Revista Sísifo. N° 14, Julho/Dezembro 2021. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com
A Floresta Nova - Desenho de Davi Kopenawa
Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Comunicação
e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGCOM-UFRJ) e bolsista
CAPES.
Resumo: Considerando a convergência entre
capitalismo preditivo e crise climática, este artigo discute duas influentes
perspectivas teóricas contemporâneas sobre o futuro: a Psicopolítica proposta
por Byung-Chul Han (2014) e o devir-índio formulado por Danowski e Viveiros de
Castro (2014). Investiga-se como principal
elemento comum entre estas abordagens a
ruptura da associação entre o futuro e o conceito moderno de progresso: a
expectativa da ampliação contínua do campo de possibilidades da ação humana. Em
diálogo com contribuições como o Afropessimismo,
o devir-negro de Mbembe (2018) e a obra de Walter Benjamin (2020), busca-se refletir se a proposta de redução do papel
histórico da humanidade na definição do futuro diante de agências não-humanas,
artificiais ou naturais, deriva necessariamente na atitude que o pensador
alemão denominou "fatalismo melancólico". Ou se o futuro permanece em
aberto, revisando as obras de Han (2014) e
Danowski e Viveiros de Castro (2014) a partir da noção de aposta na incerteza,
derivada do pensamento de Blaise Pascal (2019).
Palavras-chave: Futuro. Psicopolítica. Devir-índio. Incerteza.
Abstract: Considering
the convergence between predictive capitalism and the climate crisis, this
article analyzes two influential contemporary theoretical perspectives on the
future: the Psychopolitics proposed by Byung-Chul Han (2014) and the devir-índio
formulated by Danowski and Viveiros de Castro (2014). We propose as the main
common element to interpret these approaches the rupture of the association
between the future and the modern concept of progress:
the continuous expansion of possibilities of human action. In dialogue
with contributions such as Afropessimism, Mbembe's (2018) devir-negro and the
work of Walter Benjamin (2020), we seek to reflect on
whether the proposal to reduce the historical role of humanity in defining the
future in face of non-human, artificial or natural agencies necessarily derives
from the attitude that the German thinker called "melancholy
fatalism". Or if the future remains open, challenging the predictions of
Han (2014) and Danowski and Viveiros de Castro (2014), based on the notion of
betting on uncertainty, derived from the thought of Blaise Pascal (2019).
Keywords: Future.
Psychopolitics. Devir-índio. Uncertainty.
Introdução
Quais futuros podem ser imaginados atualmente? O início do século
se apresenta como um período de convergência de crises: sanitária, climática,
econômica, de representação, entre outras. É um momento inédito: "a crise
atual, não como uma crise cíclica ordinária (...) mas como reveladora de uma
crise de civilização e da própria ideia do progresso" (BENSAID,
2000, p.1). E uma crise da ideia de progresso redefine a própria perspectiva de
futuro.
Durante séculos o pensamento ocidental, com raras exceções, associou a passagem do
tempo às mutações tendencialmente positivas na sociedade, ou, como Kant formulou, um progresso constante no gênero
humano, cujo télos deve ser desvendado (FOUCAULT, 1994).
Esta concepção só pode ser compreendida em um paradigma linear de
história, herdado da fusão entre a tradição cristã e aristotélica. A história é
a progressão entre o momento da criação, causa primeira, e o fim dos tempos,
causa final.
A partir do iluminismo, a laicização deste paradigma associa o
desenvolvimento da técnica e da liberdade humana como vetores do progresso. O
Futuro, apesar de suas ininterruptas transformações, é uma continuidade
ascendente.
Contudo, no século XXI diferentes leituras reforçam a crítica ao conceito de progresso frente aos desafios de escala
inumana derivados do desenvolvimento da própria técnica: a crise ecológica e o
crescente poder do Big Data, Inteligências Artificiais e seus efeitos
preditivos.
Nesses
cenários, o futuro é uma ruptura com o horizonte das promessas de liberdade da
modernidade.
O
presente artigo apresenta criticamente duas
influentes contribuições teóricas sobre o futuro diante do Antropoceno e do
capitalismo preditivo: a Psicopolítica formulada por Byung-Chul Han (2014) e o
devir-índio apresentado por Danowski e Viveiros de Castro (2014).
Realiza-se uma introdução dessas abordagens em diálogo com outros
pensadores como Mbembe (2017, 2018), Deleuze (2000), Foucault (1994, 1998,
2014) e Arendt (2000), para refletir quais questões relevantes essas linhas de
pensamento levantam sobre a construção histórica dos conceitos de futuro e de
tempo.
Neste sentido, para analisar as controvérsias e convergências da
Psicopolítica com o devir-índio, mobilizamos sobretudo a obra de um dos principais
pensadores do século XX a apostar na
aniquilação da ideia de progresso: Walter Benjamin (2020).
A Psicopolítica: o futuro como
mercadoria e controle
O que separa o presente do Futuro? Qual o papel do observador em
definir a fronteira entre estes dois estados do tempo? Há futuro quando ele
tende a ser permanentemente previsto? Ou seja, quando agentes no presente são
capazes de intervir em cenários que ainda não ocorreram, inclusive podendo
cancelar futuros indesejados?
Segundo Deleuze (2000), na sociedade de controle contemporânea, a
modulação substitui a disciplina como principal técnica de poder. Trata-se da
captura dos fluxos de desejo para constituir hábitos mentais adequados à
subjetividade desejada por parte do capitalismo, preservando a percepção de
liberdade dos indivíduos.
Forma particular da modulação deleuziana, a modulação algorítmica
é o processo de condução da atenção, conexão e ação da população nas
plataformas digitais, baseada na personalização da experiência virtual de cada
indivíduo. Esta experiência singular do usuário é moldada pelos algoritmos que,
no código das plataformas, manifestam os interesses de seus proprietários (HAN,
2014).
Em geral, os algoritmos digitais organizam a experiência do
usuário a partir do cruzamento de duas técnicas: o data mining, a mineração de dados e o profiling, a perfilação (BRUNO, 2016).
O data mining consiste
na análise automatizada de grandes volumes de dados, o Big Data, em busca de padrões nos rastros do comportamento digital
dos indivíduos, que "geram conhecimentos específicos a partir da
correlação entre elementos segundo princípios de similaridade, vizinhança e
afinidade" (BRUNO, 2016) de modo a inseri-los em uma taxonomia de perfis
segmentados, os profiles.
A identificação de regularidades no comportamento anterior dos
indivíduos e populações serve à projeção de seus padrões futuros de ação,
configurando um conhecimento indutivo com efeito preditivo, no qual os
algoritmos buscam gerar modelos probabilísticos que não só descrevem,
mas, sobretudo, influenciam a realidade.
Em resumo, trata-se de modular os caminhos dos usuários para que
as decisões de cada um coincidam com as esperadas pelo sistema, em uma lógica
de profecia autorrealizadora.
Neste contexto, Byung-Chul Han (2014) considera que a prevalência
da modulação sobre a disciplina estabelece um novo regime de poder específico
do neoliberalismo, a Psicopolítica: uma atualização da leitura deleuziana sobre
o controle que explora a relação do Big
Data com a psique.
