no tempo (comumente, os limites dessa
distinção são chamados de círculo mágico[4]).
Cabe lembrar que, para Flusser (2014), a comunicação e o design são também
artifícios, ardis para escaparmos das limitações impostas pela natureza.
O ponto fulcral está
na interação lúdica significativa (meaningful play), que “surge da
relação entre a ação do jogador e o desfecho do sistema; é o processo pelo qual
um jogador toma medidas no sistema projetado de um jogo e o sistema responde à
ação. O significado da ação em um jogo reside na relação entre ação e resultado”
(SALEN; ZIMMERMAN, 2012a, p. 49-50).
É importante
ressaltar que, para Salen e Zimmerman (SALEN; ZIMMERMAN, 2012a, p. 50), o
significado “é menos sobre a construção semiótica do sentido (como o
significado é criado) e mais sobre a experiência emocional e psicológica de
habitar um sistema bem projetado de jogo”. Uma relação com o pensamento de
Flusser (FLUSSER, 2017a, p. 54) que se faz possível é que, no contexto de um
ambiente que desvalorizou o trabalho, substituindo-o pelo design,
O
novo homem não é mais uma pessoa de ações concretas, mas sim um performer
(Spieler): Homo ludens, e não Homo faber. Para ele, a vida
deixou de ser um drama e passou a ser um espetáculo. Não se trata mais de
ações, e sim de sensações. O novo homem não quer ter ou fazer, ele quer
vivenciar.
Ainda sobre a
interação lúdica significativa, cabe uma discussão sobre a interação lúdica
– play, no original – definida por Salen e Zimmerman (SALEN; ZIMMERMAN, 2012b,
p. 26) como “o movimento livre dentro de uma estrutura mais rígida”. Em outros
termos, interação lúdica (play), são as possibilidades de combinações
permitidas por um conjunto de regras.
Faz-se pertinente uma
digressão a um conceito amplamente abordado por Flusser (2014; 2017a; 2018),
que é o de aparelho. Em linhas gerais (FLUSSER, 2018), aparelho é tudo aquilo
que é criado para uma atividade que não serve ao trabalho e simula um pensamento.
Nossos smartphones são aparelhos, mas nossa sociedade também o é. No
caso dos smartphones, um software comanda o conjunto de regras,
enquanto na nossa sociedade, como aponta Flusser (FLUSSER, 2021), a língua
exerce essa função de programa. Destarte,
Aparelho
é brinquedo e não instrumento no sentido tradicional. E o homem que o manipula
não é trabalhador: não mais homo faber, mas homo ludens.
E tal homem não brinca com seu brinquedo, mas contra ele. Procura
esgotar-lhe o programa (FLUSSER, 2018, p. 35).
Assim, concluindo a
digressão, aparelhos seriam jogos fechados – jogos nos quais o objetivo é
esgotar as combinações possibilitadas pelo conjunto de regras (ou programa). Em
jogos abertos, o indivíduo brincaria com, e não contra: ampliaria as
possibilidades, no lugar de esgotá-las. É o que Salen e Zimmerman (SALEN;
ZIMMERMAN, 2012b, p. 27) nomeiam como interação lúdica transformadora, que
ocorre “quando o movimento livre da interação lúdica altera a estrutura mais
rígida na qual toma forma. A interação lúdica não apenas ocupa e opõe-se aos
interstícios do sistema, mas realmente transforma o espaço interno”. A
experiência emocional e psicológica decorrente desse fenômeno seguramente pode
ser considerada significativa, uma forma radical de agência, um conceito
definido pela estudiosa de jogos Janet Murray (MURRAY, 2003, p. 127) como “a
capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver os resultados de
nossas decisões e escolhas”.
Aproximações com
Flusser são pertinentes. Sua obra caminhou para a sistematização de uma teoria
da comunicação humana, ou comunicologia. Em sua esquematização pedagógica[5]
para um curso de sua teoria da comunicação, Flusser (FLUSSER, 2007, p. 272)
define o seguinte programa:
“Que
teoria da comunicação seja metadiscurso de todas as comunicações humanas de
maneira que a estrutura de tais comunicações se torne evidente, a fim de poder
modificá-la”. “Comunicólogo” é quem dispõe de instrumentos para modificação das
comunicações humanas, e a teoria deve fornecê-los.
