Revista Sísifo. N° 14, Julho/Dezembro 2021. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com
É mestre
em educação pela Universidade Federal de Alagoas - (UFAL), pesquisa educação
escolar quilombola, cursa doutorado (CEDU/PPGE/UFAL), preside o Instituto Vozes
Quilombolas – (IVQ) e é membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica, Emancipação
e Reconhecimento (TeCER), liderado pelo professor Dr. Anderson de Alencar
Menezes. E-mail: filosofojb@hotmail.com
Anderson de Alencar
Menezes
É doutor
em ciências da educação pela Universidade do Porto, Portugal e professor da
Universidade Federal de Alagoas-(UFAL), campus A.C. Simões, Maceió, líder do
grupo de pesquisa Teoria Crítica Emancipação e Reconhecimento – (TECER). E-mail:
anderufal@gmail.com
Resumo: Este artigo dialoga com o Plano Estadual de
Educação do Estado de Alagoas (PEE-AL), com vigência para o decênio 2016 a 2026
e destaca a sua imensa importância para a consecução do reconhecimento da
juventude quilombola alagoana, pois traz diversas metas e estratégias, que se
forem devidamente aplicadas pelo Estado, certamente causarão grande impacto de
melhoria social, educacional e moral dos quilombolas, cuja maioria, segundo
dados fornecidos pelo próprio ente estatal está rente à linha de pobreza e
muitos logo abaixo. No mais, o Estado de Alagoas não dispõe de projeto de
inclusão social para essa população e por falta de assistência desse povo
historicamente relegado ao último patamar social, com apoio do Movimento das
Comunidades Populares (MCP), foi criado em 2016, o Instituto Vozes Quilombolas
(IVQ), que vem desenvolvendo muitas atividades junto aos jovens, palestras para
professores/as, oferta de cursos preparatórios para o Exame Nacional do Ensino
Médio (ENEM), coordenação de vários encontros de quilombolas, assessoramento à
comunidade Mameluco, município de Taquarana na realização do “Malucando - saber
é no quilombo,” a criação do Coletivo Jovem Quilombola (CJQ) enquanto espaço de
estudos e debates dos jovens afro-quilombolas, a produção de livro sobre
Educação Escolar Quilombola e assessoramento às mulheres no intuito de
restabelecer a coordenação estadual.
Palavras-chave: Alagoas. Quilombolas.
Mamelucando. Instituto Vozes Quilombolas.
Abstract: This article
dialogues with the State Education Plan of the State of Alagoas (PEE-AL), valid
for the decade 2016 to 2026 and highlights its immense importance for achieving
the recognition of the quilombola youth of Alagoas, as it brings several goals
and strategies, which, if properly applied by the State, will certainly have a
great impact on the social, educational and moral improvement of the
quilombolas, most of whom, according to data provided by the state entity
itself, are close to the poverty line and many are just below. In addition, the
State of Alagoas does not have a social inclusion project for this population
and due to the lack of assistance from this people historically relegated to
the last social level, with the support of the Popular Communities Movement
(MCP), the Vozes Institute was created in 2016. Quilombolas (IVQ), which has
been developing many activities with young people, lectures for teachers,
offering preparatory courses for the National High School Exam (ENEM),
coordination of several quilombola meetings, advising the Mameluco community,
municipality of Taquarana in the realization of “Malucando - saber é no
quilombo,” the creation of the Coletivo Jovem Quilombola (CJQ) as a space for
studies and debates for young Afro-quilombolas, the production of a book on
Quilombola School Education and advising women in order to restore the state
coordination.
Keywords: State of
Alagoas. Quilombolas. Mamelukando.
Quilombola Voices Institute.
1. INTRODUÇÃO
O território onde hoje está situado o estado de Alagoas compreende o
“Sul da Capitania de Pernambuco “que aos poucos foi se delineando depois da
guerra de extermínio dos índios caetés, a partir de 1556, a expulsão dos
holandeses em 1654 e a destruição do
Quilombo dos Palmares, em 1695 (CARVALHO, 2016, p. 11; MARTINS, 2017, p. 34), e
“em 1706 dava-se o reconhecimento oficial da elevação dessa parte do território
da Capitania à categoria de Comarca das Alagoas” (CARVALHO, 2016, p. 110 e 111;
ALMEIDA, 2014, p. 81), com a nomeação de ouvidor-geral somente em 1711.
Não se sabe ao certo a data da chegada de
africanos à Nova Lusitânia, que passou depois a se chamar Pernambuco. É
inegável que a comitiva do donatário Duarte Coelho Pereira contivesse escravos
(CARVALHO, 2016, p. 15), pois durante a sua administração de
Alagoas se emancipou politicamente de
Pernambuco em 16 de setembro de 1817, por ato de sua Majestade D. João VI, que
no mesmo ato nomeou o primeiro governador na pessoa de Sebastião Francisco de
Melo e Póvoas.
Convindo muito ao bom regimen d’este
reino do Brasil, e à prosperidade a que me proponho elevá-lo, que a província
das Alagoas seja desmembrada da capitania de Pernambuco, tenha um governo
próprio, que desveladamente se entregue na aplicação dos meios mais convenientes para dela se
conseguirem as vantagens que seu território e situação podem oferecer, em
benefício geral do Estado, e em particular de seus habitantes, e a minha real
fazenda: sou servido isentá-la absolutamente da sujeição, em que agora esteve,
do governo da Capitania de Pernambuco, erigindo-a em governo independente que a
reja na forma praticada nas mais capitanias independentes, com a faculdade de
conceder sesmarias, segundo as minhas ordens, dando conta de tudo diretamente
pelas secretarias competentes; e atendendo à boas qualidades e mais partes, que
concorrem na pessoa de Sebastião Francisco de Melo e Póvoas: hei por bem
nomeá-lo governador dela, para servir por tempo de 13 anos. (TENÓRIO, 2016,
p.125).
