A liberdade em Guilherme de Ockham: aspectos filosóficos, teológicos e políticos



 Revista Sísifo. Nº 13, Vol. 2. Janeiro/Junho 2021. ISSN 2359-3121. www.revistasisifo.com

 

 

William Saraiva Borges

Licenciado, Mestre e Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). E-mail para contato: saraiva.borges@gmail.com

 

 


 O Mestre Ockham e seu discípulo (Trechsel, Lyon)

 

 

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Resumo: Meus objetivos, neste artigo, são os seguintes: 1) na primeira seção, retomar minha trajetória acadêmica, elucidando como o estudo da Opera Omnia de Guilherme de Ockham levou-me a constatação da amplitude e da importância do conceito de liberdade para o pensamento ockhamiano; 2) na segunda seção, apresentar brevemente quais sejam os sentidos do termo liberdade encontrados nas obras do Venerabilis Inceptor e, em seguida, arrolar e expor quatro cenários teóricos em que o tema da liberdade, de modo explícito, é abordado pelo Menorita Inglês.


Palavras-chave: Filosofia Medieval; Teologia; Política; Guilherme de Ockham; Liberdade.


Abstract: My aims in this paper are these: 1) in the first section, to resume my academic trajectory, elucidating how the study of William of Ockham’s Opera Omnia permitted me to verify the extent and importance of the concept of freedom for ockhamian thought; 2) in the second section, to present briefly the meanings of the term freedom into Ockham’s works and then list and expose four theoretical scenarios in which the theme of freedom is explicitly approached by William of Ockham.

Keywords: Medieval Philosophy; Theology; Politics; William of Ockham; Freedom.

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Retomando as pesquisas realizadas


O conceito ockhamiano de liberdade tem sido um dos meus objetos de pesquisa desde os últimos semestres da Graduação em Filosofia (concluída em 2015/1 na UFPel). Nos anos de 2014 e 2015, enquanto aspirante ao Mestrado em Filosofia no PPGFil/UFPel, e sabendo que a sua área de concentração era (e ainda é) Ética e Filosofia Política, tratei de encontrar na Opera Omnia1 de Guilherme de Ockham (1284?-1347?), filósofo que eu já estudava (embora com outro foco2) desde o início da Licenciatura, algum tópico que se adequasse às linhas de pesquisa do Programa. Foi assim que, lendo e analisando sua Opera Politica, percebi a originalidade do seu apelo à liberdade evangélico-cristã ao discorrer sobre as relações de poder entre Igreja e Império. A partir de então, apresentei minhas “descobertas” em vários eventos acadêmicos3, escrevi também meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) discutindo colateralmente esse assunto4 e ainda publiquei um artigo contendo minhas primeiras conclusões5.

Paralelamente às minhas pesquisas pessoais, tive a grata oportunidade de ser bolsista de Iniciação à Pesquisa (PBIP), de 08/2014 a 07/2015, sob a orientação do Prof. Dr. Pedro Leite Junior (reconhecido ockhamiano brasileiro e professor adjunto do Departamento de Filosofia da UFPel). Esse projeto de pesquisa, o qual se intitulava Presciência e liberdade na perspectiva de Ockham: repercussões e desdobramentos na discussão contemporânea6, me permitiu conhecer não somente outros textos do Venerabilis Inceptor, mas me possibilitou, sobretudo, perceber que o tema da liberdade, na perspectiva de Ockham, era algo muito mais amplo e complexo do que se poderia imaginar à primeira vista.

Elaborei, então, meu projeto de Mestrado, intitulado A liberdade humana segundo Guilherme de Ockham, no qual eu problematizava a relação entre esses dois aspectos da liberdade (os quais eu denominei “especulativo” e “prático”)7. Contudo, aprofundando as leituras e considerando as ponderações do meu orientador, Prof. Dr. Sérgio Ricardo Strefling, julguei que o projeto era muito ambicioso. Desse modo, decidi que a dissertação deveria versar unicamente sobre a liberdade no âmbito político (aquele que eu chamara de “prático”); e, de fato, foi o que eu fiz. Em 2015, durante um minicurso ministrado na UFPel, conheci o Prof. Dr. José Antônio de Camargo Rodrigues de Souza (reconhecidíssimo medievalista, tanto no Brasil como no exterior), o qual me presenteou com os rascunhos de sua inédita tradução da Terceira Parte do Diálogo (a qual só seria publicada em 2016); a partir daí, pouco a pouco, redelimitei meu projeto e, por fim, a dissertação foi a seguinte: A liberdade religiosa e política: um estudo a partir do III Dialogus de Guilherme de Ockham8.

Todavia, a história ainda não terminou: mesmo que o objeto de estudo da dissertação estivesse bem definido, o tema da liberdade, em Ockham, continuava (e continua) sendo muito mais amplo. Dei-me por conta, então, ao estudar sua Opera Philosophica et Theologica, de que também na ética (ou filosofia moral), ao investigar a vontade humana, o Venerabilis Inceptor fazia uso do conceito de liberdade9. Além disso, percebi que a discussão acerca das potências absoluta e ordenada de Deus, igualmente estavam relacionadas ao conceito de liberdade (mas sobre esse tópico ainda não cheguei a fazer nenhum trabalho específico, nem mesmo comunicação oral em evento).

Dessa maneira, como se pode ver, a liberdade é discutida por Ockham em, ao menos, quatro contextos diferentes, o que eu denominei abordagens ockhamianas da liberdade. Ademais, como destaca Baudry, nas obras de Ockham ainda se pode identificar alguns sentidos para o termo liberdade, segundo os quais o Menorita Inglês define esse conceito. Por essa razão, na minha dissertação de Mestrado, dediquei a primeira seção do prólogo à elucidação dessas questões. Aqui neste trabalho, nas páginas subsequentes, com várias correções e adaptações, transcrevo alguns trechos do referido prólogo da minha dissertação e de outros estudos anteriormente publicados (todos devidamente arrolados nas notas de rodapé).

A liberdade em Ockham: sentidos e abordagens

Léon Baudry, com base no Comentário às Sentenças, nos Quodlibeta Septem, na Exposição à “Física” de Aristóteles e no Tratado sobre a predestinação e a presciência de Deus10, identifica seis sentidos ockhamianos para o termo liberdade. Contudo, os reduz a apenas quatro: ausência de coação11, ausência de servidão ao pecado12, ausência de imutabilidade13 e ausência de necessidade14. Além dessas quatro acepções com que se pode entender o termo liberdade, ainda é possível localizá-lo em, ao menos, quatro abordagens realizadas por Ockham em sua Opera Philosophica et Theologica e em sua Opera Politica.