A partir da noção de "inconsciente óptico" de Walter Benjamin,
Han (2014) propõe que a modulação baseada em Big Data opera em um inconsciente
digital, induzindo padrões de decisão, desejo e comportamento dos usuários
que ocorrem num nível pré-reflexivo, inconsciente, constituindo, portanto, a
política sobre a psique, a Psicopolítica.
O ensaio de Han (2014) não estuda em profundidade
manifestações particulares da Psicopolítica, mas a investigação de patentes dos
oligopólios responsáveis pelas plataformas digitais é campo fértil para
analisar o estado da arte dos modelos preditivos e seus efeitos de poder.
É o caso do algoritmo "FBLearner Flow" do Facebook, cuja
documentação sigilosa foi vazada por fonte anônima para o veículo Intercept,
que a publicou. Por meio do algoritmo, a companhia pretende ofertar campanhas
publicitárias baseadas em decisões que o público-alvo ainda não tomou, mas que
possui alta probabilidade de tomar no futuro próximo. Como clientes possíveis,
a plataforma considera quaisquer anunciantes interessados na reversão de uma
futura rejeição ao produto ou candidato antes mesmo que esta ocorra (SILVEIRA,
2018).
Desse modo, o futuro torna-se uma commodity, negociada permanentemente em leilões onde o maior
lance obtém o privilégio de influenciar milhões ou bilhões de decisões futuras
de consumo, comportamento político ou social (HAN, 2014).
Permanece em questão um velho problema dos mercadores de
profecias. Como conferir a eficácia do mecanismo cujo objetivo é evitar um
acontecimento, dado que nada comprova que este estava destinado a acontecer
caso seja conscientemente evitado?
Na ficção especulativa, este é um drama central de "Relatório
Minoritário", conto de Philip K. Dick (2002). Na obra, os efeitos
preditivos são aplicados à antecipação de crimes, resultando no encarceramento
preventivo em massa. Apesar de polêmica, o acerto da política pública é
comprovado pela queda estatística na realização de atos violentos.
Mas tratando-se de cenários probabilísticos, da mesma forma que na
previsão contemporânea dos algoritmos digitais, há sempre espaço para a
incerteza, e esta será valorizada ou desconsiderada na tomada de decisões em
função do perfil de sobre quem recai a condenação prematura.
Na novela do início dos anos 1990, o conflito estabelece-se quando
a alta hierarquia responsável pela aplicação das penas preventivas emitidas
pelos oráculos torna-se alvo do sistema. Na realidade da segunda década do
século XXI, populações negras denunciam o viés racista dos modelos preditivos
de crimes que guiam a ação da polícia norte-americana em centenas de cidades
(HEAVEN, 2020).
Contudo, a Psicopolítica não precisa agir apenas baseada no Big Data, em modelos estatísticos
correlacionais que vasculham nossa performance passada para projetá-la sobre o
futuro. A exploração do intervalo que marca as fronteiras entre o presente e
futuro permite predições muito mais precisas.
Os scanners cerebrais
atualmente permitem identificar em laboratório a decisão tomada por um
indivíduo antes que esta se torne consciente e se manifeste no mundo exterior
com uma antecedência de até sete segundos. Não se trata mais do reino das
probabilidades, mas da
análise em tempo real das escolhas efetivamente
tomadas espontaneamente em condições aleatórias (BODE et al, 2011).
Segundo os responsáveis (BODE et al, 2011), o experimento comprova
que a experiência do ato de decidir pelo nosso self é uma ficção que leva mais tempo para ser produzida pelo
cérebro do que a decisão em si. O livre arbítrio é uma simulação dispendiosa
cuja razão de existir é garantir a ilusão de controle sobre o próprio corpo, a
qual em algum momento se tornou evolutivamente vantajosa.
Considera-se este intervalo entre o ato e a consciência do ato como um
campo privilegiado para a ação da modulação de comportamentos e o mercado da
Psicopolítica em um futuro próximo. Ações futuras do usuário poderão ser
evitadas ou reforçadas antes que se tornem conscientes em função dos estímulos
corretos.
Este cenário pressupõe apenas a miniaturização e distribuição dos scanners e de novas soluções de software dentro do paradigma behaviorista que já domina todo o
planejamento da experiência dos usuários nas plataformas digitais.
Neste sentido, a transposição dos scanners dos laboratórios para o bolso ou corpo de cada um já é uma
corrida em andamento, onde o Facebook largou na frente (SIGAL, 2019). Este é
apenas mais um passo na passagem da internet das coisas, a extensão da conexão
eletrônica entre o conjunto de objetos que cercam a experiência humana, para a
internet dos corpos.
A internet dos corpos representa a proliferação de dispositivos
biométricos integrando a própria existência biológica, somática, de cada
indivíduo aos dados que produz e a transformação de seu corpo em interface
digital.
Esta passagem é estimulada a ser desejada no que Han (2014)
denomina quantified self, a forma de
subjetivação neoliberal em que o cuidado de si se converte em otimização
contínua das métricas do próprio desempenho nos mais diferentes campos:
atividade física, performance sexual, sucesso profissional.
Deste modo, segundo Han (2014) o indivíduo compete consigo mesmo e
se auto explora, deslocando a responsabilidade de suas frustrações e limitações
de um agente externo para si: o sujeito neoliberal é um empresário de si mesmo.
Ao mesmo tempo, comprometido com a gestão eficiente de sua vida,
este sujeito abandona o futuro comum como perspectiva de realização e
internaliza a lógica dos algoritmos e suas métricas como caminho para o
bem-estar.
Um exemplo é a busca pelo acúmulo de curtidas e visualizações em
plataformas sociais tomada enquanto validação social e forma narcísica de
realização. Trata-se da passagem do modelo panóptico, uma vigilância passiva
introjetada como temor nos vigiados, para um controle ativo pelo desejo permanente
de exposição.
Cabe destacar que Han apresenta sua perspectiva como inédita,
especialmente em relação à periodização das relações de poder proposta por
Michel Foucault (2014). Han (2014) sugere limitações do pensador francês no que
chama "o dilema de Foucault": o esgotamento atual tanto da disciplina
e da biopolítica quanto das práticas de liberdade no cuidado de si diante das
articulações entre saber e poder atuais.
Contudo, Han (2014) ignora nesta obra o debate da governamentalidade,
a forma mais geral e contemporânea de dominação descrita por Foucault (1998)[1].
A governamentalidade
baseia-se na proposição de que governar é conduzir condutas de indivíduos e
grupos por meio de seus vínculos, do ordenamento das probabilidades e da
constituição do campo do possível (FOUCAULT, 1998). Exatamente o que os
algoritmos digitais fazem ao intermediar os fluxos humanos de conexão, atenção
e ação.
Portanto, propomos considerar a Psicopolítica como uma atualização
das técnicas de governamentalidade. Os algoritmos cada vez mais
autônomos à supervisão humana conquistam uma posição invejável de sujeitos de
saber e suas mediações da vida individual e coletiva se transformam em um
dispositivo de poder “que cria mundos onde a ciência de dados paira como o
olhar de Deus” (HAN, 2014, p.16).
Neste cenário, o que resta da liberdade, da condição de
produzirmos futuros para além do controle?
Hannah Arendt (2000), ao analisar as transformações históricas do
paradigma de liberdade destaca a mutação da definição centrada na ação coletiva
dos cidadãos na Pólis para a de livre-arbítrio individual nos séculos
XVII e XVIII.