De acordo com Queiroz (2016, p. 17) “por
ocasião da Emancipação, contava Alagoas com 200 engenhos de açúcar (...) e uma
população estimada em cem mil habitantes” distribuídos mais ou menos assim:
Em 1819, conforme consta do livro de
“Abolição do Ceará” (...) governando Póvoas esta Capitania, fizeram um
recenseamento – talvez o primeiro em Alagoas – decerto muito deficiente (...)
devido à ignorância do povo com seu elevadíssimo índice de analfabetismo. (...)
Na então capitania residia 42.879 pessoas livres e 69.094 escravos. Mais de 61,7%
de cativos. Em 1839, quando a capital foi transferida de Alagoas para (...) a
vila de Maceió (...) quantos escravos serviam neste município não somente nos
engenhos e propriedades agrícolas como nos sítios, nas chácaras, no comércio,
nas casas residenciais? Não se sabe. (...) Oito anos depois, quando o Dr.
Antônio Manoel de Campos Melo abriu a 2ª sessão ordinária da 6ª legislatura,
consta de sua Fala à Assembleia, datada de 15 de março de 1847, que a população
da Província era de 207.294 almas, inclusive 12.451 pretos livres e 26.675
pardos e negros cativos, segundo mapa organizado pelo chefe de Polícia. Contou
o Dr. Tomás do Bomfim Espíndola, em 1850, 41.418 escravos numa população livre
de 205.296 pessoas. (LIMA JÚNIOR, 1974, p. 79).
A emancipação política de Alagoas manteve a
escravidão com todos os seus corolários: trabalho diário no cultivo da cana de
açúcar, na casa-grande, nos serviços domésticos, na venda de bolos, doces nas
ruas da capital, engraxate, servente, além de outros serviços pesados e a
proibição de frequentar a escola.
Esse quadro permaneceu
inalterado por ocasião da estadia de D. João VI no nosso país, a partir de
1808. A proibição ganhou foro de constitucionalidade com a outorga da
Constituição de 1824, que reservou a educação formal aos filhos dos cidadãos
(art.179, XXXII), com pleno direito de participar dos destinos da nação
mediante comprovação de elevada renda. Desse modo, o escravo, o ingênuo e o
liberto, por lhes faltar renda suficiente, estavam fora do uso e gozo da
cidadania, da educação escolar e de outras benesses estatais. (SILVA, 2015, p. 40).
A situação do negro em Alagoas é motivo de estupefação
por parte de Lima Júnior (1974, p. 9), que como se “lançasse um grito de
revolta pelos ares” se interroga: “Que fizeram os governos imperial, provincial
e municipal por esses pobres pretos e pardos? Nada, infelizmente. Não abriram
escolas e nem oficinas onde eles aprendessem a ler e a trabalhar”.
Novamente Lima Júnior (1974, p. 10) informa que
somente em 1887, Francisco Domingues da Silva, diretor do Colégio Bom Jesus, em
Maceió, cuidou da educação dos filhos dos cativos. Portanto, a Capitania e a Província
não dispuseram e depois o Estado de Alagoas não dispõe de nenhum projeto
direcionado à escolarização da população afro-brasileira quer livre ou escrava,
exceto a partir de 1990, quando a educação nacional passa a ser financiada pelo
Banco Mundial (SILVA, 2015, p. 42).
Pormenorizada a emancipação política de
Alagoas, há de considerar agora que a população afrodescendente alagoana sempre
lutou por reconhecimento, consubstanciado em processos de inclusão social, que
resvala para a produção e reprodução da vida dignamente. No conjunto dessa
população tem adquirido visibilidade, a partir da Constituição Federal de 1988,
a população quilombola, constituída atualmente de 70 comunidades certificadas
pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Quanto ao quantitativo de seus
habitantes não há dados conclusivos. Consta do site do Instituto de Terras e Reforma Agrária de Alagoas (ITERAL),
a existência de 6.889 famílias quilombolas em todo Estado, sem indicar o ano da
pesquisa. Já no “Estudo sobre as Comunidades Quilombolas de Alagoas”, realizado pela Secretaria de Estado do
Planejamento, Gestão e Patrimônio (SEPLAG, 2015, p. 15), informa que o ITERAL
identificou 6.222 famílias, em 2011 e a Fundação Cultural Palmares (FCP)
identificou 6.465 em 2014 e foram cadastradas no CadÚnico 4.543 famílias em
2015. Como se vê, os dados informados pelos órgãos estatais sobre a população
quilombola do Estado não expressam a dinâmica de crescimento e longevidade
dessa população.
Quanto ao número de estudantes quilombolas é
mais uma incógnita. A matrícula na educação básica não diferencia quilombola de
não quilombola, fato que tem dificultado a implantação da Educação Escolar
Quilombola no Estado.
