O absurdo da vida contemporânea: a (ir)racionalidade do discurso

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Imagem do filme O Eclipse, de Michelangelo Antonioni, 1962.


Dra. Talita Cristina Garcia[1]
Daniel Sousa Bergamim[2]
Elias Oliveira da Silva[3]

RESUMO

O homem contemporâneo, mediante a complexa vivência em uma sociedade líquida, encontra-se sem um horizonte futuro significativo, sem essência e sem um absoluto, tornando-se assim unicamente responsável pela construção de sua identidade. Ao analisarmos as possíveis falhas relacionadas as motivações existenciais do homem, presente no discurso contemporâneo, vemos que, ao mesmo tempo que este possui tudo, não tem nada e com isso evidencia-se a ausência ou incoerência de sentido no discurso idealizado pelo mercado de consumo. Então, é por meio da análise do discurso, que proporciona uma assimilação entre o interlocutor e o assunto tratado manifestada pela linguagem, que permitirá um desvelar na compreensão do discurso (ir)racional, diante ao discurso absurdo da vida. Para isso, utilizamos de uma pesquisa bibliográfica para a abordagem dos conceitos, e também a realização da análise do discurso acerca da questão da “igualdade perante a lei”, que em muitos momentos, ao decorrer da história, vê-se marcada por um delineamento ideológico. E assim, ao questionar filosoficamente tal discurso que se apresenta ora racional ora propositalmente irracional, percebe-se a ideologia como fundamento que age por detrás do movimento discursivo, podendo ser de forma manipuladora ou mesmo uma possibilidade de ressignificação.

Palavras-chave: Homem contemporâneo. Linguagem. Igualdade. Discurso irracional. Ideologia.


ABSTRACT

Contemporary man, through the complex experience in a liquid society, finds himself without a significant future horizon, without essence and without na absolute, thus becoming solely responsible for the constructions of man, presente in contemporary discourse, we see that, while he has everything, he has nothing and with this the absence or inconsistency of meaning in the discource idealized by the consumer Market is evidente. So, it’s throught the analysis of the discourse, wich provides na assimilation between the interlocutor and the treated subject manifested by language, which will allow na unveiling in the understanding of the (ir) rational discource, in the face of the absurd discource of life. For that, we used a bibliographic research to approach the concepts, and also the discource analysis about the questionon for “equality before the law”, which in many moments, throughout history, is marked by outline ideological. And so, when prilosophically questioning such a discource that is presented at times rational at times intentionally irrational, one perceives ideology as the foundation that acts behind the discursive movement, which can be manipulative or even a possibility of reframing.
Keywords: Contemporary man. Language. Equality. Irracional speech. Ideology.

1    INTRODUÇÃO
Pensar a modernidade a partir de sua origem é um tanto quanto complexo, pois ao longo dos anos, com o advento de grandes revoluções, como a industrial e a francesa, permitiram um ritmo incessante de mudanças e transformações nas suas bases. Essa modernidade identificada anteriormente por bases sólidas, “como as lealdades tradicionais, os direitos costumeiros e as obrigações que atavam os pés e mãos, impediam os movimentos e restringiam iniciativas” (BAUMAN, 2001, p. 10). Conservava assim marcas que mantinham a compreensão de uma densa ordem, que definia toda uma lógica social por princípios religiosos, organização do trabalho, família, entre outros.
Com o decorrer do tempo essas transformações trouxeram novas perspectivas de organização social e ocasionaram numa ruptura da modernidade sólida, como se o que fosse duradouro já não permitisse mais a satisfação humana. Sendo assim, numa sociedade contemporânea as relações tornam-se provisórias e a mudança em busca do novo é capaz de gerar angústias e incertezas como princípio para o individualismo e o consumismo.
O Sociólogo Zygmunt Bauman concentra seu pensamento na teoria da liquefação da modernidade. Em seu livro “Modernidade Líquida” ele apresenta de forma clara essa transição e destaca que,
“Fluidez” é a qualidade de líquidos e gases. [...] Os líquidos, diferentemente dos sólidos, não mantêm sua forma com facilidade. [...] os fluidos se movem facilmente. Eles “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”, “vazam”, “inundam” [...] Essas são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez” como metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase [...] na história da modernidade. (BAUMAN, 2001, p. 7 - 9)
Toda modernidade se especializou em derreter os sólidos. Sólidos estes que, segundo Bauman (2001), conservam em sua forma estagnada a sociedade e suas organizações, com seus ideais formados e já pré-estabelecidos, mas impossibilitavam a mudança. Era como viver sobre a tutela de uma armadura fixa, mantida pelas tradições, crenças, costumes e culturas, capazes de dar base e sustento para esse engessamento, o que tornava “pesado” e inerte a mudança. Eram esses sólidos que regiam toda a constituição das sociedades concretas.
Logo, torna-se de grande relevância a necessidade de uma análise frente aos discursos presentes na modernidade líquida. De maneira que, trazem intrinsicamente influências ideológicas, nas quais corroboram com a construção da identidade do “homem líquido”, mas que influenciam de modo direto a sua vida, como por exemplo pela “cultura do descartável” e o consumismo, utilizados pelos poderosos em prol de satisfação pessoal e dominação da sociedade. Por isso, a análise do discurso demonstra as falhas surgidas, presenciadas no decorrer da história, acerca da questão da isonomia, por exemplo. Bem como os aspectos que sustentaram e sustentam a luta pelo poder e perda da noção de igualdade entre os homens.
Este trabalho tratou-se de uma pesquisa de caráter bibliográfico, sendo fundamentado nos mais variados exemplos e materiais disponíveis elencando as diversas perspectivas filosóficas no decorrer da história do pensamento. Cientes das diferenças entre os autores e escolas, levou-se em conta, de forma intencional, os seus pontos de confluências, que sustentam o nosso questionar filosófico em relação a situação absurda que o homem contemporâneo se encontra, em decorrência dos discursos irracionais que ocasionam uma dominação e perda da dignidade enquanto pessoa e da garantia de seus direitos.