Comunicólogo, proponho, é quem realiza
interações lúdicas transformadoras. Joga com a intersubjetividade[6], e
não contra ela, uma vez que procura ampliar-lhe o programa. Nesse sentido, a
dinâmica comunicológica se opõe, compreensivamente (KÜNSCH, 2020), à dinâmica
aparelhística.
Destarte, lembrando que “criar uma interação
lúdica significativa é o objetivo do design de jogos bem-sucedido” (SALEN;
ZIMMERMAN, 2012a, p. 50), um comunicólogo seria um designer – muito mais
próximo do que Flusser aponta como uma perspectiva oriental do design – de
jogos (abertos): busca projetar modificações nas estruturas de um determinado
sistema (comunicacional), a fim de ampliar sua competência.
Aplicação
Uma vez definido o arrazoado teórico que
permite a afirmação de que, dentre outros temas, Vilém Flusser discutiu o
design de jogos lato sensu, a intenção é refletir sobre como um fenômeno
lúdico poderia ser interpretado a partir desse repertório conceitual. Para
isso, foram escolhidos os larps[7] – termo a ser explicado em seguida –, cuja escolha se dá tanto pela familiaridade com o tema (IUAMA, 2018;
2021a) quanto pela emergência desses jogos recentemente na cultura pop[8].
Os autores tradicionalmente associados com os estudos (do design) de jogos
trazidos no intertítulo anterior – Salen, Zimmerman e Murray – proporcionam as
definições de larp, a partir de onde iremos prosseguir nossa crítica. Para
Salen e Zimmerman (SALEN; ZIMMERMAN, 2012c, p. 94):
Como
nos RPGs de mesa, os jogadores de LARP assumem a personalidade de personagens
fictícios, definidos por meio das estatísticas do jogo formal, bem como por
meio da história pregressa da narrativa e de uma personalidade inventada. Mas
os LARPs não acontecem ao redor de uma mesa. Em vez disso, os LARPs ocorrem em
espaços físicos reais, pois os jogadores caminham e interagem uns com os
outros, representando dramaticamente as ações de seus personagens em tempo
real.
Murray (MURRAY, 2003,
p. 53) complementa, afirmando que esses “jogos de representação são teatrais[9] de
um modo não convencional, mas emocionante. Os jogadores são, ao mesmo tempo,
atores e espectadores uns para os outros, e os eventos que eles encenam
frequentemente possuem o imediatismo das experiências pessoais”. Tanto para
Salen e Zimmerman, quanto para Murray, os larps são uma forma de RPG. Por isso,
faz-se necessário definir os RPGs. Na mais[10]
aprofundada e abrangente discussão sobre o tema, observa-se que:
Role-playing
game é um termo usado por vários grupos sociais para se referir a várias formas
e estilos de atividades e objetos lúdicos que giram em torno da criação
estruturada por regras e da representação de personagens em um mundo ficcional.
Os jogadores geralmente criam, representam e governam individualmente as ações
dos personagens, definindo e perseguindo seus próprios objetivos, com escolhas
amplas sobre quais ações eles podem tentar. O mundo do jogo geralmente segue
algum tema do gênero ficção e é gerenciado por um árbitro humano ou computador.
Frequentemente, existem regras para a progressão do personagem, tarefas e
resolução de combate (ZAGAL; DETERDING, 2018, p. 46).
O que mais nos
interessa aqui é que, nos larps, um jogador coloca sua personalidade cotidiana
em segundo plano, com a intenção de assumir uma personalidade ficcional. O que
nos leva, novamente, a Flusser: para o autor, a vida do ser humano do futuro
(nós?) seria um movimento pendular entre o concreto e o abstrato. Nesse
contexto, Flusser (FLUSSER, 2017b, p. 374) aponta que:
A
vida ativa desse ser do futuro será a criação por ética de mundos deliberados e
substituíveis. E a vida contemplativa será a visão da dependência desses mundos
todos do inefável. Este homem do futuro será um ser que poderá habitar uma
multiplicidade de mundos de estruturas intercambiáveis, porque estará ancorado
no chão fundante do inarticulado. A sua criação de mundos será um serviço ao
inefável, e estes mundos serão obras a serem sacrificadas no altar do inefável
pela contemplação redutiva.