Na antiguidade grega, a liberdade era a experiência do homem que
intervém no destino da sociedade, constituindo-se enquanto indivíduo por meio
da sua contribuição à esfera comum. Pressupunha a responsabilidade pública e a
liberação individual: para ser livre o homem devia ter-se libertado das
necessidades da vida, repassadas as mulheres e escravos, e necessitava da
companhia de outros homens que estivessem no mesmo estado (ARENDT, 2000).
Na modernidade, a liberdade é remetida à esfera privada, onde
passa a ser associada ao livre-arbítrio: a capacidade de fazer escolhas, de
exercer sua vontade sobre si e sobre o que lhe pertence. As liberdades passam a
ser garantias individuais apartadas do exercício político direto:
Pensadores dos séculos XVII e
XVIII (...) identificavam liberdade política com segurança (...) o propósito
supremo da política, “a finalidade do governo” era a segurança”. A segurança,
por seu turno tornava possível a liberdade, designando atividades que ocorriam
fora do âmbito político. (...) A liberdade não era mais vivenciada no agir e na
associação com outros, mas no desejo e no relacionamento com o próprio eu
(ARENDT, 2000, p.197).
Ao pressupor que a Psicopolítica permite "um conhecimento
integral da dinâmica inerente à sociedade" (HAN, 2014, p.25) e modula
populações inteiras em níveis pré conscientes, Han conclui que tanto a dimensão
coletiva quanto individual da liberdade estão esgotadas.
Para o filósofo coreano, "o Big Data anuncia o fim do indivíduo e da vontade livre" (HAN,
2014, p.26) na medida em que a lógica de otimização é a principal técnica de si
para a gestão das trajetórias pessoais, enquanto a revolta coletiva é socialmente
irrealizável, porque a consciência da dominação é fisiologicamente impossível.
Han é inequívoco em afirmar a restrição da agência humana à
continuidade da dominação atual, o que, em outras palavras, significa cancelar
o futuro como alteridade:
"É insuperável. O
capitalismo, precisamente por esta condição intrínseca de caráter permanente,
escapa até ao futuro" (HAN, 2014, p.16). O poder se manifesta como
controle psicopolítico do futuro, e fora das relações de controle só resta o
banimento social e a eliminação no que Han (2014) denomina Banoptikum.
A visão de Han (2014) apresenta, portanto, uma inversão completa
do sentido iluminista do progresso como ampliação histórica da liberdade,
sintetizada por Kant na previsão de que a humanidade caminhava em direção a
autonomia dos povos em decidir como governarem a si mesmos (FOUCAULT, 1994).
Doravante, é um sistema
cada vez menos humano e mais automatizado que governa o presente e fabrica o
futuro.
O Futuro como fim do mundo
Enquanto a Psicopolítica apresenta o futuro como continuidade do
modelo societário atual baseado numa dominação tecnológica cada vez mais
sofisticada, outras visões contemporâneas anunciam o colapso já iniciado desta
mesma sociedade diante da crise ecológica.
Nesta seção analisa-se a síntese dessas visões na obra
“Há mundo por vir? Ensaio sobre os medos e os
fins” de Danowski e Viveiros de Castro (2014).
Não se trata mais da ruptura do futuro com o progresso em função
de modulações sutis que escravizam o livre-arbítrio, mas da impossibilidade
brutal das condições históricas que sempre foram tomadas como dadas para a
expansão do campo de possibilidades da ação humana.
Danowski e Viveiros de Castro (2014) destacam como nenhuma
discussão sobre a liberdade desde o iluminismo levou em conta a capacidade de
agência geológica que os seres humanos iam adquirindo conforme ampliaram a
escala de sua práxis e as consequências desta para a biosfera.
A noção de progresso foi fundada na distinção moderna entre
cultura e natureza (LATOUR, 2012), expressando um projeto civilizatório que
submete a segunda à primeira. Distinções como moderno e arcaico expressaram uma
demarcação entre futuro e passado não apenas cronológica, mas evolutiva, onde a
medida do desenvolvimento histórico era baseada na contínua expansão da
capacidade de transformação do planeta.
De uma força superior aos poderes humanos codificada como divina,
a natureza passou a ser compreendida na modernidade ocidental enquanto fonte de
recursos infinitos e conjunto de barreiras a serem permanentemente
ultrapassadas pela potência humana.
No entanto, a crise ecológica atual expressa um desdobramento
paradoxal do desenvolvimento técnico advogado pelas filosofias do Progresso.
Embora a atividade humana se torne o principal fator geológico no planeta, fato
que poderia ser celebrado pelos pensadores positivistas do século XIX, sua
consequência é a interrupção de um longo equilíbrio de diversos fatores
naturais que garantiram a existência da nossa espécie e da vida como a
conhecemos.
Neste contexto, a natureza deixa de ser tomada como um “objeto
dominado” e é reconhecida como crescentemente imprevisível e desafiadora para
nossa sobrevivência, anunciando um mundo que nenhum ser humano conheceu e mesmo
tem dificuldades em imaginar.
O aumento da temperatura média da superfície terrestre e da
concentração de carbono atmosférico já ocorrem num nível sem precedentes pelo
menos nos últimos 800.000 anos. As projeções de aumento do nível do mar oscilam
entre 10 e 30 metros, com os cenários mais extremos apontando um planeta sem
gelo permanente em seus pólos e países como o Brasil perdendo cerca de 60% das
suas terras férteis nos próximos 50 anos (IPCC, 2019).
Esta realidade inédita abre espaço para diversas narrativas no
campo da ficção, do debate político e da literatura científica que recuperam a
ideia de “fim do mundo”, ou seja, do futuro como catástrofe compartilhada
(CHAKRABARTY, 2009). São estas visões que profetizam o encerramento do período
de progresso humano como foi formulado pela modernidade.
Há alternativa? Segundo Danowski e Castro (2014) não dentro do
paradigma moderno, como será demonstrado a seguir.
Dialogando com a obra de Bruno Latour, a escola da Singularidade,
o marxismo “aceleracionista” e pensadores referenciados no conceito de
Antropoceno, Danowski e Castro (2014) descartam os sujeitos propostos como
capazes de reverter ou mitigar a hecatombe ecológica.
Defensores da Singularidade, do transhumanismo e do
aceleracionismo retomam as promessas fáusticas da modernidade e buscam alcançar
uma humanidade livre de toda contingência biológica a partir da fusão com as
inteligências artificiais. As nuances se resumem a se esta realização
representa o apogeu da sociedade capitalista ou sua ultrapassagem utópica,
hipótese anticapitalista da singularidade apresentada pelo Manifesto
Aceleracionista (DANOWSKI, CASTRO,
2014).
Já Chakrabarty (2009) representa aqueles que apostam em uma
humanidade que se reconhece enquanto espécie e desta perspectiva global evita
seu ecocídio, que ocorreria ao se assumir o discurso da ciência como condutor
da sociedade.
Contudo, para Danowski e Castro (2014) o que o Antropoceno coloca
em xeque é justamente a própria noção de anthropos,
de um sujeito universal como espécie, classe ou multidão, capaz de agir
enquanto um só povo.
Diante da crise ecológica, a dupla defende a substituição da
aposta no interesse universal humano positivo e do sujeito que o encarna por
uma diversidade de alinhamentos ético-políticos entre diversas culturas e uma
miríade de outros actantes não-humanos, o que Latour chama de os
"Terrenos" (DANOWSKI, CASTRO, 2014).