Correndo na contramão dos órgãos estatais, o
Instituto Vozes Quilombolas (IVQ), criado em novembro de 2016, munido de tese
ampliada aplicável às comunidades quilombolas, ou seja, é quilombola quem
reside em território quilombola, bem como pessoa que deixou a comunidade para
residir noutro lugar, mas conserva vínculos familiares e indenitários, e dado o
fato de manter continuamente contatos com suas origens através de visitas,
encontros e reuniões, é da opinião existir, em janeiro de 2020, 20.922 famílias quilombolas em todo Estado,
num total aproximado de 104.610 pessoas, das quais 63.822 são adolescentes e
jovens.
Pelo fato dos afro-brasileiros terem
historicamente permanecido e ainda permanecerem, grosso modo, compondo baixos níveis da escala social, os indicativos do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2018, p. 1), apontam para o
seguinte: pessoas vivendo abaixo da linha de pobreza no Brasil: brancos: 15,4%;
preta ou parta: 32,9%; analfabetismo: brancos: 3,9%; preta ou parta: 9,1% e se
habitarem a zona rural o número de analfabetos de pretos e pardos sobe para
20,7%. Esta situação está agravada em
terras alagoanas.
A Província de Alagoas somente implantou o
ensino escolar para negros escravos ou livres com a criação, em 1884, do Liceu
das Artes e Ofícios e a criação, em 1887, da Escola Central, ambos criados pelo
movimento abolicionista. (VERÇOSA; CORREIA, 2011, p. 69).
A teorização sobre o reconhecimento
desenvolvida neste artigo teve início com o filósofo alemão Georg Wilhelm
Friedrich Hegel (1770-1831), e é atualmente trabalhada pela Escola de
Frankfurt, na pessoa do filósofo Axel Honneth (1949 -). Há diversos grupos de
estudos e de pesquisa sobre esta temática nas universidades brasileiras. Na
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), campus Maceió, há o grupo de pesquisa
Teoria Crítica, Emancipação e Reconhecimento (TECER), liderado pelo professor
Anderson de Alencar Menezes, que ao comentar Honneth (2019, p. 4), preleciona:
O indivíduo desenvolve,
em cada forma de reconhecimento, um tipo da relação prática positiva consigo
mesmo que se perfaz pela autoconfiança nas relações amorosas e de amizade, no auto
respeito nas relações jurídicas e na autoestima na comunidade social de valores
(IDEM,
IBIDEM).
A composição juvenil da sociedade alagoana é
bastante diversificada. Se por um lado, há jovens indígenas, da periferia, ribeirinhos,
pescadores, há de considerar a existência de jovens quilombolas, que enfrentam
não somente discriminações de lugar, de cor, mas ainda vivenciam grande defasagem
no tocante à escolarização, exigência básica para a aquisição de reconhecimento.
Tanto
existem juventudes com perfis próprios, como cada agrupamento juvenil é
portador de características específicas, mas comunicáveis com os demais. Santos
e Sales (2020, p.7) pontuam “a multiplicidade de características que a
juventude congrega, existem semelhanças, diferenças, proximidades, distâncias,
sensos e dissensos que existem e coexistem entre si”. Essa dinamicidade se faz presente nos jovens
quilombolas alagoanos.
Portanto, a juventude quilombola de Alagoas tem
dispensado grandes esforços em busca de reconhecimento e isto fica claro nos
encontros, estudos e debates em que se fez presente o IVQ. No entanto, tem
encontrado empecilhos pelo caminho, apesar de ser favorecida pelo Plano
Estadual de Educação (PEE-AL), aprovado pela Lei estadual nº 7.795, de 22 de
janeiro de 2016, em cumprimento ao estatuído no artigo 8º da Lei federal nº
13.005, de 25 de junho de 2014, lei instituidora do Plano Nacional de Educação
(PNE).
Este artigo fará aligeirado diagnóstico dos
jovens quilombolas que têm interagido com as ações do IVQ, especialmente o
Coletivo Jovem Quilombola (CJQ) e destacará a grande contribuição do PEE-AL
para a obtenção do reconhecimento.
2. PERFIL DA POPULAÇÃO QUILOMBOLA ALAGOANA
O conceito de quilombola se expressa de duas
maneiras básicas, no sentido estrito
sensu e no sentido latu sensu. O primeiro se fixa nas
pessoas de cor negra descendente de ancestrais negros e vinculados de algum
modo aos tempos da escravidão. Por este viés, uma comunidade pode ter muitos
habitantes, mas apenas um grupo familiar recebe o qualificativo de quilombola,
os demais apenas residem em território quilombola. O segundo considera
quilombola todos os indivíduos habitantes de um território, onde há um tronco
ancestral afro, práticas culturais de tonalidade africana e a comunidade em
assembleia, auto se atribuiu o qualificativo de quilombola. Assim, todos são
quilombolas, inclusive os membros da comunidade que foram habitar noutra
comunidade ou região sem abandonar os vínculos familiares e afetivos com a
comunidade de origem. Há casos em que a comunidade decide em assembleia de
maneira diversa quem é ou não quilombola e a decisão é válida exclusivamente
para aquela comunidade.
Talvez
se possa falar em quilombola por adoção como era costume dos habitantes do
Quilombo dos Palmares. A comunidade recepciona um “estrangeiro” e lhe concede
família, bens e direitos.