A primeira delas se refere à questão da liberdade de Deus, ou seja, no vocabulário técnico medieval, se Deus poderia, por sua potência absoluta, fazer livremente aquilo que, por sua potência ordenada, não tenha efetivamente feito nem pretenda vir a fazer 15. A resposta do Menorita Inglês evidencia seu convicto e pleno assentimento ao, assim chamado, princípio do poder absoluto de Deus:


[...] Deus pode fazer algumas coisas pela [sua] potência ordenada e outras pela [sua] potência absoluta. [...] “poder alguma coisa”, às vezes, é tomado segundo as leis ordenadas e instituídas por Deus, e destas se diz que Deus pode fazê-las pela [sua] potência ordenada. Outras vezes, toma-se “poder” por poder fazer tudo aquilo que, ao ser feito, não implica contradição, quer Deus tenha se ordenado vir a fazê-lo, quer não, pois Deus pode fazer muitas coisas que não queira fazer [...]; e destas se diz que Deus pode [fazê-las] pela [sua] potência absoluta.16


De fato, a soberana onipotência de Deus, pela qual lhe é possível fazer tudo aquilo que não inclua contradição, é a condição de possibilidade para que se preserve sua intangível e absoluta liberdade17. Ora, sendo assim livre o Criador, também deverá ser livre a criatura, já que criada a sua “imagem e semelhança”18. Esse inevitável corolário é enfatizado por Jürgen Miethke (e outros estudiosos):


[…] the experience of freedom underlies all of his [Ockham’s] ideas. His idea of God is simply unintelligible without his view of the sovereign freedom of God. God, absolutely free and omnipotent, is placed side by side with man as his creature; there is an infinite distance between both of them, but still man is conceived of as the being next to God and intended to be free. […] Freedom of the Creator, however, was that important to Ockham that to him reliability on divine acting in salvation was by no means a limitation to God's possibilities. And yet the free Creator corresponded to the free creature. Man, as dependent on God as he is in being and acting, is yet a free individual, and so he was meant to be and created. Even the original sin could not change this relationship.19


A liberdade da criatura humana, consequência direta da liberdade do Criador Divino, conduz o Venerabilis Inceptor à segunda das quatro mencionadas abordagens; aquela atinente ao aspecto precipuamente ético da questão, qual seja, a liberdade da vontade humana20. Para Ockham, “nenhum outro ato senão o ato da vontade é necessariamente virtuoso”21, isto é, somente as ações humanas que forem realizadas em decorrência de um ato volitivo podem ser moralmente ajuizadas como virtuosas e/ou viciosas. As ações efetivas e exteriores de ir à igreja e/ou lançar-se de um penhasco – exemplifica Ockham – são moralmente indiferentes, isto é, não possuem em si (objetivamente) nenhum valor moral a priori. O ato da vontade, ao contrário, é necessária e intrinsecamente virtuoso e/ou vicioso dependendo da intenção (boa e/ou má) e da finalidade (louvável e/ou censurável) que o movem. Desse modo, a ação efetiva recebe sua valoração moral do ato volitivo que a causou. O ato volitivo é, portanto, primariamente bom ou mau, enquanto o ato efetivo é, apenas, secundariamente bom ou mau, na medida em que está em conformidade com o ato da vontade (intenção e finalidade) que o impeliu22.

Ora, vontade e liberdade, de acordo com o Menorita Inglês, constituem uma única e indistinta coisa: “[liberdade] é um termo conotativo que evoca a própria vontade, ou seja, a natureza intelectual [do homem], conotando algo que, contingentemente, pode ser feito por ela mesma”23. E noutra passagem, Ockham apresenta a acepção de liberdade aplicável a esta matéria: “chamo liberdade o poder pelo qual posso, indiferente e contingentemente, postular [algo] diverso, de tal modo que posso causar e não causar um mesmo efeito, [e] fora daquela potência, [não há] nenhuma diversidade existente em outro lugar”24. De fato, se não fosse livre, a vontade não poderia produzir, por assim dizer, qualquer intenção moralmente imputável.

Todavia, de acordo com o Venerabilis Inceptor, mediante nenhum raciocínio argumentativo se pode provar, suficientemente, que a vontade seja livre. No entanto, a liberdade da vontade pode ser conhecida, de modo evidente, através da experiência, uma vez que a pessoa humana experimenta (empiricamente) que, por sua própria vontade, pode querer ou não querer alguma coisa (sc. indeterminação da vontade). A vontade, portanto, é ativa, podendo atualizar-se por si mesma, isto é, passar da potência ao ato sem o concurso de nenhum agente externo (sc. autodeterminação da vontade)25. Desse modo, sendo a faculdade volitiva livre e ativa, pode o agente moral ter intenções e ações virtuosas e/ou viciosas, as quais, e somente as quais, podem e devem ser moralmente valoradas como boas e/ou más, louváveis e/ou censuráveis. Em suma, sem liberdade não há vontade, sem vontade livre não há intenção e sem intenção livremente querida não há ação moral passível de valoração26.

Esse debate acerca da liberdade da vontade (pela qual os seres humanos podem querer ou não querer algo, fazer ou deixar de fazer alguma coisa) arrasta o Venerabilis Inceptor para a terceira das quatro abordagens antes referidas, a saber, aquela referente à querela da (in)compatibilidade entre a liberdade humana e a presciência divina dos futuros contingentes27. A recepção medieval do nono capítulo do Peri Hermeneias, no qual de Aristóteles formula e discute o célebre problema dos futuros contingentes28, traz consigo um intrincado dilema filosófico-teológico: se Deus, necessariamente, conhece todas as coisas (onisciência) e as conhece de antemão (presciência), então, o futuro não é contingente, mas, ao contrário, está determinado a ser, necessariamente, do modo como é conhecido por Deus; logo, as ações humanas estão, inevitavelmente, fadadas a serem deste ou daquele modo e, por conseguinte, não são livres os seres humanos. De fato, asseverar a necessidade do futuro implica a radical destruição da liberdade humana, bem como de toda a possibilidade de deliberação e escolha das ações a serem praticadas ou evitadas.