O pessimismo frente às alternativas guiadas pelo paradigma do
progresso é justificado com uma diversidade de exemplos de diferentes matizes
políticas e teóricas: a sucessão de acordos climáticos fracassados; o
investimento em energia renovável como justificativa para a manutenção das
emissões de carbono[2]; a contínua defesa do desenvolvimento às custas da natureza
mesmo na tradição crítica ao neoliberalismo e o capitalismo[3].
Entretanto, os autores descartam igualmente a hipótese Latouriana
de conversão dos "humanos modernos" em "terrenos" livres
de pretensões antropocêntricas, guiados apenas por esforços críticos da
tradição ocidental. Segundo Danowski e Castro (2014), a mitologia adequada ao
nosso tempo será uma cosmopolítica fundada no pensamento ameríndio.
Sociedades contra o
Progresso: o futuro como devir não ocidental
Se o fim do mundo como o conhecemos é inevitável, o desafio é
sobreviver a ele. E esta tarefa extrapola o caráter antropocêntrico,
temporalmente linear e teleológico dominante no pensamento moderno.
Para Danowski e Castro, a modernidade inaugurou uma concepção
antropocêntrica onde cabe ao homem papel excepcional no universo,
"legislador autônomo, soberano da natureza, único ente capaz de elevar-se
para além da ordem fenomenal da causalidade" (DANOWSKI, CASTRO, 2014,
p.43). A realidade é objeto à espera de tomar forma e assumir propósito em
função do engenho humano.
Contudo, o que o Antropoceno revela é uma outra agência sobre o
cosmos, a da natureza, que diversos autores (STENGERS, 2009, LATOUR, 2020,
FAUSTO, 2013) captam no conceito de Gaia, o qual perturba a aspiração à total
liberdade humana.
O reconhecimento de que a ação não é uma propriedade exclusiva dos
humanos implica na necessidade de descartar a perspectiva antropocêntrica
fundada na distinção entre natureza e história.
Em lugar do antropocentrismo, Danowski e Castro (2014) propõe recuperar
a concepção antropomórfica dos povos yanomami e guarani, onde a compreensão de
todos os entes do cosmos como actantes, no sentido dado por Latour (2012), se
dá pelo seu reconhecimento enquanto parte da humanidade, da qual a espécie
humana é apenas uma manifestação entre muitas.
Um cosmos antropomórfico é o fundamento ontológico do que Viveiros
de Castro (2018) designa perspectivismo Ameríndio: paradigma indígena em que
cada espécie animal se vê a si mesma como humana, anatômica e culturalmente,
por perceber o eco em si do princípio humanoide ancestral de todos os
existentes. Frente às demais, sua forma corporal as denota como animais, com
exceção de momentos míticos como o sonho, em que duas espécies podem se
reconhecer na sua humanidade compartilhada.
Esta compreensão da realidade está intimamente associada à forma
pela qual esses povos narram a história da criação ao fim do mundo, dando
pistas para refletirmos sobre o nosso futuro.
Segundo os ameríndios, antes da criação a humanidade ancestral
permanecia em seu devir contínuo entre as infinitas formas que pode assumir. A
origem do mundo é o processo de estabilização do potencial de mutação da
humanidade nas suas atuais formas de entes distintos e relativamente estáveis,
como as montanhas, rios e espécies animais, entre elas o homem (DANOWSKI,
CASTRO, 2014).
Neste sentido, a ênfase da práxis
indígena é na produção regrada de transformações capazes de reproduzir o
presente etnográfico, o mundo atual, sem que este recaia na proliferação
regressiva e caótica de transformações contínuas latentes na humanidade.
Logo, as sociedades ameríndias repudiam a aceleração das
transformações porque a estabilidade e não o desenvolvimento contínuo é o
objetivo civilizatório. Lévi-Strauss (1976) denominou esta lógica societária de
sociedades frias e Danowski e Castro
(2014) a traduzem pela categoria de sociedades
lentas. Arriscamos dizer que, além de sociedades contra o Estado, são Sociedades contra o Progresso.
Danowski e Viveiros de Castro (2014) destacam que esta
estabilidade passa pelo respeito a determinadas constantes descobertas pelos
povos indígenas em sua experiência, que, no século XIX, seriam conhecidas pelo
ocidente como "termodinâmicas", e cuja ultrapassagem está na raiz das
mutações econômicas modernas relacionadas à crise climática.
Contudo, a recusa em entender a história como progresso linear não
significa que o cosmos seja estático. As sociedades ameríndias expressam uma
concepção cíclica do tempo, em que a realidade é recriada a partir de
sucessivos fins do mundo e recomeços.
A cada novo ciclo de criação e destruição corresponde uma
humanidade específica. Pois a humanidade é consubstancial à realidade: pode ter
havido entes humanos antes de tudo, mas não pode haver um mundo depois da
humanidade, desprovido de relação e alteridade.
Esta concepção histórica converge com a realidade contemporânea
dos povos indígenas, após seu encontro com a civilização ocidental, para
justificar a aposta na sua resiliência diante da hecatombe climática.
Os povos indígenas podem compartilhar com os ocidentais como
lidar com o fim do mundo porque para os ameríndios este já ocorreu: a conquista
europeia da América. Antecipando a crise ecológica atual, a chegada dos
europeus a partir de 1492 nas Américas desencadeia a primeira grande extinção
moderna, tanto do ponto de vista ambiental, como enquanto genocídio e
epistemicídio (DANOWSKI, CASTRO, 2014).
Não obstante, os povos indígenas sobreviveram à violenta
destruição de seus mundos e continuaram existindo em outro, o dos seus
invasores e senhores. E segundo Danowski e Viveiros de Castro (2014),
sobreviverão ao colapso deste último juntos daqueles que também se tornarem
índios.
O devir-índio como
possibilidade da subsistência humana no futuro é apresentado pelos autores
inspirados na prática de comunidades camponesas no Brasil que, diante de
projetos de desenvolvimento apresentados pelo Estado, recusam o paradigma do
progresso e decidem voltar a ser indígenas.
talvez seja impossível voltar
historicamente a ser índio; mas é perfeitamente possível, mais que isso, está
efetivamente se passando, um devir-índio,
local como global, particular como geral, um
incessante redevir-índio que vai
tomando de assalto setores importantes da "população" brasileira de
um modo completamente inesperado. Este é um dos acontecimentos políticos mais
importantes que testemunhamos no Brasil de
hoje (DANOWSKI, VIVEIROS DE CASTRO, 2014, p.158)
Com o esgotamento das condições ambientais que possibilitaram uma
civilização ocidental baseada no progresso contínuo, o devir-índio é cada vez mais atual como uma concepção de mundo na
qual o fim do desenvolvimento contínuo de populações e suas necessidades não
será um trauma, mas um alívio.
Diante de uma natureza mais instável e extrema, os coletivos
ameríndios têm como vantagem suas populações relativamente modestas e
tecnologias pouco intensivas em energia, mais resilientes que as imensas
aglomerações urbanas ocidentalizadas famintas por recursos.