Me parece ser
exatamente isso que fazemos ao participar de um larp. Criamos, por ética –
assumindo ética como a relação dialógica com o outro (Eu-Tu), como preconiza
Buber (2001) –, mundos deliberados e substituíveis. Habitamos múltiplos mundos
desses: ao menos um a cada larp diferente que participamos. Suas estruturas são
intercambiáveis, justamente porque são flexíveis e negociáveis – para alguns[11],
até demais. O inarticulado, que ancora tais estruturas, não é outro senão o
próprio mundo interno de cada um dos participantes: mudam os participantes,
muda a estrutura do jogo, pelo simples fato de a biografia dos participantes
ser um elemento constituinte dos larps (IUAMA, 2018). E, ao contemplar as
experiências vividas em um larp, ao imaginar – “reduzir para o nível da
narração” (FLUSSER, 2017b, p. 97) –, um indivíduo pode transformar aquelas
experiências vividas na ficção em modelos para aplicar em outros contextos da
sua vida (IUAMA, 2021a). Em síntese, a descrição da vida do ser do futuro por
Flusser poderia muito bem figurar como parte da descrição do que é um larp.
Voltemos para os
conceitos descritos no intertítulo anterior. O programa de um larp – ou seja,
sua estrutura (conjunto de regras), sua proposta narrativa, ou qualquer
descrição que o valha, por vezes chamada de larpscript – prevê como
elementos constituintes os jogadores, que por sua vez são compostos por suas
próprias biografias. Só por esse motivo, pensar nos larps como jogos nos quais
os jogadores buscam esgotar as possibilidades do programa é absurdo. Pelo
contrário, o objetivo do jogo consiste em ampliar as possibilidades do
programa. Destarte, o design de um larp consiste em criar um programa atrativo
o suficiente para que os participantes se sintam convidados a se engajarem em
ampliar suas possibilidades.
Dado o caráter iminentemente social dos
larps, a intersubjetividade é solicitada. O que desperta interesse nos larps é
que combinações poderiam emergir da relação com o outro. Jogo aberto, de soma
positiva. No qual só se aplica a estratégia três: jogar para mudar o jogo.
Afinal, a cada execução de um larp, o próprio larp se transforma, uma vez que,
invariavelmente, são adicionados elementos não previstos.
Nesse sentido,
pode-se inferir que o design de um larp caminha do Ocidente para o Oriente:
apesar de partir da imposição de uma forma, transforma-se em um modo de como os
indivíduos emergem nesse mundo para vivenciá-lo. Destarte, não é fortuita a
noção flusseriana (2014, p. 263) de que “para poder jogar um jogo, é preciso
ser competente. É preciso ser disciplinado. Além disso, no jogo, é preciso
esquecer-se de si mesmo. O lúdico é algo esquecido de si”. Na
intersubjetividade, o indivíduo abandona o ímpeto (tão celebrado na sociedade
ocidental) de impor sua vontade ao informar um fenômeno, em troca de uma
vivência coletiva daquele mundo ficcional compartilhado.
Considerações Finais
O comunicólogo (de) Vilém Flusser é, ao cabo, um designer de jogos. O é
porque busca esmiuçar o conjunto de regras que programam as relações
intersubjetivas, a fim de alterá-las. Esse é um gesto ambíguo, é importante
ressaltar. O próprio Flusser, como é conhecido, é por vezes crítico aos jogos
no decorrer de sua obra. Afinal, o mesmo jogo pode ser instrumento de
libertação e instrumento de aparelhamento. Até por isso, Flusser também olha –
sempre, é importante frisar – a necessidade de entender as estruturas (jogos) e
a manifestação destas (design) com euforia, já que esse conhecimento é
pré-requisito para elaborar qualquer ardil nas estruturas dadas, natural:mente (na grafia estilizada pelo
autor para afirmar que tudo que é tido como naturalizado é, ao cabo, uma
mentira).
E realiza essa trapaça (design) porque sabe que, alterando as estruturas
de um sistema, aumenta-lhe a competência. Poderia agir de outra forma, é fato.