Ockham, com efeito, se vê obrigado a enfrentar essa aporia e oferecer-lhe uma solução que, conciliando as conclusões de Aristóteles e a doutrina cristã, salvaguardasse tanto a liberdade humana quanto a presciência divina. Para o Menorita Inglês, desse modo:


[...] sem dúvida se deve assumir que Deus certamente sabe todos os futuros contingentes; de modo que certamente sabe que lado da contradição será verdadeiro e que lado será falso; no entanto, de modo que todas as proposições como “Deus sabe que este – ou aquele – lado da contradição é verdadeiro” são contingentes e não necessárias [...]. Mas é difícil ver de que modo o saiba, visto que um lado não está mais determinado para a verdade que o outro. [...] Por isso, digo que é impossível exprimir com clareza o modo pelo qual Deus sabe os futuros contingentes. No entanto, deve-se assumir que sabe apenas contingentemente.29


De fato, Deus conhece o futuro contingentemente, isto é, conhece o futuro não como algo necessário (que deve ser imutavelmente do modo como é conhecido), mas conhece como algo contingente (que tanto pode ser como não ser): “[...] um lado da contradição é determinadamente verdadeiro, de modo que não é falso. É, no entanto, contingentemente verdadeiro e, por isso, é verdadeiro de modo que pode ser falso e pode jamais ter sido verdadeiro”30. Desse modo, o futuro é conhecido por Deus e nem por isso deixa de ser contingente; e assim, permanece Deus presciente e o ser humano livre para escolher e deliberar. Carlos Eduardo de Oliveira assim resume a posicionamento do Venerabilis Inceptor:


O nó da solução ockhamiana consiste em dizer que o conhecimento divino da determinação do futuro contingente, diversamente do que é requerido pela argumentação aristotélica, não se segue da necessidade da verdade da proposição, ou seja, da determinação atual daquilo que é por ela enunciado.31


Ora, os fatos ou estados de coisas só podem ser considerados contingentes na medida em que dependam de um agente livre que delibera e age quanto ao que quer. Este é, portanto, o caso do ser humano: ele é livre para escolher o que quiser32, ou seja, sua liberdade é, antes de tudo, liberdade da vontade (sc. indeterminação e/ou autodeterminação da vontade). Com efeito, a contingência do futuro, indispensável à liberdade humana, não é comprometida pela presciência de Deus, nem a presciência divina é atingida pela contingência do futuro, pois Deus sabe todas as coisas, mas as sabe contingentemente, e sendo estas contingentes é, portanto, livre o ser humano.33

Todavia, no que concerne à liberdade no pensamento de Ockham, além das quatro acepções do termo e das três abordagens que acabo de salientar (as quais podem ser localizadas, especialmente, em sua Opera Philosophica et Theologica), uma outra abordagem, talvez a mais original de todas elas, tem por locus sua Opera Politica34. Esse novo enfretamento do tema da liberdade surge quando o Venerabilis Inceptor se depara com as candentes questões políticas de sua época, a saber, as conflituosas relações de poder entre Igreja/Papado e Império/Reinos35. Ora, os pontífices romanos, com base nas Sagradas Escrituras e no Código de Direito Canônico então vigente, se pretendiam possuidores da plenitudo potestatis in spiritualibus et in temporalibus, isto é, a plenitude do poder, tanto no âmbito espiritual, como na esfera temporal. O Menorita Inglês, com efeito, rechaça enfaticamente essa doutrina, considerando-a uma patente heresia: se o papa possuísse regularmente essa pretensa plenitude de poder, por conseguinte, tolheria a inalienável liberdade humana – a liberdade evangélica garantida pela lei cristã – e ao fazê-lo contradiria tal princípio escriturístico; tornando-se, portanto, um herege36.

O intricado problema enfrentado pelo Venerabilis Inceptor, como mencionado, é a pretensa plenitudo potestatis avocada pelos pontífices romanos sobre as esferas espiritual e temporal. Ockham discorda frontalmente dessa doutrina, embora os argumentos aduzidos a favor dela estejam contidos nas Sagradas Escrituras. O Menorita Inglês, naturalmente, reconhece a autenticidade das Sagradas Páginas, contudo não assente com a interpretação que é dada a elas pelos juristas e teólogos da Cúria Romana. Assim sendo, ao apresentar sua própria interpretação, Ockham novamente traz à lume sua noção de libertas e, através dela, empreende sua refutação à plenitudo potestatis papalis37.

De modo geral, nas Obras Políticas do Venerabilis Inceptor encontramos a seguinte estrutura: inicialmente, Ockham apresenta a definição de plenitudo potestatis; em seguida, expõe os argumentos bíblicos em que tal doutrina se fundamenta e, por fim, aduz sua refutação a mesma. O Menorita Inglês, com efeito, arrola diferentes alegações que se contrapõem à plenitude do poder papal, entretanto, em todas as suas obras, o argumentum libertatis ou argumentum ad libertatem é o primeiro a ser apresentado e o mais longamente desenvolvido. No Diálogo chega a afirmar: “[...] é o mais importante ou um dentre os mais relevantes fundamentos ou razões pelos quais algumas pessoas dizem que o papa não possui tal plenitude de poder [...]”38.

Segundo Ockham, a liberdade nos foi concedida por Deus e pela natureza39, isto é, somos livres tanto pela lei divina quanto pelo direito natural. Ora, o sumo pontífice tudo pode fazer e ordenar, exceto aquilo que contradiz a lei divina e o direito natural40. Consequentemente, se a liberdade é dom divino e natural, está excluído do poder papal tudo quanto tolhe ou mesmo compromete tal liberdade dos indivíduos. Logo, o papa não possui regularmente a plenitude do poder e essa nada mais é do que uma herética usurpação da liberdade e dos direitos que possuímos por concessão de Deus e da natureza41.

Essa naturalis et divina libertas evocada de forma tão original pelo Menorita Inglês é, segundo ele, a própria lei evangélica, ou seja, a lei cristã que de acordo com as Sagradas Escrituras é a lei perfeita da liberdade42. Ora, tal lex libertatis está, evidentemente, contida nas Escrituras, pois “[...] o bem-aventurado Tiago, na sua Epístola Canônica [1, 25], diz que a lei evangélica é a ‘lei perfeita da liberdade’”43. Ockham, então, arrola inúmeras perícopes bíblicas (extraídas da Epístola de Tiago, das cartas paulinas aos Gálatas e aos Coríntios e dos Atos dos Apóstolos) nas quais o cristianismo é caracterizado como uma religião da liberdade44. Para Ockham, a religião evangélico-cristã é regida pela “[...] lei da perfeita liberdade, cujo ‘jugo’, segundo o seu próprio instaurador, ‘é suave e o seu peso é leve’”45, de modo que, “[...] os cristãos, mediante a lei evangélica, absolutamente não estão sujeitos a tanta servidão quanta havia na antiga lei, seja na esfera temporal, seja na espiritual [...]”46.