Indígenas da América do Sul possuem, sobretudo, uma sociedade em
que o equilíbrio ambiental é uma premissa profunda: seu devir antropomórfico
engloba uma diplomacia cósmica permanente entre os desejos de todos os entes,
humanos ou não, igualmente descendentes da humanidade ancestral. Toda ação deve
mediar uma miríade de perspectivas, em contraposição à lógica do povo mercadoria que só sonha consigo
mesmo, como o xamã yanomami Davi Kopenawa (2013) explícita em sua crítica aos brancos.
Portanto, o futuro ameríndio pressupõe que o fim do mundo não é o
fim da história, mas recomeço necessário para construir um porvir mais plural,
não-antropocêntrico e em que a teleologia do progresso seja substituída pela
negociação permanente com Gaia em um devir comum a homens e outros atores.
Cabe mencionar que o devir-índio
de Danowski e Viveiros de Castro (2014) não é o único a propor novos
horizontes históricos a partir de sociedades que tiveram o contato com o
Ocidente enquanto processo apocalíptico.
Re-elaborando a destruição das cosmovisões africanas pelo processo
de escravidão, o afrofuturismo explora
futuros alternativos para as populações afrodescendentes a partir da ficção
especulativa (DERY, 1993).
Em obras como o filme Pantera Negra, que apresenta uma nação da
África nunca colonizada e secretamente mais avançada tecnologicamente do que o
Ocidente, o afrofuturismo busca
imaginar sínteses civilizatórias entre as tradições africanas e o
desenvolvimento técnico-científico. Em geral, trata-se de cenários utópicos
onde a cultura desse continente superou ou nunca foi interrompida pela barbárie
ocidental.
Em contraposição, emergiu o afropessimismo:
a perspectiva teórico-política de que a distopia é elemento intrínseco da
experiência negra contemporânea, não podendo ser encoberta por discursos de
tonalidade positiva.
Além da crítica à assimilação do ideal do progresso pelo afrofuturismo, o afropessimismo coloca uma questão decisiva: como imaginar futuros
negros sem o acervo de imagens do passado apagado pela escravidão e diáspora?
(FREITAS, MESSIAS, 2018).
Para Freitas e Messias (2018) a saída que ultrapassa esses dois
regimes de futuros negros é o fim do mundo como programa, em uma elaboração que
reivindica o pessimismo vivo de Jota
Mombaça.
O fim do mundo para o pessimismo vivo não aceita “uma imagem fixa
do apocalipse universal como destino último de toda forma de vida” e é capaz de
“refazer indefinidamente as próprias cartografias da catástrofe, com atenção
aos deslocamentos de forças, aos reposicionamentos e coreografias do poder.”
(MOMBANÇA, apud FREITAS, MESSIAS,
2018, p.18)
Por fim, para Mbembe (2017) o futuro pressupõe o fim de um mundo
hegemonizado pelo Ocidente, mas depende de uma re-elaboração da identidade
negra que não se prenda à afirmação de projetos baseados em particularismos
raciais: o devir-negro.
Mbembe (2016) apresenta o devir-negro
do mundo como a combinação de três processos: uma tendência demográfica; a
generalização para as demais populações das violentas relações originalmente
destinadas aos africanos escravizados; e a ressignificação do “negro” como
instância criadora de um humanismo abrangente.
Em primeiro lugar, nos próximos 30 anos, uma em cada três pessoas
será africana ou descendente de africanos. Contudo, o nome negro não remete mais somente à condição imposta às pessoas de
origem africana na época do primeiro capitalismo (Mbembe, 2017).
Para Mbembe (2017), o racismo é uma tecnologia que permite
simbolicamente justificar o uso discricionário da violência frente à emergência
do humanismo e de regimes de direitos na modernidade. Deste modo, a identidade
negra se aplica aos corpos reduzidos à mercadoria e aos nativos de territórios
onde não imperam as liberdades e a legalidade europeia.
O negro é a alteridade do
humano, entendido como europeu, é a condição dos que não têm dignidade humana.
Diferente dos súditos e cidadãos metropolitanos dos Estados europeus, o regime
que guia sua existência não é a biopolítica, ocupada em fazer viver; mas a
necropolítica, a produção e gestão constante da morte pelo poder (MBEMBE,
2018). Os negros estão destinados não à proliferação sadia, mas ao extermínio
bárbaro.
Neste sentido, a condição negra se aplica a todos que ficaram à
margem das garantias biopolíticas do progresso previsto pelo iluminismo.
Podemos ilustrar esta afirmação de Mbembe (2016) com o exemplo histórico dos negros da terra no Brasil, forma pela
qual a sociedade colonial reconhecia os indígenas escravizados (MONTEIRO,
1993).
Atualmente, há a tendência contemporânea de universalização da
condição negra, conforme cada vez mais populações estão excluídas de direitos,
compondo esta humanidade a parte vulnerável
e cuja existência é regida por um permanente estado de exceção: os imigrantes
ilegais, refugiados, palestinos da Faixa de Gaza, ameríndios, entre outros
(MBEMBE, 2017).
Ao mesmo tempo, Mbembe (2017) aposta no devir negro da humanidade
como possibilidade de um humanismo mais abrangente que o "humanismo
racista" da modernidade ocidental, assim como uma identidade negra que não
busque se fundar em essências raciais, culturais ou territoriais.
Em contraposição ao afrocentrismo,
voltado para a tradição e o passado, o discurso negro para Mbembe deve ser uma
promessa universalista, o afropolitanismo,
onde a crítica ao pensamento ocidental abre espaço para a consciência utópica do
futuro, radicalizando os discursos libertários da modernidade para todos os
povos esquecidos por ela.
O Futuro a Contrapelo
Constatamos até agora como a revolução digital e a crise ecológica
inspiraram visões que propõem um divórcio entre o futuro e o progresso, pelo
menos na sua definição moderna ocidental: enquanto ampliação da liberdade
histórica.
Na Psicopolítica, o desenvolvimento técnico atinge o estágio de
domínio absoluto: "a revolta não é mais realizável" (HAN, 2014, p.
8), e a liberdade foi apenas um episódio, um "entreato histórico, que se
encerrou" (HAN, 2014, p.11).
Já Danowski e Viveiros de Castro descrevem a impotência da técnica
e da ilusão de domínio do homem sobre a natureza. Não há saída moderna frente à
crise do Antropoceno, ocorre "situação inédita na modernidade: a ausência
de escolha'' (DANOWSKI, CASTRO, 2014, p.117).
Embora por razões distintas, tanto na obra de Han (2014) quanto
Viveiros (2014) a restrição da liberdade de ação humana ocorre diante de
agências não humanas: o poder impessoal dos algoritmos e do Big Data; e a
imprevisibilidade de uma natureza catastrófica corporificada na figura de Gaia.
Pode-se considerar que estas perspectivas traduzem um
"fatalismo melancólico", categoria que Maria Rita Kehl (2007)
re-elabora inspirada por Walter Benjamin. O fatalismo melancólico nos abate
quando nos vemos diante de um quadro em que as ações humanas são privadas de
valor, porque o que decide o futuro não é humano: chamamos de fatalidades às
grandes catástrofes naturais.
É necessário ressaltar que, se o fim do mundo de Danowski e Castro
(2014) é fatalmente inevitável, o devir-índio se apresenta como linha de fuga.
Contudo, se convergimos o Antropoceno com a Psicopolítica, cabe perguntar: onde
há lugar para o devir, para a diferença, frente o leilão incessante de nossos
desejos por meio do marketing de algoritmos, a raça impudente de nossos
senhores? (DELEUZE, 2000).