Há no Estado de Alagoa 70 comunidades
quilombolas, 6 em zona urbana e as demais espalhadas pela zona rural de quase
todo estado, sendo que no sertão se dá a maior concentração. Muitas delas
formadas por pessoas fugidas das lutas de destruição do Quilombo dos Palmares,
em 1695. Outras aparecem em alguns relatos do século XIX e há comunidade com
aproximadamente cem anos de existência, cuja área territorial foi doada pelo
proprietário da fazenda ao um empregado de sua confiança. Cada comunidade, então, tem sua história de
nascimento, crescimento e auto atribuição conforme normatizado pelo Decreto 4887/2003.
Todas apresentam altos índices de africanidade,
visualizados na predominância negra, nas práticas culturais, na recepção
solidária aos visitantes, na paz interna, no uso coletivo do solo, a exemplo de
Tabacaria, em Palmeira dos Índios e na prática da religião de matriz africana,
claramente vivida nas comunidades Mameluco e Poços do Lunga, em Taquarana, em
convivência cordial com o catolicismo popular.
A maneira de viver dos quilombolas alagoanos é
bastante diversificada, mas é comum a agricultura familiar de subsistência, a
pesca artesanal, o emprego na usina durante o plantio, a pulverização com
agrotóxico e a colheita da cana de açúcar e outros serviços internos na própria
usina durante a moagem, o trabalho informal com vendas de produtos da natura,
boticário, doces, bolos, roupas e
miudezas, criação de animais, produção de leite, peças artesanais, como em
Serra das Viúvas, em Água Branca, de
argila em Muquém, município de União dos Palmares e crochê em Moreira de Baixo,
também no município de Água Branca, além de outras atividades com madeira,
palha e cipó.
Há como que uma combinação tácita entre
indivíduos de uma mesma família para poder sobreviver, visto entrar como
dinheiro o recebido do Bolsa Família e de alguma aposentadoria, combinada com
trabalhos na lavoura, criação de galinhas, porcos, cabras, além de bicos
durante as farinhadas e outros trabalhos momentâneos.
O governo de Alagoas por meio da Secretaria de
Estado do Planejamento, Gestão e Patrimônio (SEPLAG) produziu valioso estudo em
2015, denominado “Estudo sobre as Comunidades Quilombolas de Alagoas”, em que
faz um apanhado da situação quilombola do país, das políticas públicas de
inclusão social quilombola e conclui diagnosticando o perfil dos quilombolas
alagoanos.
As informações consistentes foram obtidas no
Cadastro Único do governo federal (CadÚnico). Nele constam apenas 4.543
famílias cadastradas em 2015, e correspondem a 16.089 quilombolas, dos quais
75% possuem renda familiar per capita de R$ 77,00 (SEPLAG, 2015, p. 15). Apesar
desses números não representar nem de perto o quantitativo de famílias e de
indivíduos quilombolas do Estado de Alagoas, conforme explicitado acima, trata-se
de dados oficiais, que são aqui utilizados apenas para demonstrar o casuísmo
como os quilombolas alagoanos têm sido tratados pelo ente estatal.
Dos cadastrados no CadÚnico, o percentual de
86% recebe o Bolsa Família, 75% estão dentro da linha extrema de pobreza, 13,1%
moram em casa de taipa, 26% não dispõem de banheiro e ainda há comunidade que
sobrevivem à luz de candeeiro (IDEM, p. 18).
No campo da educação a situação não é diferente.
34% dos cadastrados no CadÚnico são analfabetos e desses 20% nunca frequentaram
a escola e ainda consta do referido estudo a existência somente de 43 escolas
situadas em territórios quilombolas. Estas informações foram obtidas no censo
escolar de 2014 (IDEM, p. 21). No mais, o número de matriculados por séries
fica por conta das secretarias estaduais de educação, que infelizmente não
diferenciam quilombola de não quilombola.
Está normatizada a obrigatoriedade do Estado
alagoano de diagnosticar a população quilombola, tanto no PEE-AL, como no decreto nº 48.405, de 11 de maio de 2016, que
instituiu o comitê técnico de políticas Intersetoriais para o desenvolvimento
dos povos tradicionais no âmbito do Estado de Alagoas (ALAGOAS, 2016), e consta
do artigo 2º inciso I do citado decreto,
in verbis:
Art.2º:
I –
produzir diagnóstico acerca da atual realidade social, econômica e cultural dos
povos tradicionais do âmbito no Estado de Alagoas.
A juventude quilombola em idade escolar, na
maioria dos casos, cursa até o 5º ano do ensino fundamental na escola situada
na própria comunidade, e em seguida vai estudar noutra escola de comunidade
diversa ou adversa, onde concluirá o ensino fundamental. O ensino médio é
cursado na cidade sede do município ou numa escola nucleadora. Esta
movimentação enfada e intensifica o desleixo com os estudos, além dos
transtornos das estradas esburacadas durante os períodos de chuvas. Poucos são
os heróis ou heroínas que se dispõem a cursar o ensino superior, devido ao
rosário de dificuldades, mas há grande interesse de continuar os estudos, como
foi constatado por diversas vezes durante os cursos preparatórios pró-ENEM
ofertado pelo IVQ.
Por isso o Instituto Vozes Quilombolas (IVQ),
em articulação com o Movimento das Comunidades Populares (MCP), correu à frente
do Estado de Alagoas na prestação de serviços educacionais para a juventude
quilombola alagoana e iniciou suas atividades na comunidade quilombola Paus
Pretos, município de Monteirópolis, onde ofertou um curso preparatório para o
ENEM, em 2016, com a participação efetiva de 26 jovens, que foram os organizadores
e realizadores do Primeiro Encontro de Jovens Quilombolas do Estado de Alagoas,
ocorrido nos dias 11 a 13 de novembro do mesmo ano, com o tema: “ o futuro dos
jovens quilombolas é no quilombo”, sob a orientação e assessoramento do IVQ.