O problema posto pelo contexto sócio-histórico-geográfico em que Ockham estava inserido, ou seja, pela conjuntura eclesiástico-política da Europa nos séculos XIII e XIV, fora a pretensão papal de possuir uma supremacia de poder espiritual e secular sobre toda a Cristandade. Dois eram, no entanto, os elementos que poderiam limitar o poder do papa e contra os quais o sumo pontífice jamais deveria atentar: a lei divina e o direito natural. O Venerabilis Inceptor, com sua argúcia lógica, rapidamente encontrou uma brilhante via de refutação: sustentou que, por direito divino e natural, possuímos uma inalienável liberdade, qual seja, a liberdade evangélico-cristã. Ora, se tal libertas é divinamente natural e naturalmente divina, por consequência imediata, o papa não pode possuir regularmente a arrogada plenitudo potestatis, pois se a possuísse, tolheria a liberdade dos seres humanos e nisso atentaria contra a lei divina e contra o direito natural.

Dito em outras palavras: o papa, em virtude da fé cristã que professa e dos princípios evangélicos que dela decorrem, está obrigado a respeitar as leis divinas e naturais. Desse modo, se de fato possuísse o supremo poder espiritual e temporal, evidentemente, usurparia dos homens sua naturalis et divina libertas e, assim, tornar-se-ia réu de heresia por repugnar o direito estabelecido por Deus e pela natureza. Desse modo, segundo a exegese bíblica do Venerabilis Inceptor,


[...] aquelas palavras de Cristo, antes referidas, dirigidas ao bem-aventurado Pedro, que se encontram no Evangelho de Mateus [16, 19]: ‘tudo o que ligares’ etc., bem como os cânones, nos quais se afirma que o papa deve ser obedecido em tudo, devem ser entendidas, admitindo-se a hipótese de haver exceções. Com efeito, se fosse de outra maneira, o poder do papa seria idêntico ao divino e, então, ele poderia de direito tirar o império do imperador, os reinos dos reis e os principados dos príncipes e, em geral, de todos os mortais os seus próprios bens, e os tomar para si ou retê-los ou doá-los a quaisquer outras pessoas, até mesmo àquelas de condição humilde. Ora, isso elimina e destrói a liberdade perfeita da lei evangélica47.


Libertas e plenitudo potestatis não podem coexistir (de forma concomitante), pois dado que suas naturezas são contraditoriamente opostas (conflitantes, incompatíveis e/ou inconciliáveis), se autoexcluem mutuamente. Assim sendo, fica manifesto qual seja a função ou o papel da liberdade, isto é, do argumentum libertatis ou do argumentum ad libertatem, na Opera Politica de Guilherme de Ockham: pela naturalis et divina libertas a plenitudo potestatis arrogada pelos pontífices é impugnada e refutada, sendo tal pretensão papal, com grande justeza, contada entre as heréticas contradições perpetradas contra os direitos divino e natural, sintetizados na lei evangélica48.

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No presente ensaio, de maneira bastante modesta, procurei evidenciar a importância, a amplitude, a centralidade e a originalidade do tema da liberdade para o pensamento filosófico, teológico e político de Guilherme de Ockham. No entanto, permanece em aberto a seguinte questão: qual seria, efetivamente, na perspectiva ockhamiana, a relação existente entre as acepções do termo liberdade e, sobretudo, entre as quatro abordagens acima elencadas? Haveria, entre elas, aplicação, implicação, continuidade, modificação, suplantação, interdependência, independência ou ainda alguma outra possibilidade qualquer? Não pretendo, neste momento, esboçar nenhuma hipótese, nem mesmo preliminarmente, pois entendo que minha contribuição tenha sido apontar o locus, isto é, identificar na Opera Omnia do Venerabilis Inceptor o cenário teórico em que o tema da liberdade é abordado. Por essa razão, fui meticulosamente cuidadoso ao indicar as passagens específicas nas quais o Menorita Inglês se ocupa com a matéria; além disso, embora não exaustivamente, listei algumas das obras que considero mais relevantes para o aprofundamento do assunto. Meu propósito, em suma, foi/é oferecer aos “amigos da sabedoria” medieval, de modo absolutamente despretensioso, algumas ideias que possam servir como ponto de partida para pesquisas ulteriores, apresentando-as aqui de forma didática e sistematizada, e devidamente acompanhadas de referências bibliográficas primárias (fontes) e secundárias (comentadores).



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1 OCKHAM, Guillelmus de. Opera Philosophica. VII volumes. New York: St. Bonaventure University, 1974-1988; OCKHAM, Guillelmus de. Opera Theologica. X volumes. New York: St. Bonaventure University, 1967-1986; OCKHAM, Guillelmus de. Opera Politica. Volumes I-III. Manchester: Manchester University Press, 1940-1974; OCKHAM, William of. Opera Politica. Volumes IV-IX. Oxford: The British Academy, 1997-2020.

2 O primeiro trabalho que publiquei sobre o Venerabilis Inceptor, o qual inaugurou minhas publicações acadêmicas, foi o seguinte: O Problema dos Universais em Guilherme de Ockham (2014, Enciclopédia, revista discente das Graduações em Filosofia da UFPel). Essa publicação se deve ao fato de uma versão homônima desse trabalho ter sido apresentada, no mesmo ano, na IV Mostra de Produção de Textos Filosóficos da UFPel. Contudo, o gérmen dessa modesta pesquisa, sob o título de Algumas notas acerca da Controvérsia dos Universais, teve sua origem numa comunicação oral, realizada em 2012, em Santa Maria, no XVI Simpósio de Ensino, Pesquisa e Extensão da UNIFRA (atual UFN). Algum tempo depois, com base noutras fontes, aprofundei e qualifiquei essa discussão, gerando um novo artigo: O antirrealismo nominalista de Guilherme de Ockham a partir do Comentário à Isagoge de Porfírio (2015, Thaumazein, revista do Curso de Filosofia da UNIFRA/UFN), a qual foi apresentada, com o título de Sobre o estatuto ontológico dos universais: uma perspectiva aristotélico-ockhamiana, durante a XXIX Semana Acadêmica dos Cursos de Graduação em Filosofia da UFPel (2015).