De fato, há um hiato entre a sociedade atual hegemonizada pela
razão ocidental e o "povo por vir, capaz de opor uma resistência ao
presente e de assim criar uma nova terra: o mundo por vir" (DANOWSKI,
CASTRO, 2014, p.159), horizonte emancipatório do devir índio.
E há diversos indícios de que Danowski e Castro (2014) não
acreditam que a maior parte da humanidade sobreviverá a este hiato. O Banoptikum
de Han (2014) assume sentido invertido: sobrevivem os que existem à parte da
dominação perfeita, enquanto os incluídos na sociedade de controle caminham
para o holocausto absortos em seu auto-aperfeiçoamento contínuo.
Para Danowski e Castro, não cabe aos ameríndios a posição de
liderar uma alternativa e "seria ridículo imaginá-los como a semente de
uma nova Maioria" (DANOWSKI, CASTRO, 2014, p.158).
Ao contrário, há ênfase ao longo de todo texto em afirmar que o
povo de gaia não será constituído por maiorias sociais, e que frente ao
histórico de bárbarie do Ocidente, seria injusto esperar dos indígenas qualquer
responsabilidade ou empatia com as populações que os massacraram: “Reconheçamos
que, de qualquer forma, os Humanos (no sentido de Latour) já perderam a guerra:
seu mundo já acabou (...) resta ver quantos humanos (no sentido de Lineu)
restarão no campo terrano, nas décadas por vir" (DANOWSKI, CASTRO, 2014,
p.155).
Declarações imbuídas de fatalismo como esta não se resumem à morte
metafórica do sujeito universal do progresso, mas à crise da biopolítica que o
antropoceno inaugura: não há mais condições planetárias para a proliferação contínua de
corpos úteis indefinidamente.
E se a conversão de bilhões de humanos em ameríndios é uma
contradição em termos, qual o futuro para os que sobram do devir índio?
Viveiros não apresenta resposta, mas Mbembe (2018) relembra que o verso da
biopolítica é a necropolítica, a morte.
Segundo Kehl (2007) a melancolia fatalista é provocada pela
“identificação afetiva com os vencedores”. É quando os derrotados renunciam à
sua história e abandonam sua perspectiva, fascinados pelo “cortejo triunfal”
dos que os derrotaram.
Contudo, em Viveiros, a identificação com os ameríndios, com os
massacrados pelo progresso dos vencedores, parece levar a uma indiferença
necropolítica diante das "classes, massas e multidões" que não têm
mais papel a cumprir na história ou permanecem cúmplices do progresso como
horizonte de futuro (DANOWSKI, CASTRO, 2014).
E não se trata apenas das populações do ocidente, mas igualmente
daquelas que no "Oriente e no Sul, outros povos aprenderam bem demais sua
lição (do Ocidente), tomando para si a vontade de modernizar, mas segundo suas
próprias e temíveis condições" (DANOWSKI, CASTRO, 2014, p.121).
Comparado ao devir-negro, em que Mbembe (2017) reflete inclusive
sobre o papel que os imigrantes chineses na Africa e suas tradições devem
cumprir nesta nova sociedade afropolitana, o devir-índio parece um horizonte
impiedosamente restrito.
Se Danowski e Castro (2014) apresentam sobretudo a cosmovisão ameríndia, outras vozes
expressam a diversidade continental dessas cosmovisões:
infinitos mundos em lugar de um outro do Ocidente, uniforme e coerente. Entre
elas, há aqueles que apostam que mais do que sobreviver ao fim do mundo, ainda
há tempo para adiá-lo, caso de Ailton Krenak (2019).
Adiar o fim do mundo exige uma concepção aberta da história, que
se contraponha a ideia de que "a ausência de futuro já começou"
(DANOWSKI, CASTRO, 2014,14) e "este tempo presente vai se revelando um
presente sem por vir (...) inteiramente fora de nosso alcance anular"
(DANOWSKI, CASTRO, 2014,p. 16). Para investigar a possibilidade de que ainda
haja um futuro, mobilizamos as teses sobre o conceito de história de Walter
Benjamin (2020).
O marxismo
contra o progresso de Walter Benjamin
A emergência do Fascismo é um marco decisivo das reflexões sobre o
sentido do progresso. Walter Benjamin (2020), em suas teses, se preocupa em
elaborar uma teoria da história a partir da qual o fascismo possa ser
desvendado, sobretudo a relação orgânica do fascismo com o progresso industrial
e técnico que só o torna possível no século XX.
Benjamin (2020) é absolutamente crítico a uma concepção histórica
restrita ao horizonte do progresso interminável, inseparável da representação
do avanço dessa história percorrendo um tempo homogêneo e vazio.
Na parte mais repercutida da sua crítica, principalmente na figura
do "anjo do progresso" presente na tese XI, Benjamin (2020) inverte
as expectativas emancipadoras sobre o progresso, olhando para o passado como um
conjunto de catástrofes engendradas por ele. Trata-se de ler a "história a
contrapelo”, substituindo a perspectiva dos vencedores pela dos derrotados,
massacrados e, principalmente, esquecidos.
Segundo Löwy (2005), Benjamin retira esta inspiração da intuição
de Marx sobre a evolução possível do capitalismo em direção à barbárie: “a
barbárie ressurge, mas desta vez é engendrada no próprio âmbito da civilização
e dela é parte integrante” (MARX, 1955).
Cabe destacar a intrigante permanência do marxismo como
interlocutor para os discursos contemporâneos sobre o futuro, mesmo após quase
meio século de colapso do socialismo real, um exemplo paradigmático da
conversão de utopia em distopia e de “futuro do passado”.
Han (2014), Mbembe (2017, 2018), Danowski e Castro (2014): em todas
estas obras há um diálogo contínuo com o marxismo. No entanto, Marx e seu
legado se apresentam como símbolo polifônico, inclusive com expectativas sobre
a história e leituras de futuro contraditórias entre si.
O marxismo contra o qual Danowski e Castro (2014) batalham, de que
Han (2014) aponta o esgotamento das promessas emancipatórias e Mbembe (2018)
crítica a complacência com a violência, é uma versão materialista da teleologia
ocidental. A classe trabalhadora é o sujeito universal destinado a encerrar a “pré-história”
da humanidade e inaugurar apoteoticamente a sociedade em que a técnica libertou
os humanos da produção.
Nesta narrativa única, não há lugar para os vencidos pelo
progresso, cada ente é medido em função da sua contribuição para a profecia
revolucionária. “O índio, por exemplo, é um tipo de “pobre”, um futuro
membro da classe trabalhadora destinado à emancipação” (DANOWSKI, CASTRO, 2014,
p.158).
Diante deste marxismo, é coerente que Viveiros (2007) reivindique
a atitude atribuída à Deleuze: “nosso problema nunca foi o de uma volta a Marx;
ele é muito mais o de um esquecimento, o esquecimento de Marx inclusive” (DELEUZE,
apud VIVEIROS, 2007, p.125)
Contudo, há outros que veem
em Marx e seu método justamente a antecipação de uma história aberta, livre de
profecias:
Desde os textos de juventude,
em particular a Sagrada Família e a Ideologia Alemã, Marx rompe com a tradição
especulativa de uma História universal portadora de uma mensagem única. Esboça
uma nova “escrita” da história sem promessas seguras: uma história que é
engendrada pela luta, pelo enfrentamento das forças sociais e dos projetos.