A recepção dos participantes foi inesquecível.
E além de pessoas de outras comunidades se fizeram presentes professores da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL) e da Universidade Estadual de Alagoas
(UNEAL). Como resultado deste encontro surgiu o encontro “Mamelucando - saber é
no Quilombo!” realizado todos os anos, sempre nos dias 11 a 13 de maio, na comunidade quilombola Mameluco, município
de Taquarana e neste ano seria a quarta edição, bem como a criação do Coletivo
Jovem Quilombola (CJQ), agrupamento de jovens das mais diversas comunidades,
que discutem, planejam e se articulam
com vistas a alcançar reconhecimento.
O segundo encontro de jovens quilombolas
ocorreu na Universidade Federal de Alagoas (UFAL), campus do sertão, em Delmiro
Gouveia, nos dias 16 e 17 de dezembro de 2017. Como resultado imediato deste
encontro foi criado no referido campus um grupo de estudos sobre educação
escolar quilombola e indígena. E o terceiro encontro ocorreu na comunidade
quilombola Alto da Madeira, município de Jacaré dos Homens. Contou com a participação de mais de 100 pessoas, das quais
79 eram jovens.
Tanto em
Alto da Madeira e na Vila Santo Antônio, município de Palestina, o IVQ ofertou
curso de preparação para o ENEM, servindo-se de professores e professoras
voluntárias de cidades circunvizinhas de Maceió.
O IVQ ofertou palestras para diversos professores
e professoras da rede estadual de ensino sobre a temática Educação Escolar
Quilombola, e em convênio com a Faculdade São Tomás de Aquino (FACESTA), em
Palmeira dos Índios, organizou a I Semana Regional de Filosofia Africana, que
contou com destacados professores: Henrique
Cunha Junior, da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Eduardo David de
Oliveira, da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e ainda articulou junto à
citada IES o curso de especialização em Educação Escolar Quilombola, que ainda
não aconteceu por falta de recursos.
O Instituto Vozes Quilombolas (IVQ) tem
assessorado diversas comunidades quilombolas do Estado, bem como sugerido a
reestruturação da coordenação estadual a fim de terem uma adequada
representatividade junto aos gestores municipais e ao governo estadual. Esse
propósito visa apenas aprimorar a qualidade do diálogo entre representação
quilombola e os entes governamentais, sem, porém, distanciar-se do foco que é a
juventude quilombola, historicamente carecedora de reconhecimento.
3. RECONHECIMENTO:
DESAFIOS E POSSIBILIDADES
O PEE-AL projeta importantes ações no campo
educacional, cujos desdobramentos práticos ensejam a obtenção de reconhecimento
por parte das pessoas interessadas.
Reconhecimento é a condição de satisfação
subjetiva que determinado indivíduo ou agrupamento humano experimentará após
deixar para trás o estado de desprezo, de exclusão social e de não fruição de
direitos. Portanto, o reconhecimento funciona como um status no qual os interessados e no nosso caso, os jovens
quilombolas se sobressaem de uma posição social aviltante para uma nova posição
social, consubstanciada na melhoria das condições de vida que resvala para o
âmbito da dignidade humana.
Certamente o reconhecimento é potencializado
através de um conjunto de ações. A
educação é apenas uma delas, mas é de importância tal, que ofertada
regularmente com notas de boa qualidade, contribui sobremaneira para a
aquisição dos outros elementos necessários à composição do reconhecimento: moradia,
trabalho, saúde, esporte e lazer.
A normatização do PEE-AL apresentado em seguida
não constitui uma forma cabal de orientação para obtenção de reconhecimento,
pois se trata de legislação estampada apenas no âmbito formal. A sua
materialidade, isto é, sua efetividade prática exige decisão política, que se
encaminhada desinteressadamente, reflete de maneira positiva, mas se negada ou
retardada, inflama a necessidade de luta com vistas à aquisição do direito ao
reconhecimento.
“É possível ver na luta por reconhecimento uma
força moral que impulsiona desenvolvimentos sociais, políticos e
institucionais” (MENEZES, 2019, p. 4), porém é antecedida pela implementação de
esforços organizativos dos interessados, pois a dita luta não segue uma ordem natural, mas
organizacional, condicionada por embates entre os membros do próprio
agrupamento humano.
É de considerar que a ideia de reconhecimento
se volta aos agrupamentos humanos vulneráveis, como os quilombolas, cuja
maioria vivencia condições precárias, marcadas pelo desprezo social decorrente
de ingerências históricas de preconceito e racismo. Para tanto, os próprios
jovens quilombolas, interessados e parceiros devem se manter organizados intersubjetivamente.
Os jovens quilombolas e todos os quilombolas
que ainda padecem das consequências funestas deixadas pela escravidão, aspiram
ser reconhecidos, e a educação é fundamental para a consecução desse desiderato.
Por isso é trazida aqui a discussão sobre o PEE-AL, no qual constam metas e
estratégias condizentes com o projeto emancipatório via reconhecimento.
Contudo, vive-se um continuum de negação de reconhecimento.