3 XXIII Congresso de Iniciação Científica da UFPel (2014): Uma propedêutica ao pensamento político de Ockham (trabalho premiado neste evento como o melhor da área de Ciências Humanas, sendo publicado posteriormente, em 2016, em livro organizado pela própria UFPel); Jornadas de Filosofía del Centro Regional de Professores del Suroeste (2014, Colônia do Sacramento/Uruguai): Guilherme de Ockham e os conflitos bélico-teóricos entre os poderes civil e eclesiástico no século XIV; III Semana Acadêmica do PPGFil/UFPel (2014): O papel da liberdade na crítica ockhamista à plenitude do poder papal; XXVIII Semana Acadêmica dos Cursos de Graduação em Filosofia da UFPel (2014): A noção de liberdade nas Obras Políticas de Guilherme de Ockham.

4 Uma metodologia de ensino de Filosofia subjacente às Obras Políticas de Guilherme de Ockham (trabalho defendido em 2014 e publicado posteriormente, em 2017, numa coletânea de textos produzidos pelos membros do Grupo de Estudos sobre Filosofia Medieval da UFPel).

5 O Argumentum Libertatis na Opera Politica de Guilherme de Ockham (2015, Revista Aproximação, periódico discente do Curso de Filosofia da UFRJ). Esse trabalho foi reescrito, posteriormente, a partir de outro enfoque, o que gerou outra publicação: Os aspectos liberalistas do pensamento político de Guilherme de Ockham (2016, Seara Filosófica, revista editada pelos discentes do PPGFil/UFPel).

6 Minhas primeiras notas sobre o assunto foram apresentadas, em 2015, no XVII Encontro de Pós-Graduação da UFPel: A liberdade humana e a presciência divina segundo Guilherme de Ockham.

7 Esse projeto, sob o título de A liberdade em Ockham: notas introdutórias, foi apresentado durante o IV Congresso Internacional de Filosofia Moral e Política: Normatividade e Racionalidade Prática, promovido, em 2015, pelo Departamento de Filosofia da UFPel (os anais foram publicados somente em 2016). A primeira seção desde trabalho está na base das conclusões que culminariam neste outro importante ensaio: A relação entre fé e razão em Guilherme de Ockham (publicado em 2019, numa coletânea organizada pelos professores Gelain e De Boni).

8 Foi defendida em 20 de dezembro de 2017 e, em 4 outubro do ano seguinte, foi publicada como livro pela Editora Fi, de Porto Alegre. O lançamento se deu durante o XVIII Encontro Nacional da ANPOF, ocorrido em Vitória/ES, na UFES, no mesmo mês de outubro de 2018; ocasião em que apresentei a comunicação intitulada A via média ockhamiana na Terceira Parte do Diálogo (publicada, em 2019, em Filosofia Medieval - Coleção XVIII Encontro Nacional da ANPOF), através da qual expus parte das conclusões alcançadas na dissertação. No entanto, o cerne desses argumentos foi apresentado no IV Congreso Internacional de la Sociedad Filosófica del Uruguay (2018, Montevidéu), numa comunicação intitulada A liberdade no pensamento político de Guilherme de Ockham. Por fim, uma versão corrigida desse estudo foi publicada pela Revista Portuguesa de Filosofia, em 2019, sob o título A Liberdade Religiosa e Política na Terceira Parte do Diálogo de Guilherme de Ockham.

9 Apresentei algumas comunicações sobre esse tema: O voluntarismo ético ockhamiano (IV Semana Acadêmica do PPGFil/UFPel, 2016); O corolário ético do antirrealismo nominalista ockhamiano (XVIII Encontro de Pós-Graduação da UFPel, 2016); As implicações morais do antirrealismo nominalista de Guilherme de Ockham (VI Congresso Internacional de Filosofia Moral e Política da UFPel, 2019), trabalho que foi publicado como artigo pela Seara Filosófica (2020). Também publiquei a tradução de alguns excertos, nos quais o Venerabilis Inceptor aborda o assunto: Sobre a conexão das virtudes (Questões Variadas, questão VII, artigos 1 e 2) (Seara Filosófica, 2016).

10 BAUDRY, 1958, pp. 135-138. “La théorie ockhamiste de la liberté est éparpillée ici et là dans son Commentaire des Sentences, les Quodlibets, l’Exposition sur la Physique d'Aristote et le De futuris de contingentibus” (idem, ibidem, p. 138).

11 “Ockham distingue six sens de ce mot. Pour faire court, nous pouvons les réduire à quatre. Par liberté il entend: 1º l'absence de contrainte, sens tout à fait impropre, note-t-il, puisque la liberté ainsi définie peut convenir à l'intellect” (BAUDRY, 1958, p. 135). Conferir: Scriptum in Librum Primum Sententiarum, distinção 1, questão 6 (Opera Theologica, vol. I, p. 501); Quaestiones in Librum Secundum Sententiarum, questão 15 (Opera Theologica, vol. V, pp. 354-356).

12 “2º L’absence de servitude au péché, à la peine due au péché, à la souffrance. En ce sens les bienheureux sont plus libres que ne l’est l’homme vivant en ce monde” (BAUDRY, 1958, p. 136). Conferir: Scriptum in Librum Primum Sententiarum, distinção 1, questão 6 (Opera Theologica, vol. I, p. 501); Quaestiones in Librum Secundum Sententiarum, questão 15 (Opera Theologica, vol. V, pp. 354-356).

13 “3º L'absence d'immutabilité. Cette liberté n'est pas plus grande en nous que dans les bienheureux et les anges parce qu'avant d'être confirmés en grâce, les anges et les bienheureux pouvaient, comme nous, pécher ou ne pas pécher. Si maintenant ils sont immuablement fixés dans le bien, cette immutabilité ne constitue pas en eux une imperfection, mais, au contraire, une perfection” (BAUDRY, 1958, p. 136). Conferir: Quaestiones in Librum Secundum Sententiarum, questão 15 (Opera Theologica, vol. V, p. 356).