Esta história resulta de escolhas e de decisões, da atualidade de uma
possibilidade histórica entre outras. Tal abordagem é antípoda do determinismo
histórico e do fatalismo que a vulgata imputa a Marx. (BENSAID, 2007, p.14)
Não é apenas outro Marx, mas outra relação de Deleuze com o
marxismo que emerge em contraste com a postulada por Viveiros de Castro: “Não compreendo o que querem dizer
as pessoas que afirmam que Marx se enganou (...) não se pode dispensar Marx...
O meu próximo livro, e será o último, chamar-se-á Grandeza de Marx” (DELEUZE,
apud BENSAID, 2000, p.14).
Esta grandeza, segundo Bensaid (2000), reside na imaginação
histórica de um tempo múltiplo, cheio de nós e de rupturas inesperadas, do qual
Walter Benjamin (2020) é a melhor expressão depois de Marx.
Benjamin (2006, p.356) apresenta como “objetivo,
metodologicamente, a possibilidade de um materialismo histórico que tenha
aniquilado em si mesmo a ideia de progresso”.
Neste sentido, as Teses sobre o Conceito de História não são apenas
uma releitura do passado, mas principalmente uma nova forma de compreender o
futuro. Renunciar
à certeza de um progresso pleno de barbárie é também a possibilidade de escapar
ao fatalismo melancólico: “Marx disse que as
revoluções são a locomotiva da história mundial. Talvez as coisas se apresentem
de outra maneira. Pode ser que as revoluções sejam o ato pelo qual a humanidade
que viaja nesse trem puxa o freio de emergência” (BENJAMIN, apud LÖWY, 2005, p.
143).
Neste trecho das notas preparatórias de Benjamin que antecederam a
versão publicada das teses, Löwy (2005) destaca uma concepção marxista inversa
à do aceleracionismo criticado por Danowski e Castro (2014): o papel político
dos esquecidos e oprimidos não é fazer avançar, mas interromper o
desenvolvimento da técnica e de sua energia destruidora.
Para Benjamin (2020), mais do que recusar o progresso em nome de
outros devires, é preciso interrompê-lo conjurando uma aliança entre a memória
dos modos de viver suplantados pelo Ocidente com as multidões que este
produziu.
Benjamin (2020) inclusive menciona na tese XI a necessidade de
inverter uma concepção centrada na dominação da natureza, que é tomada como
fonte gratuita de recursos, a ser explorada de forma correlata à exploração da
classe trabalhadora. Em seu lugar, propõe um novo pacto não agressivo entre os
humanos e o meio ambiente, antecipando a ecologia (LÖWY, 2005).
Trata-se de uma ruptura profunda com o iluminismo, onde a
revolução, desde Kant, era evidência do progresso como motor da história
(FOUCAULT, 1994). Benjamin (2020) manifesta o desejo da revolução contra o
progresso.
Não é o único caso no marxismo a recusar a modernização ocidental
como horizonte irrevogável. Na América Latina, José Carlos Mariátegui (2006),
inspirado por Sorel, buscou, da mesma forma que Danowski e Castro (2014),
uma mitologia adequada para pensar o futuro a partir das sociedades
ameríndias.
O socialismo indo-americano de Mariátegui não pensa o índio como
um "pobre" à espera da proletarização para tornar-se ator histórico,
mas enquanto sujeito contemporâneo e cuja tradição viva é revolucionária. E
esta tradição alimentará inclusive os processos históricos que inspiram
Danowski e Castro (2014).
Embora o devir-índio esteja principalmente articulado a um
"povo por vir", Danowski e Castro (2014) apresentam um único exemplo
atual de sua manifestação cosmopolítica: a revolta do povo maya através do
movimento Zapatista.
Com tudo isso, apesar de terem
passado por sucessivos fins-do-mundo, (...) são justamente os Maya que nos
oferecem, hoje, talvez o melhor exemplo de uma insurreição popular bem-sucedida
contra o monstro bicéfalo Estado-Mercado que oprime as minorias do planeta, a única revolta de um povo indígena da América Latina que conseguiu se manter sem degenerar em mais um
projeto estatal nacionalista, e, muito importante, que deixou rapidamente de se
apoiar na velha escatologia revolucionária "marxista" (na verdade, cristã
de fio a pavio), com que a Europa, por meio de
seus insuportáveis intelectuais-clérigos,
continua a querer controlar as lutas de libertação dos povos, para traçar um caminho cosmopolítico próprio (DANOWSKI, CASTRO, 2014,
p.142).
Duas décadas após sua formação, este Movimento Zapatista manifesta
seu resiliente diálogo com a escatologia "marxista", valorizando a
obra de José Carlos Mariátegui, marxista peruano, como precursora andina do
zapatismo em sua revista teórica (ARREGUI, 2000). Contudo, Danowski e Castro
(2014) acertam ao associar o marxismo à velha tradição messiânica, que no caso
de Walter Benjamin (2020) mais do que cristã, é judaica.
A recusa ao progresso exige de Walter Benjamin pensar um tempo não
homogêneo e não linear. Sua solução será a secularização do conceito de "Jetztzeit", oriundo da cultura
hebraica, traduzível como "tempo atual" ou
"tempo-de-agora": a interrupção messiânica dos acontecimentos, um
breve minuto de plena posse da história que prefigura o todo, a história
universal (LÖWY, 2005).
Jetztzeit e o desafio à Psicopolítica
O conceito de "Jetztzeit"
faz da obra de Benjamin (2020) um marxismo da imprevisibilidade: cada momento
histórico é singular, prenhe de possibilidades imprevistas, capazes de
subitamente inverter as tendências até então dominantes.
Deste modo o progresso "automático" do tempo cronológico
é constantemente interrompido por descontinuidades, momentos de liberdade onde
os oprimidos podem se reinventar. Se o Jetztzeit
hebraico se assemelha ao Kairós grego, sua releitura por Benjamin o aproxima
de Hannah Arendt (2000) e da aposta no improvável como irrupção da liberdade na
história, no que ela denominava "milagres".
Ironicamente, Hannah Arendt apostava nos "milagres" de
dimensão política, ou seja, acontecimentos imprevistos que trazem algo novo
ao mundo, como parte de sua crítica ao marxismo e a pretensão deste de uma
gestão consciente e racional da história. Mas é um marxista, Walter Benjamin
(2020), com quem ela manteve constante diálogo, que sistematicamente realiza a
crítica da confiança positivista nas possibilidades de previsões científicas.
Ou no caso de Han (2014), poderíamos dizer algorítmicas.
A dominação absoluta da sociedade e da condução do seu futuro
prevista pela Psicopolítica não é um tema novo, ecoa o que a Escola de Frankfurt
denominou "a administração total" e Hannah Arendt, o totalitarismo.
Se é inédito o grau de centralidade da modulação dos desejos em substituição às
relações coercitivas e disciplinadoras, a expectativa de efeitos preditivos
como forma de controle social é tão antiga quanto a estatística que serviu como
saber central da biopolítica.
No entanto, Walter Benjamin expressa um fascínio especial pela
figura do autômato capaz de antecipar o futuro -é, inclusive, a figura com a
qual ele inicia sua primeira tese sobre a história, embora tenha ficado menos
conhecida que o Anjo do Progresso.