O problema é que às
minorias são negadas possibilidades de Reconhecimento e de formação de
identidade positiva de si mesmos. Essa negação de reconhecimento trás uma
consequência muito séria e importante para a reprodução social. Negar
reconhecimento é marginalizar grande parte daqueles que estão em processo de
construção da identidade desde a infância (MOURA; MENEZES, 2019, p. 5).
O reconhecimento é uma força estabelecedora da
dignidade humana. Põe fim a marginalidade social e permite que “as minorias
manifestem as suas intersubjetividades” (IDEM, IBIDEM).
Depreende-se pelo visto até aqui, que a
formação histórica de Alagoas manteve uma dinâmica excludente da população
afrodescendente. Provavelmente por receio,
fixado no imaginário das elites dominantes, das lutas quilombolas. Por
isso não cedem o mínimo de espaço para seus “inimigos históricos” e se agarram
ao poder político com o aval do próprio povo, na sua maioria, negra.
Em todo caso, a dominação tem mudado não apenas
de personagem, mas também de forma e maneira de acontecer. Mesmo assim, manejar
o Estado no sentido de projetar uma sociabilidade firmada na lógica do
reconhecimento dos até então excluídos, tem sido se não de todo impossível ao
menos muito difícil. E se algum benefício é direcionado a essa população,
faz-se em doses homeopáticas, talvez até para que os problemas e carências
nunca se extingam. Neste caso e por prudência, devem os jovens quilombolas
desencadear lutas por reconhecimento caso queiram, de fato, reordenar suas
existências em torno de um projeto social que os torne também agentes
históricos visíveis.
Daí porque falar em desafios e em
possibilidades. Desafios que impulsionam os envolvidos a lutar sem trégua por
direitos até então negados e possibilidades, porque nem sempre as lutas são
coroadas com a vitória, mas no dizer de Zé Duda, quilombola de Mameluco, “lutar
sempre, vencer talvez, desistir nunca”.
4. O PLANO ESTADUAL DE
EDUCAÇÃO DO ESTADO DE ALAGOAS (PEE-AL)
O Estado de Alagoas aprovou o seu Plano
Estadual de Educação (PEE-AL) por meio da lei nº 7.795, de 22 de janeiro de
2016, com vigência até 2026. Assim cumpriu o estatuído no artigo 8º da Lei nº
13.005/2014, que instituíra o Plano Nacional de Educação (PNE), e determinara
aos Estados a elaboração de lei própria. O PEE-AL além de conter diretrizes
para toda a educação básica do estado - erradicação do analfabetismo,
universalização do atendimento escolar, erradicação de toda forma de
discriminação e valorização dos profissionais da educação; contém um anexo com
20 metas, enumeradas de 1 a 20 e 361 estratégias também enumeradas, cujo modelo
será seguido aqui, percorrendo todas as
etapas da educação básica - ensino infantil, fundamental e médio.
Por ser intenção neste artigo discorrer sobre o
reconhecimento da juventude quilombola, foi deixada de lado a creche e a
educação infantil e passou-se a focalizar o ensino fundamental a partir do 6º
ano, seguido do ensino médio. Mesmo assim, há que destacar a importância da
creche e do ensino infantil, porquanto quase inexistentes nas comunidades quilombolas
alagoanos.
Vale salientar que a lei nº 7.795/2016,
instituidora do PEE-AL, não é uma lei programática. Seus dispositivos são de
vigência instantânea, por isso cabe ao Estado prover imediatamente seu
cumprimento.
Didaticamente dividiu-se este ponto em quatro
partes: 4.1) Escola Quilombola; 4.2)
Currículo; 4.3) professores/as e 4.4) Estudantes Quilombolas.
4.1 ) Escola
quilombola
Escola quilombola é aquela localizada em território
quilombola e é confirmada no seu Projeto
Político Pedagógico (PPP), e no Regimento Interno. Visa a atender a todos os
estudantes da educação básica, independentemente do número de matrículas. Sua
construção atenderá as exigências da comunidade, com “padrão arquitetônico e
mobiliário adequado” (6.2; 6.3; 6.4), que facilite o acesso (10.4) com espaços
aprazíveis e confortáveis.
Devem estar munidas de espaços esportivos e com
material de desporto (3.19), a fim de facilitar práticas esportivas e culturais
de respeito e aceitação do outro como princípio educativo (3.18). O PEE-AL
apresenta como necessária a construção de salas multifuncionais e serviços
especializados que sejam direcionados aos quilombolas (4.4).
As ditas escolas devem ser dotadas de
infraestrutura material, didático-pedagógica e tecnológica em prol do ensino de
boa qualidade em todos os níveis e modalidades (7.6).
Para o bom atendimento dos afro-quilombolas,
urge “desenvolver pesquisas de modelos alternativos de atendimento escolar”
(7.2), com vistas a motivar os estudantes quilombolas a vivenciar a escola como
um espaço agradável de realização de sonhos e de preparação para o futuro.
O Projeto Político Pedagógico (PPP), e as
demais normas da escola devem descrevê-la como quilombola, sendo de grande
importância articular a educação escolar com as áreas de saúde, assistência
social, trabalho, emprego, esporte e cultura (7.32).
4.2) Currículo quilombola
No conjunto estrutural da educação, o currículo
é peça fundamental. Quanto ao currículo das escolas quilombolas mantêm a base
nacional comum e os conteúdos curriculares variáveis, de acordo com a história
de cada comunidade e as diretrizes nacionais para a educação escolar quilombola
na educação básica.