14 “4º L'absence de nécessité. La liberté consiste alors dans une certaine indifférence, dans une certaine contingence. Elle distingue l'être qui la possède des êtres qui agissent par nécessité de nature” (BAUDRY, 1958, p. 136). Conferir: Scriptum in Librum Primum Sententiarum, distinção 1, questão 6 (Opera Theologica, vol. I, p. 501); Quodlibeta Septem, quodlibet I, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, p. 87); Expositio in Libros Physicorum Aristotelis (Opera Philosophica, vol. IV, pp. 319-320); Tractatus de Praedestinatione et de Praescientia Dei respectu Futurorum Contingentium (Opera Philosophica, vol. II, pp. 505-539).

15 Ockham se ocupa com a discussão acerca das potências absoluta e ordenada de Deus, especialmente, nos Quodlibeta Septem, quodlibet VI, questão 1 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 585-589), no Tractatus contra Benedictum XII, livro III, capítulo 3 (Opera Politica, vol. III, pp. 230-234) e no Opus nonaginta dierum, capítulo 95 (Opera Politica, vol. II, pp. 715-729). Esses textos foram traduzidos ao vernáculo por Carlos Eduardo de Oliveira e podem ser acessados online através do website do Centro de Estudos de Filosofia Patrística e Medieval de São Paulo (CEPAME).

16 Quodlibeta Septem, quodlibet VI, questão 1 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 585-586, essa tradução é minha).

17 Conferir alguns comentadores: GHISALBERTI, 1986; COURTENAY, 1990; KLOCKER, 1992; OAKLEY, 1998; MAURER, 1999, pp. 205-265; SALANITRI, 2015 e OLIVEIRA, Ockham e a distinção dos conceitos de potência absoluta e ordenada: para além de Duns Escoto (texto apresentado em 2015 no XI Colóquio de História da Filosofia Medieval: Filosofia Prática no Pensamento Medieval).

18 Conferir: Gênesis 1, 26-27.

19 MIETHKE, 1991, pp. 91-92. Conferir: LARRE, 2004.

20 O Menorita Inglês explicita suas concepções éticas e/ou morais em diferentes distinções, questões e/ou artigos espalhados por sua Opera Philosophica et Theologica. Por exemplo: Quaestiones Variae, questão VI, artigo 10 (Opera Philosophica, vol. VIII, pp. 272-286), questão VII (Opera Philosophica, vol. VIII, pp. 323-407) e questão VIII (Opera Philosophica, vol. VIII, pp. 409-450); Quodlibeta Septem, quodlibet I, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 87-89), quodlibet I, questão 20 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 99-106), quodlibet II, questão 14 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 176-178), quodlibet II, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 182-186), quodlibet III, questão 14 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 253-257) e quodlibet III, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 262-267) e, também, em numerosos passos do Scriptum in Librum Primum Sententiarum (Opera Theologica, vols. I-IV) e das Quaestiones in Libros Secundum, Tertium et Quartum Sententiarum (Opera Theologica, vols. V-VII). Em língua portuguesa, conferir: OCKHAM, Guilherme de. “Sobre a conexão das virtudes (Questões Variadas, questão VII, artigos 1 e 2)”. Tradução e apresentação de Pedro Leite Junior e William Saraiva Borges. In: Seara Filosófica, Pelotas, n. 13, Verão, 2016, pp. 129-142.

21 Quodlibeta Septem, quodlibet III, questão 14 (Opera Theologica, vol. IX, p. 253, a tradução é minha).

22 Conferir: Quodlibeta Septem, quodlibet III, questão 14 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 253-254); Questões Variadas, questão VII, artigo 1, conclusões 3, 4 e 5, trad. Leite Junior e Saraiva Borges, pp. 133-134.

23 Scriptum in Librum Primum Sententiarum, distinção 10, questão 2 (Opera Theologica, vol. III, p. 344, a tradução é minha).

24 Quodlibeta Septem, quodlibet I, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, p. 87, a tradução é minha). Trata-se da liberdade entendida como ausência de imutabilidade e ausência de necessidade, a saber, o terceiro e o quarto sentido de liberdade arrolados por Léon Baudry.

25 Conferir: Quodlibeta Septem, quodlibet I, questão 16 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 88-89).

26 Conferir alguns comentadores: SUK, 1950; FUCHS, 1952; GHISALBERTI, 1997, pp. 237-264; URBAN, 1973; ADAMS, 1986; FREPPERT, 1988; WOOD, 1997; KING, 1999; MAURER, 1999, pp. 510-515 e pp. 516-539; OSBORNE JUNIOR, 2012; SALANITRI, 2014 e BORGES, 2020.

27 O Venerabilis Inceptor aborda essa questão nas seguintes passagens de sua Opera Philosophica et Theologica: Expositio in Librum Perihermenias Aristotelis, livro I, capítulo 6, parágrafos 6 a 15 (Opera Philosophica, vol. II, pp. 414-424); Tractatus de Praedestinatione et de Praescientia Dei respectu Futurorum Contingentium (Opera Philosophica, vol. II, pp. 505-539); Scriptum in Librum Primum Sententiarum, distinções 38, 39, 40 e 41 (Opera Theologica, vol. IV, pp. 572-610); Quaestiones Variae, questão 3 (Opera Theologica, vol. VIII, pp. 59-97); Summa Logicae, parte III-3, capítulo 32 (Opera Philosophica, vol. I, pp. 708-714) e Quodlibeta Septem, quodlibet I, questão 17 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 90-93), quodlibet IV, questão 4 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 314-319), quodlibet VI, questão 25 (Opera Theologica, vol. IX, pp. 678-682) e quodlibet VII, questão 5 (Opera Theologica, vol. IX, pp.714-720). Tais textos foram traduzidos ao português, comentados e anotados por Carlos Eduardo de Oliveira e podem ser encontrados em: OLIVEIRA, 2014, pp. 145-332.

28 ARISTÓTELES. Da Interpretação [Peri Hermeneias]. Tradução de José Veríssimo Teixeira da Mata. São Paulo: UNESP, 2013, capítulo 9, pp. 15-21. Conferir: FLECK, 1997.

29 Tratado sobre a Predestinação e a Presciência Divinas e os Futuros Contingentes, questão 1, sexta suposição, trad. Oliveira, pp. 236-237. Nesta abordagem, tal como na anterior, o que está em pauta é a liberdade entendida como ausência de imutabilidade e/ou ausência de necessidade.