2    CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

O espírito moderno pairava pelo tempo, tempo este que era suprimido pelos sólidos. Bauman (2001), utiliza da frase Tudo que é sólido desmancha no ar”, cunhada por Friedrich Engels e Karl Marx, na obra O Manifesto Comunista, referindo-se a presença de um “espírito moderno” e autoconfiante que permitia a sociedade que era considerada imóvel, mudar ou moldar-se. Bauman ressalta que “se o “espírito” era “moderno” ele o era na medida em que estava determinado, que a realidade deveria ser emancipada da “mão morta” de sua própria história” (BAUMAN, 2001, p. 9). E esta emancipação se dava por meio da quebra da “armadura sólida organizadora”, dever-se-ia então derreter todos esses sólidos, tudo aquilo que impedisse o seu fluxo.
O fato de tornar a modernidade líquida possibilitaria uma fluidez nos aspectos que regiam a sociedade e com seu derretimento permitiria solidificar novos sólidos mais duradouros,
Lembremos, no entanto, que tudo isso seria feito não para acabar de uma vez por todas com os sólidos e construir um admirável mundo novo, livre deles para sempre, mas para limpar a área para novos e aperfeiçoados sólidos. (BAUMAN, 2001, p. 10)
Sendo assim, a modernidade fluida implicou na condição humana formular uma nova compreensão das relações sociais em que se liberta das obrigações éticas, culturais e políticas. “[...] Essa forma de “derreter os sólidos” deixava toda a complexa rede de relações sociais no ar - nua, desprotegida, desarmada e exposta [...]” (BAUMAN, 2001, p. 10). Ou seja, essa libertação ocasionou numa individualização que leva a responsabilidade e a liberdade caírem como um peso sobre os ombros do indivíduo.
Contudo, o que se esperava chegar a sólidos mais duradouros tornou-se na verdade uma decepção para os modernos, pois a instabilidade do fluido só o fez ficar mais fluido. Toda a estrutura política, social, econômica e cultural foi afetada, o que fez com que a condição humana sofresse com essas mudanças, tornando-se “exposta a forças que não controla e não espera, nem pretende recapturar e dominar” (BAUMAN, 2007, p. 81). A transição trouxe consigo a insegurança do presente e a incerteza do futuro, que produzem e alimentam o medo da liberdade.
A característica própria de continuar a derreter os sólidos leva a sociedade contemporânea a um estado irresoluto, apresentado nas crises da democracia representativa, no mercado de trabalho, etc. Surgem assim, novas representações sociais tais como a individualização, globalização, avanço das tecnologias comunicativas. Desse modo, tais aspectos induzem a relações obsoletas.
A velocidade das mudanças e as relações efêmeras caracterizam bem a modernidade líquida de Bauman. Essas transformações podem ser percebidas nos paradigmas que enfraqueceram as instituições, por exemplo, a família que se concebia de forma clássica e na atualidade se apresenta em vários formatos, o trabalhador que tinha estabilidade empregatícia, agora não passa de uma mercadoria do capital, as políticas utópicas que buscavam um horizonte, como a vontade geral de Rousseau, o socialismo de Marx, o anarquismo de Proudhon, hoje buscam meios de satisfação para os seus próprios interesses.
Em consonância com este fato, novos modelos de instituições ressurgem com uma nova compreensão, uma vez que o tempo atual é regido com base na sua cultura imediatista, age separadamente do espaço e das práticas da vida, “e assim podem ser teorizados como categorias distintas e mutuamente independentes da estratégia e da ação” (BAUMAN, 2001, p. 16).
O homem diante desta transição, ao indagar-se sofre as questões fundamentais da vida, se encontra perdido entre diversas realidades. Pois os amplos acontecimentos no último século, que se caracterizaram por várias vezes caóticos, sobretudo em decorrência das grandes guerras, atos terroristas, as tragédias tanto naturais como causais, acabam por levar o homem a desistir de sua existência, sem esperança de um futuro, trazendo consequências avassaladoras à vida humana.
Desse modo, o homem, ao mesmo tempo que possui tudo, não tem “nada”. Devido ao próprio desenvolver do discurso filosófico que tomou uma roupagem existencialista, em que não se tem mais um ponto referencial de quem é, encontrando-se sem uma essência, ausente também de um horizonte significativo, no qual parte de uma visão imediatista, e sem um absoluto, interpretado como uma inteligência ordenadora, tudo se torna muito relativo.
Além disso, em uma sociedade utilitarista, como é descrita no raciocínio de Bentham (1984), cujos seres humanos, na busca de uma determinação do seu agir, são motivados unicamente por obter o prazer e evitar a dor, expressa como reflexo o consumismo que permeia a nossa sociedade diante o imediatismo das mídias sociais.
O homem, na tentativa de se satisfazer, em muitos dos casos acaba por encontrar falhas que levam a falência do viver, tais como: uma busca exacerbada pelo prazer sobretudo relacionada a questões midiáticas, por aceitação social acaba tornando-se vítima de uma ditadura da beleza, corrupção do homem, dependências químicas, entre outros, que geram consequências marcantes as quais podem resultar na depressão, síndrome do pânico, chegando até o suicídio. Nesta perspectiva cabe questionarmos: quem é o homem moderno-contemporâneo?