O PEE-AL apresenta sugestivas proposições
curriculares. Sugere “desenvolver currículos e propostas pedagógicas
específicas para as escolas (...) quilombolas” (7.30) e a inclusão das propostas no Projeto Político e Pedagógico
(PPP), a história de vida da comunidade e a implantação também da educação em Direitos Humanos (7.51).
Os currículos das escolas quilombolas devem
conter ainda os conteúdos indicados pela Lei nº 11.645/2008, por considerar que
a presença africana em território brasileiro foi decisiva no processo de
formação de nossa gente. Por isso passou a constar do arcabouço jurídico
nacional a citada lei, na qual consta grande e importante indicativo de
conteúdos curriculares que deverão ser aplicados na educação básica. Assim, a
educação brasileira mantém em níveis igualitários, em termos de ensino e
aprendizagem, as contribuições negras e indígenas para a formação econômica,
social e cultural do país. Por isso e também por vários outros motivos sinalizados
de relance, tais conteúdos são de interesse dos estudantes quilombolas e dos
quilombolas em geral, porque entra em cena a história da África e dos
africanos, as lutas e a cultura afro-brasileira de maneira que os
afro-quilombolas se apercebam vinculados a uma história, a uma ancestralidade,
a um povo. E possam identificar suas raízes africanas com suficiente clareza, a
ponto de superarem os condicionantes decorrentes de práticas racistas e
discriminatórias.
O currículo contém posições políticas e
ideológicas. Não é um dispositivo escolar neutro. Por isso sua confecção e
exercício no ambiente quilombola se presta, pelo menos esta é a ideia, a
favorecer a sistemática do reconhecimento. Um currículo entranhado de conteúdos
racistas e discriminatórios vem somente em prejuízo da comunidade.
4.3)
professores/as de estudantes quilombolas
A funcionalidade escolar conta com diversos
indivíduos. Cada um executa funções predeterminadas e que são essencialmente
educativas. Neste universo estão os professores/as, a quem o PEE-AL garante a
“promoção de cursos interdisciplinares, na formação inicial e continuada (...)
que envolvam todas as formas de diversidade” (3.15; 7.7), inclusive a
diversidade quilombola.
O PEE-AL determina a realização de diagnósticos
com vistas a identificar as demandas a fim de criar programas específicos para
a formação de profissionais da educação (15.6), e ainda assegura via Fundação
de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (FAPEAL), a concessão de bolsas de
estudo para pós-graduação de professores/as da educação básica (16.8), e o
Estado apoia os municípios na criação de Planos de Carreira para os
profissionais do magistério da rede básica (17.4).
Outro valioso ponto é a permanência do
professor/a numa única unidade escolar (17.5) quilombola, porque facilita o
conhecimento da comunidade, suas histórias, cultura e formas peculiares de
produção e reprodução da vida.
4.4)
estudantes quilombolas
O estudante é o centro em torno do qual
circulam professores/as, demais pessoas comprometidas com a escolarização, o
currículo, a estrutura física escolar, o PNE e o PEE.
De fato, um conjunto significativo de pessoas,
uma quantidade enorme de ações, práticas pedagógicas, elaboração de teorias,
convite à participação da comunidade, tudo enfim visa educar o estudante. O PEE
em apreço dispensa muitas de suas metas e estratégias aos estudantes em geral,
mas boa parte delas deve ser direcionada aos estudantes quilombolas. Portanto,
consta do PEE-AL a obrigatoriedade do Estado e dos municípios, onde há escola
quilombola, de implantar ações corretivas de fluxo do ensino fundamental e
médio (2.19; 3.4) e a universalização da alimentação escolar (2.20). A
estratégia 3.1 focaliza a adesão do Estado ao Programa de Renovação do Ensino
Médio, que conta com as seguintes características: práticas pedagógicas com
abordagens interdisciplinares, articulação entre conteúdos obrigatórios e
conteúdos eletivos, material didático específico e formação continuada de
professores/as.
A expansão das matrículas (3.6) se combina com o
acesso e permanência no ambiente escolar (3.7). Estudantes matriculados são
consequentemente convidados a concluir o curso, sobretudo o ensino médio, evitando-se,
desse modo a persistente evasão e mediante motivação do IVQ, adentrar ao “ensino
superior” (12.11).
É fundamental que a educação escolar vise
estimular o protagonismo dos jovens quilombolas (6.14), porque é assumindo a
postura de protagonista que se pensará em lutar por obtenção de reconhecimento.
Como já foi dito, o Estado não dispõe de dados
atualizados sobre os quilombolas. Sendo assim e a fim de aprimorar o
atendimento, necessário proceder “ o diagnóstico dos jovens e adultos não
escolarizados e os com ensino fundamental e médio incompletos” (9.2), com a
finalidade de ajustar o atendimento à demanda, bem como planejar e monitorar as
ações educativas com a coleta de resultados.
É aspecto fundamental a predisposição dos
jovens quilombolas para cursar o nível superior (12.10; 12.11; 12.17), e em
seguida ter acesso à pós-graduação strictu
sensu – mestrado e doutorado (13.9; 14.1; 14.6).
O quantitativo de quilombolas alagoanos a
cursar o ensino superior e a pós-graduação é muito baixo. O afunilamento do
processo educativo lhes impõe limites. Aos
poucos se sentem desestimulados com a escolarização, dado o cansaço das idas e
vindas, as inconveniências racistas e discriminatórias de colegas no espaço
escolar, o desejo de ganhar dinheiro para deixar de depender dos pais, a
possibilidade de arranjar um casamento e sobreviver na comunidade por meio de
ações a que já estão acostumados.