30 Escrito sobre o Primeiro Livro das “Sentenças”, distinção 38, trad. Oliveira, p. 274.

31 OLIVEIRA, 2014, p. 31. “Em suma, Deus saberia determinadamente qual lado de um par de proposições contraditórias sobre o futuro contingente é verdadeiro. Consequentemente, saberia se uma proposição sobre o futuro contingente é verdadeira ou falsa. Mas, ainda assim, a indeterminação do futuro contingente e, consequentemente, dos lados da contradição, persistiria” (idem, ibidem, p. 28), ou seja, “[...] esse conhecimento não implicaria que a proposição sobre o futuro contingente fosse também necessária” (idem, ibidem, p. 27).

32 “[...] cumpre saber que nada do que o Filósofo fala aqui é contingente quanto ao que se queira, senão o que está no poder de algum agente livre ou depende de algum que tal. E, por isso, nos puros naturais, isto é, nos animados unicamente pela alma sensitiva e nos inanimados, não há contingência nem acaso nem fortuna, a não ser que dependam de algum modo de um agente livre” (Exposição para o “Sobre a Interpretação” de Aristóteles, livro I, cap. 6, § 15, trad. Oliveira, p. 221).

33 Conferir alguns comentadores: BOEHNER, 1958, pp. 420-441; ADAMS, 1987, pp. 1115-1150; CRAIG, 1988, pp. 146-168; ZAGZEBSKI, 1991, pp. 66-97; ESTÊVÃO, 2000; SONG, 2002; BORGES, 2016, pp. 138-142 e BORGES; LEITE JUNIOR, 2019.

34 De acordo com José Carlos Estêvão, nas obras políticas ockhamianas, “[...] ocorre um uso inusitado, a seu tempo, da noção de liberdade. Como diz Lagarde, ‘a originalidade [de Ockham] sobre todos os seus predecessores foi haver invocado um novo slogan para opor-se às investidas do espiritual sobre o temporal: o da liberdade cristã’. A plenitude de poder que se arrogava o papado seria a negação de toda a forma de liberdade, e o Autor entende que o cristianismo é a ‘lei da perfeita liberdade’. Tal formulação é, talvez, o melhor achado retórico de Ockham” (ESTÊVÃO, 2000, p. 369). Conferir: LAGARDE, 1962, pp. 85-86.

35 Sob este prisma teológico-político, Ockham discorre sobre a liberdade humana, basicamente, nos seguintes trechos de sua Opera Politica: Tractatus contra Benedictum, livro VI, cap. 4 (Opera Politica, vol. III, pp. 275-277); An princeps, capítulos 2, 5 e 6 (Opera Politica, vol. I, pp. 230-236 e pp. 242-252); Dialogus, parte III, tratado I, livro I, capítulos 5, 6, 7 e 12 (Opera Politica, vol. VIII, pp. 130-139 e pp. 150-151; disponível no website da Academia Britânica); Breviloquium de principatu tyrannico, livro II, capítulos 3, 4 e 17 (Opera Politica, vol. IV, pp. 113-116 e pp. 146-148); Octo quaestiones de potestate papae, questão I, capítulos 6 e 7 (Opera Politica, vol. I, pp. 29-38); Consultatio de causa matrimoniali, passim (Opera Politica, vol. I, pp. 278-286) e De imperatorum et pontificum potestate, capítulos 1, 3, 4, 9 e 11 (Opera Politica, vol. IV, pp. 282-284, pp. 286-288, pp. 299-301 e pp. 302-303). Todos esses textos estão traduzidos ao português: OCKHAM, Guilherme de. Brevilóquio sobre o principado tirânico. Tradução de Luis Alberto De Boni. Introdução de José Antônio de Camargo Rodrigues de Souza e Luis Alberto De Boni. Petrópolis: Vozes, 1988; OCKHAM, Guilherme de. Obras Políticas (Tratado contra Benedito - livro VI, Pode um príncipe, Consulta sobre uma questão matrimonial e Sobre o poder dos imperadores e dos papas). Tradução, introdução e notas de José Antônio de C. R. de Souza. Porto Alegre: EDIPUCRS; USF, 1999; OCKHAM, Guilherme de. Oito questões sobre o poder do papa. Tradução, introdução e notas de José Antônio de C. R. de Souza. Porto Alegre: EDIPUCRS; USF, 2002; OCKHAM, Guilherme de. Terceira Parte do Diálogo. Tradução, introdução e notas de José Antônio de C. R. de Souza. Vila Nova de Famalicão: Edições Húmus, 2016 (embora na ficha catalográfica, por gralha, conste 2012). Daqui em diante, a Opera Politica do Venerabilis Inceptor será citada seguindo as traduções realizadas por Souza e De Boni.

36 “[...] se porventura o santo padre possuísse tal plenitude do poder, todas as pessoas seriam seus servos, conforme a mais ampla acepção possível do vocábulo servo, o que abertamente contraria a liberdade da lei evangélica, a qual está escrita ou se lê na Sagrada Escritura e, por esse motivo, aquela asserção [segundo a qual o papa possui a plenitude do poder] apropriadamente deve ser computada entre as heresias” (Consulta, trad. Souza, p. 161).

37 Tenho discutido esse tema, embora de modo mais conciso, em publicações anteriores. Conferir, por exemplo: BORGES, 2015; BORGES, 2016, pp. 142-147 e BORGES, 2016, pp. 111-128. E, de maneira bem mais aprofundada, em: BORGES, 2018 e BORGES, 2019.

38 Terceira Parte do Diálogo, tratado I, livro 1, cap. 6, trad. Souza, p. 88. Essa abordagem teológico-política da liberdade, fundamentalmente, se subsome às duas primeiras acepções de liberdade elencadas por Léon Baudry, a saber, liberdade enquanto ausência de coação e/ou constrangimento externo e liberdade como ausência de servidão ao pecado.

39 “[...] o papa não pode subtrair de ninguém o seu direito, especialmente pelo fato de não o ter recebido dele próprio, mas de Deus, ou da natureza ou de outrem. E, pela mesma razão, não pode privar outras pessoas de gozarem das suas liberdades as quais foram-lhes concedidas ou por Deus ou pela natureza” (Sobre o poder, cap. 4, trad. Souza, p. 179). “Não só os direitos dos imperadores, dos reis e de outros devem ser excetuados do poder concedido a Pedro e a seus sucessores por aquelas palavras de Cristo: ‘Tudo o que ligares’, mas também as liberdades concedidas aos mortais por Deus e pela natureza [...]” (Brevilóquio, livro II, cap. 17, trad. De Boni, pp. 76-77).