3    O HOMEM E SUA MANIFESTAÇÃO NA LINGUAGEM

Embora seja de grande importância alcançar uma resposta a questão: “Quem é o homem moderno-contemporâneo?”, temos consciência de que encontrar uma resposta é uma tarefa complexa. Contudo, a respeito do ímpeto pela busca dessa resposta, diversas discussões surgiram ao longo do tempo nas quais ainda inspiram debates. Pois, como aborda Mondin (1980), não podemos ser indiferentes ou superficiais acerca deste assunto, visto que, nossa vida no âmbito individual e no social, assim como as relações com o outro e o mundo, depende dessa solução.
Desse modo, o filósofo existencialista Martin Heidegger, ao refletir também sobre a complexidade do problema do homem notou que,
nenhuma época teve noções tão variadas e numerosas sobre o homem como a atual. Nenhuma época conseguiu, como a nossa, apresentar o seu conhecimento acerca do homem de um modo tão eficaz e fascinante, nem comunicá-lo de um modo tão fácil e rápido. Mas também é verdade que nenhuma época soube menos que a nossa o que é o homem. Nunca o homem assumiu um aspecto tão problemático como atualmente” (HEIDEGGER apud MONDIN, 1980, p. 8).
Logo, a necessidade de reiterar-se a respeito da situação do homem, é uma questão de urgência. Pois, não podemos evitar e nem contorná-la, tendo em vista que esta toca diretamente a nós mesmos, o nosso ser. Por conseguinte, não podemos responder de fato a problemática do homem, entretanto, é dever nosso progredir com o estudo que cabe analisar o homem a partir de suas manifestações mais significativas.
No que tange essas manifestações, encontra-se a linguagem, na qual, “[...] se distingue de modo nítido o homem dos animais, põe em evidência a sua superioridade intelectual, dá-lhe a possibilidade de viver um tipo mais perfeito de sociabilidade [...]” (MONDIN, 1980, p. 151), que permite elaborar técnicas e transformar a natureza de acordo com sua vontade, algo que de fato é desconhecido pelos demais animais. A linguagem por fim, pode ser considerada como um mecanismo que utilizamos para transmitir a outras pessoas conhecimentos, valores e ideias.
A questão da linguagem e do discurso sempre fez parte das discussões históricas e filosóficas ao longo do tempo. “Por esse tipo de estudo se pode conhecer melhor aquilo que faz do homem um ser especial com sua capacidade de significar e significar-se” (ORLANDI, 1999, p.15). A partir desta capacidade, afirmou Tomás de Aquino (2001, p. 911) ser este o modo para “manifestar aos outros o que está oculto na mente”. Ivanildo Santos (2013, p. 143) esclarece que para o aquinate a linguagem é
o veículo pelo qual o ser humano exterioriza o conhecimento intelectual. E essa exteriorização é feita por meio de sinais sensíveis, falados e escritos, ou seja, por todo o conjunto da linguagem. Para ele, a linguagem é a grande ferramenta humana para simultaneamente se comunicar e transformar o mundo exterior a mente humana. Se não houvesse a linguagem o ser humano estaria limitado à dimensão interna do intelecto e, com isso, não haveria comunicação entre os indivíduos, com a sociedade e com o mundo físico.