Toda esta realidade de afunilamento tem seu
epicentro na ausência de projeto do ente estatal direcionado aos ditos jovens,
pois se sentem desprestigiados, desprezados, segundo alguns “fora do mundo”. É
evidente caber a eles próprios em primeiro lugar se auto motivarem para romper
este círculo vicioso. Para tanto, é válido o incentivo da comunidade, dos
familiares e das pessoas que com eles lutam por reconhecimento.
5.
NOTAS CONCLUSIVAS
A juventude quilombola e o PEE-AL se articulam
em torno do reconhecimento. Enquanto população humana desassistida identifica no
PEE-AL metas e estratégias que lhes são favoráveis. Vale lembrar, porém, que as
metas e as estratégias garantem o direito, mas não a sua efetividade. Esta
somente funciona positivamente se houver disposição e vontade política, ou
então, o Estado pressionado pelos indivíduos interessados, passe a
movimentar-se no sentido de cumprir e fazer cumprir as normas por ele mesmo
criadas e aprovadas.
Atualmente quase não há pressões reivindicatórias
por parte da juventude quilombola alagoana, exceto as tentativas argumentativas
do IVQ, embora sem grandes consequências. Muitos fatores têm contribuído para
silenciar ao menos momentaneamente os jovens quilombolas.
1º - a
atuação do Estado é do tipo paternalista e assistencialista. Oferece meios de
participação em eventos onde são oferecidos poucos conhecimentos e os que são
ofertados carregam a ingerência do próprio Estado. O participante entra “mudo e
sai” calado.
2º - Não há por parte do Estado de Alagoas
algum projeto eficiente de inclusão social para os quilombolas. Algumas ações
esporádicas não geram consequências, por exemplo, encontros para discutir a
saúde quilombola. Consomem-se horas e dias reunidos em discussão, sem, porém
qualquer ação concreta nas comunidades.
3º - A coordenação estadual é totalmente
destituída de clareza organizativa e sem um caminho visível a seguir, porque
passou os pés pelas mãos e caiu no marasmo da não funcionalidade, com resultado
zero no quantum organizativo quilombola e tal qual o Estado, não dispõe de
qualquer projeto objetivamente válido direcionado aos jovens quilombolas.
Por outro lado, persiste a ideia de que o
reconhecimento é uma concessão estatal. Os quilombolas, numa atitude de
esperança, aguardam a eleição de um governante audacioso que lhes conceda os
meios de alcançarem reconhecimento. Seguindo este viés acomodativo, os
quilombolas jovens ou não passam a se colocar do lado de quem retira seus
direitos: o Estado. Assim, concordam com a opressão de que são vítimas. Essa
manobra adia as ações de reconhecimento, deixando para depois o que, por
necessidade, deveria ter sido feito antes.
O Instituto Vozes Quilombolas (IVQ) e o
Movimento das Comunidades Populares (MCP) estabeleceram um diferencial no
cenário quilombola alagoano, tanto porque ao conceder curso de preparação para
o ENEM, incentivaram os jovens a enveredarem de cabeça nos estudos, valorando
sobremaneira a escolarização, a educação escolar quilombola, a organização
interna de cada comunidade e a organização representativa estadual. Essas
atividades são ótimas, enquanto incentivo que desperta e encaminha os
quilombolas para luta por reconhecimento, no entanto, é de pouca valia frente à
intentona desestruturante emanada do próprio Estado, que entre outras funções
depreciativas, mascara a realidade oferecendo paliativos momentâneos.
O Plano Estadual de Educação (PEE-AL), na
esteira do Plano Nacional de Educação (PNE), dispõe de metas e estratégias
suficientes e capazes para estabelecer uma sociabilidade quilombola conforme os
parâmetros da dignidade humana. Este acontecimento depende da ação política de
algum governo ou da reação reivindicatória dos próprios quilombolas devidamente
organizados. Barbalho (2013, p. 37) enfatiza: “consideramos como problema
teórico poder identificar sob quais sentidos um grupo portador de uma
identidade étnica especifica mobiliza seus membros na defesa de interesses
variados.” Como os interesses dos jovens quilombolas é a obtenção de
reconhecimento mediante a implantação in
totu do PEE-AL, vale dizer então que a mobilização para alcançar este desiderato
é um problema teórico, então perpassado de intenções intersubjetivas, mas cujo
encaminhamento se direciona necessariamente para e pela ação prática.
Vislumbra-se aos quilombolas a efetividade de
uma “educação (...) articulada a forças sociais, providas de teorias e práxis
transformadora, dotada, porquanto, de capacidade crítica contextual e
propositiva (...) desenvolvendo discursos e práticas contestativas” (IDEM, p.
58). Esse modus operandi de educação
é assumida pelo Instituto Vozes Quilombolas (IVQ), em parceria com o Movimento
das Comunidades Populares (MCP). A
prevalência dos ditames estatais no âmbito escolar em geral e no quilombola em
particular não significa um beco sem saída e a imodificabilidade do status quo. Os indivíduos em sociedade
podem refazer a sua própria história, tomar decisões favoráveis a si mesmos em
desacordo com as ideias prevalecentes. Podem, enfim dar um novo rumo as suas
existências.
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Este artigo fala muito sobre a importância da juventude quilombolas que é muito importante para as nossas comunidades quilombolas de hoje
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