40 “[...] esta plenitude [do poder], da qual alguns afirmam que o papa a recebeu de Cristo de tal modo que pode, por direito, tanto no temporal como no espiritual, tudo que não repugna ao direito natural ou à lei divina [...]” (Brevilóquio, livro II, cap. 1, trad. De Boni, p. 46). “[...] há uma opinião defendida por algumas pessoas, segundo a qual o papa recebeu de Cristo a plenitude do poder, tanto na esfera temporal quanto da espiritual, de modo que pode ordenar tudo o que quiser àqueles que estão subordinados à sua autoridade, desde que não haja proibições a respeito disso, nem na lei divina, nem na natural” (Pode um príncipe, cap. 1, trad. Souza, p. 81).

41 “[...] o papa não possui nas esferas temporal e espiritual um pleníssimo poder, nem tampouco aquela plenitude do poder que seus proponentes lhe atribuem, antes, algumas pessoas julgam que aquela opinião é herética e perigosíssima a toda a Cristandade” (Pode um príncipe, cap. 2, trad. Souza, p. 83). “Aflijo-me com não menor angústia porque não procurais inquirir quão contrário à honra divina é este principado tirânico usurpado de vós iniquamente, embora seja tão perigoso à fé católica, tão oposto aos direitos e liberdades que Deus e a natureza vos concederam” (Brevilóquio, prólogo, trad. De Boni, p. 27).

42 Algumas expressões usadas pelo Venerabilis Inceptor: “lei da perfeita liberdade” (Consulta, trad. cit., p. 150, Sobre o poder, cap. 9 e Terceira Parte do Diálogo, tratado I, livro 1, cap. 5), “liberdade da religião evangélica” (Sobre o poder, cap. 3), “liberdade da lei evangélica” (Sobre o poder, capítulos 1 e 5, Consulta, trad. cit., p. 161, Pode um príncipe, cap. 2 e Brevilóquio, livro II, capítulos 3 e 17), “a lei evangélica é uma lei de liberdade” (Oito questões, questão I, cap. 6 e Terceira Parte do Diálogo, tratado I, livro 1, cap. 5), “a lei cristã é uma lei de liberdade” (Contra Benedito, livro VI, cap. 4, Pode um príncipe, cap. 2 e Terceira Parte do Diálogo, tratado I, livro 1, capítulos 5 e 6) e “a lei evangélica é a ‘lei perfeita da liberdade’” (Sobre o poder, capítulos 3 e 11 e Pode um príncipe, cap. 2).

43 Sobre o poder, cap. 3, trad. Souza, p. 177. “Esta asserção [de que o papa possui a plenitude do poder] não só é falsa e perigosa para a comunidade dos fiéis, mas considero-a também herética. Em primeiro lugar, mostrarei que é herética, porque contradiz manifestamente as Escrituras Divinas. A lei evangélica não é de maior, mas de menor servidão se comparada com a mosaica, e por isso é chamada por Tiago [Tiago 1, 25] de lei da liberdade. [...] Contudo, a lei de Cristo seria uma servidão de todo horrorosa, e muito maior que a da lei antiga, se o papa, por preceito e ordenação de Cristo, tivesse tal plenitude de poder que lhe fosse permitido por direito, tanto no temporal como no espiritual, sem exceção, tudo o que não se opõe à lei divina e ao direito natural” (Brevilóquio, livro II, cap. 3, trad. De Boni, pp. 47-48).

44 Essas são as perícopes recorrentemente arroladas por Ockham: “[...] quem se concentra numa lei perfeita, a lei da liberdade, e nela continua firme, não como ouvinte distraído, mas praticando o que ela manda, esse encontrará a felicidade no que faz” (Tiago 1, 25). “Nem Tito, meu companheiro, que é grego, foi obrigado a circuncidar-se. Nem mesmo por causa dos falsos irmãos, os intrusos que se infiltraram para espionar a liberdade que temos em Jesus Cristo, a fim de nos tornar escravos” (Gálatas 2, 3-4). “[...] irmãos, nós não somos filhos da escrava, mas da mulher livre. Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres. Portanto, sejam firmes e não se submetam de novo ao jugo da escravidão” (Gálatas 4, 31-5, 1). “Irmãos, vocês foram chamados para serem livres. Que essa liberdade, porém, não se torne desculpa para vocês viverem satisfazendo os instintos egoístas. Pelo contrário, disponham-se a serviço uns dos outros através do amor” (Gálatas 5, 13). “[...] onde se acha o Espírito do Senhor aí existe a liberdade” (2 Coríntios 3, 17). Conferir também Atos dos Apóstolos, capítulo 15, onde se narra o conflito ocorrido entre os apóstolos durante o Concílio de Jerusalém a respeito da necessidade da circuncisão.

45 Consulta, trad. Souza, p. 150. Conferir Mateus 11, 30: “O meu jugo é suave e o meu ônus é leve”.

46 Pode um príncipe, cap. 2, trad. Souza, p. 85. “[...] na verdade, a lei cristã estabelecida por Cristo é uma lei de liberdade, de maneira que, graças à determinação de Cristo, nela não há igual ou maior servidão como existiu na antiga lei. [...] a misericórdia de Deus quis que a religião cristã fosse mais livre quanto aos ônus, ainda que de per si não se tratasse de coisas ilícitas, em relação aos que havia sob a antiga lei, e, por conseguinte, a lei evangélica não apenas é designada por lei de liberdade, porque liberta os cristãos da servidão do pecado e da lei mosaica, mas também, porque os cristãos, graças à mesma, não são oprimidos por maior ou igual servidão como aquela que havia na antiga lei” (idem, ibidem, pp. 83-85).

47 Sobre o poder, cap. 11, trad. Souza, p. 195.

48 Cito somente as obras de maior pertinência: LAGARDE, 1962, pp. 84-89; McGRADE, 1974, pp. 140-149; LEFF, 1975, pp. 614-643; DAMIATA, 1979, pp. 389-392; ESTÊVÃO, 1995; MIETHKE, 1996; DE BONI, 2003, pp. 304-309; PEÑA EGUREN, 2005, pp. 41-90 e pp. 416-431; SHOGIMEN, 2007, pp. 170-175 e pp. 232-262; BAYONA AZNAR, 2009, pp. 329-336; VASCONCELLOS, 2011 e SOUZA, 2016, pp. 219-226.

49 Trabalhos apresentados em eventos acadêmicos e que não tenham sido publicados nos respectivos anais (ou cujos anais estejam indisponíveis), somente os referencio nas notas de rodapé.

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