Poderia jogar contra o programa da intersubjetividade. Poderia promover uma
intersubjetividade aparelhada. Faria isso se assumisse que as regras para a
intersubjetividade são um sistema fechado, e cabe a ele jogar contra: esgotar
as possibilidades de combinações oferecidas por esse sistema supostamente
fechado.
Mas nós, na condição de seres humanos, não somos sistemas fechados.
Portanto, nossa mera presença como elementos de um sistema (e os larps
exemplificaram isso no presente texto) fazem com que as combinações possam ser
ampliadas. É nisso que o comunicólogo (de) Vilém Flusser aposta: em utilizar
seu conhecimento das estruturas lúdicas para explorar brechas, ou criar
trincas, nos programas dos quais participa.
E faz isso não por um suposto prazer mórbido na destruição. Pelo
contrário. O faz porque sabe que, se tudo que é ordenado tende à desorganização
(entropia), a única chance de evitar a destruição é a mudança constante.
Referências
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[1] Ed Sommer,
»Portrait Vilém Flusser«, 1989.
[2] O projeto de pesquisa em questão é
nomeado Ludofagia: o lúdico e o antropofágico na comunicologia de Vilém
Flusser, e foi realizado junto ao Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Cultura da Universidade de Sorocaba entre os anos de 2020 e 2021. Em
consonância a esse, o projeto nomeado As dinâmicas comunicológicas
flusserianas aplicadas a fenômenos de design e publicidade, do qual também
resulta o presente texto, foi oferecido junto ao Programa de Iniciação
Científica do Centro Universitário Belas Artes, ciclo 2021-2022, com o objetivo
de compreender as dinâmicas de engajamento dos indivíduos em fenômenos de
design e publicidade.
[3] Embora outras aproximações sejam
possíveis, tais como a noção de jogos em Flusser ser derivada dos jogos de
linguagem de Wittgenstein, a opção tomada no presente ensaio foi a fidelidade
ao pensamento do próprio autor, que coloca esse tensionamento entre Ocidente e
Oriente como pertinente. No caso específico de Wittgenstein, é importante
colocar que o próprio Flusser (2021) contesta a noção wittgensteineana de
linguagem, optando por outro caminho já em suas obras iniciais, e
intensificando esse distanciamento no decorrer de sua trajetória intelectual.
[4] O termo é recorrente desde seu emprego
pelo historiador Johan Huizinga (2017).
[5] As reflexões do autor sobre tal projeto
pedagógico podem ser encontradas em sua autobiografia (FLUSSER, 2007). Uma
discussão contemporânea desse curso foi realizada por Luís Mauro Sá Martino (MARTINO,
2020). Ambas as leituras são recomendadas para quem se interessar em
aprofundar-se sobre o tema.
[6] Intersubjetividade, conceito
transversal na obra de Flusser, é amplamente inspirado na palavra-princípio
Eu-Tu, de Martin Buber (BUBER, 2001). Esta seria a relação ética entre dois
indivíduos, que se opõe as interações pautadas pela objetivação (Eu-Isso).
[7] Embora existam autores que insistam em
utilizar a expressão em letras maiúsculas, LARP, indicando o acrônimo para live-action role-play, existe um
movimento para o uso em minúsculas, similar ao que aconteceu com as palavras
laser e radar (DETERDING; ZAGAL, 2018).
[8] Um desses exemplos é o último jogo da
franquia de jogos digitais Life is Strange (DECK, 2021) – franquia que
também é ressonante com outros conceitos desenvolvidos por Flusser (IUAMA,
2022a).
[9] Cabe apontar que, embora existam pontos
de contato (HOOVER et al, 2018), a discussão do larp se distancia das
discussões sobre drama, teatro e performance na medida em que a ausência de
público (consumidor passivo de estímulos) é prerrogativa nos larps.
[10] A adjetivação pode até parecer
excessiva, mas é pertinente. A obra consiste “num esforço colaborativo de
quarenta pesquisadores, de diversas nacionalidades, ao longo de cinco anos”
(IUAMA, 2021b, p. 454), com o intuito de realizar um estado da arte abrangente
e representativo dos estudos de RPG.
[11] A alusão aqui é ao estudioso de jogos Jesper Juul (2019), que se incomoda tanto com a flexibilidade das regras em um RPG a ponto de falar que estes deveriam ser considerados casos limítrofes no conceito de jogo.
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