Benjamin se apropria da história do Turco, a primeira inteligência
artificial alegadamente construída no Ocidente por Von Kempelen, ainda em 1770.
Tratava-se de um jogador de xadrez mecânico capaz de antecipar a estratégia do
adversário e ganhar sempre, disputando com os maiores mestres disponíveis nas
cortes europeias. Posteriormente, descobriu-se que dentro da figura humanóide
operava um exímio enxadrista anão, responsável pelo sucesso da marionete
metálica no jogo.
A fraude não reduz a importância histórica do caso que assombrou a
aristocracia da época, porque é um dos primeiros registros da expectativa de
que o engenho humano seja capaz de produzir uma inteligência superior a si
mesmo. E essa, baseada no cálculo das probabilidades e correlações,
domine o horizonte do possível. Em última instância, a mesma agência atribuída
por Han (2014) ao Big Data.
Contudo, na imagem do autômato benjaminiano há uma desconfiança
irônica frente à expectativa de um sujeito que possa através do domínio total do
conhecimento prever e ganhar todos os confrontos
futuros. Inclusive
em relação à pretensão do próprio materialismo histórico.
Para Benjamin
(2020), se o materialismo histórico pretende ocupar o
lugar da máquina infalível, capaz de produzir vitórias históricas para os
oprimidos, só pode fazer isso auxiliado pelo anão oculto da teologia.
Esta imagem obscura é esclarecida por Löwy (2005) como uma
referência ao Jetztzeit, oriundo da
tradição teológica messiânica. Só mobilizando o tempo que escapa ao cálculo das
probabilidades o materialismo histórico pode levar a vitórias que invertam o
sentido da história e redimam os derrotados do passado nas lutas do presente.
Além da tese I, a repulsa à automação das previsões percorre toda
a obra de Benjamin. Em especial seu ensaio de 1930 sobre a precoce ficção
científica de E.T.A Hoffmann, cujo conto "os autômatos" narra um
adivinho mecânico capaz de não só ler o futuro como perscrutar a mente humana.
Diante desta história, Benjamin (apud LÖWY, 2005, p.145) critica "a vida
cotidiana do homem como o produto de um infame mecanismo artificial".
Para Benjamin (2020), as limitações das previsões de cunho
positivistas podem ser explicadas a partir da diferença entre registro e
memória. O Registro toma a história como foi e, ao compilar o máximo de dados
sobre o passado, pretende que este se reproduza linearmente, restringindo o
campo da liberdade humana.
A memória, sobretudo dos derrotados, dos esquecidos na marcha
civilizatória, permite lembrar o que poderia ter sido, que a história passada
não estava dada de antemão por leis inflexíveis. E se o progresso é o acúmulo
interminável de catástrofes, a memória dos oprimidos é um legado cada vez mais
amplo aberto a todos que desejem reinventar seu futuro nos próximos momentos
decisivos de suas existências.
Em resumo, a concepção aberta de futuro de Benjamin (2020)
apresenta, na irrupção do imprevisível, uma alternativa ao fatalismo diante da
dominação futura do humano pela técnica ou natureza. Contudo, no campo
teológico a salvação pelo improvável, por "milagre", se justifica
enquanto horizonte pelo ato da fé.
Em um contexto secular, abdicada a fé no progresso e no papel
teleológico de qualquer sujeito ou vetor histórico, de onde retirar a energia
messiânica que alimente alternativas à futuros terríveis? Como superar o hiato
entre a necropolítica, a hecatombe climática, a dominação algorítmica e um
devir não ocidental aberto às maiorias?
Conclusão
Segundo Michael Löwy (2005), uma concepção aberta de história, de
futuro, deriva, em última análise, de uma espécie de aposta. Bensaid (2000)
relembra que Santo Agostinho afirmava que “Trabalhamos para a incerteza”. Na
imaginação de possíveis futuros para o presente talvez uma atitude filosófica
razoável seja apostar na incerteza.
A modernidade ocidental imaginou o futuro tendo o progresso
contínuo dado como certo. No século XXI, o ocaso deste progresso e suas
promessas emancipatórias é anunciado em narrativas que, de máquinas
inteligentes a espíritos animais, possuem em comum a redução do campo do possível
para a ação humana.
Contudo, não é apenas a memória das lutas passadas que alimenta a
possibilidade de mais cenários além dos discutidos neste artigo. Um dos
próprios criadores do ramo matemático da teoria das probabilidades, Blaise
Pascal (2019), possuía uma imensa desconfiança frente ao determinismo absoluto
da ciência e sua capacidade de previsões.
Tanto Löwy (2005) quanto Bensaid (2000) remetem a Pascal a noção
de toda ação humana como uma aposta incerta diante dos limites de uma
capacidade finita de compreender um universo infinito.
Segundo Pascal (2019), dentro de cada átomo pode haver uma
infinidade de universos, e assim sucessivamente. Parafraseando esta lógica
fractal, dentro de cada futuro há uma infinidade de futuros esperando variáveis
imprevisíveis para irromper no que Benjamin denominou Jetztzeit.
Não se trata de ignorar as tendências correntes. O mais provável é
que Han (2014) e Danowski e Castro (2014) estejam pelo menos parcialmente
certos, e que a dominação impessoal dos imersos na sociedade de controle
conviva com um mundo cada vez mais hostil à vida humana como a conhecemos.
Contudo, ainda é possível apostar no contrário. Não com a certeza
absoluta, dogmática, baseada em qualquer teleologia, mas justamente no que
ainda há de espaço para o incerto, que é a dimensão onde atua a liberdade.
É apostar, mesmo contra as evidências em contrário, e sem qualquer
certeza confortável de sucesso, que as maiorias sociais podem se tornar
ameríndias, ou na perspectiva mais inclusiva de Mbembe (2017), participarem de
um devir negro. É a aposta, por exemplo, de Ailton Krenak (2019). “E
a minha provocação sobre adiar o fim do mundo é exatamente sempre poder contar
mais uma história. Se pudermos fazer isso, estaremos adiando o fim.” (KRENAK,
2019, p.20).
Citando as Memórias do fogo, a trilogia na qual Eduardo Galeano
buscou contar as histórias do continente americano à contrapelo, Krenak
(2019) dedica grande parte do seu tempo a convencer audiências ocidentalizadas
de que ainda há tempo para adiar o fim do mundo, naquele intervalo que
constitui o futuro: o tempo entre o que já não existe mais e aquilo que ainda
não existe.
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[1] Cabe ressaltar que nos limites deste
artigo abordamos apenas a Psicopolítica e que Han dialoga mais extensamente com
a concepção de poder de Foucault em outras obras. Ver, por exemplo, "O que
é poder?" (HAN, 2019).
[2] Grande
parte do investimento em energias renováveis ocorre por parte de companhias
petroleiras que buscam alterar a percepção pública de seus negócios enquanto
mantém seu foco na exploração de hidrocarbonetos, em uma estratégia conhecida
como Greenwashing (GEORGE,2020;
CARRINGTON, 2021).
[3] Um exemplo
é um dos principais teóricos envolvidos em atualizar a "hipótese
comunista" no século XXI: "Ecologia é o novo ópio das massas (...) É
preciso afirmar claramente que a humanidade é uma espécie animal que busca
superar sua animalidade, um conjunto natural que tenta se desnaturalizar"
(BADIOU, 2009, p.1).
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