Também nesse mesmo viés, Henrique Lima Vaz trata sobre a problemática da linguagem “[...] em torno do tema da significabilidade, ou seja, da linguagem como elemento constitutivo do pensamento que é, essencialmente, simbólico ou simbolizante” (1991, p. 215), sendo assim, é passível concluir que os critérios da linguagem enquanto sintaxe, semântica e pragmática é responsável por dá sentido e significado às coisas e permitir que haja a comunicação com o meio. Por isso, Lima Vaz continua sua reflexão, ao afirmar que “finalmente, considera-se a linguagem como interpretação, enquanto nela e por ela se dá a hermenêutica da realidade e a sua transposição em universo simbólico” (1991, p. 215).
Comunicação e transformação. Duas questões apresentadas por Tomás e que foram retomadas pelos intelectuais modernos e contemporâneos. Levando em consideração estes pontos, Gadamer (1997, p. 560) estabeleceu a linguagem como “o meio em que se realiza o acordo dos interlocutores e o entendimento sobre a coisa”. Ele apresentou a linguagem na relação do interlocutor e o assunto tratado. E, é desta relação, segundo Eni Orlandi (1999), que surge o discurso. Ela afirma que a palavra discurso tem em si a ideia de movimento, de percurso e que coloca a linguagem em prática, sendo o que “torna possível tanto a permanência e a continuidade quanto o deslocamento e a transformação do homem e da realidade em que ele vive” (ORLANDI, 1999, p. 15).
O homem apenas pode fazer parte e transformar sua realidade por ser social em sua essência e por também ser produto dessas relações sociais. Conforme afirma Mirian dos Santos (2008, p. 75), “o homem aprende a ver o mundo pela linguagem que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esses discursos em sua linguagem”. Assim, a linguagem oferece ao homem um caminho para a significação sendo por meio dela que ele vai construir e manifestar o seu ser.
Portanto, a partir desta forma de significação, enquanto linguagem, surge a análise de discurso com o intuito de compreender os diferentes discursos produzidos e reproduzidos pelo homem, visto que “a análise de discurso concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a realidade natural e social” (ORLANDI, 1999, p. 15).

3.1  Linguagem em (Dis)curso

O discurso manifestado no decorrer da história e especificado na relação entre o interlocutor e o assunto retrata que “[...] a linguagem tem sua materialidade, tem seu funcionamento baseado na relação estrutura/acontecimento” (ORLANDI, 2007, p. 295). Logo, a própria linguagem por meio desta relação sofreu mudanças em seu sentido devido aos deslizamentos metafóricos. “É a metáfora a responsável pelos deslizamentos dos sentidos, pela deriva, pela transferência” (ORLANDI, 2007, p. 297), ou seja, a linguagem enquanto movimento possibilitou também ao homem se desenvolver e transformar de acordo com o contexto em que se encontrava.
Deste modo, vemos que “[...] um discurso nunca começa nele mesmo. Já há sentidos que sustentam os sentidos que se constituem nele” (ORLANDI, 2007, p. 304), este possui um percurso na história e nem sempre alcançamos sua real significação, pois, ao utilizarmos um determinado conceito em nossa época o compreendemos de maneira periférica, e não vislumbramos o que está implícito, com todo seu emaranhado de significações antecedentes que possibilitaram a construção do sentido, no qual pode-se perceber tais deslizamentos metafóricos.
Com isso, Orlandi apresenta a análise do discurso com o procedimento primordial da tarefa de compreensão propriamente do que é dito e não dito em um discurso, “levando o analista a compreendê-lo pela observação dos processos e mecanismos de constituição de sentidos e sujeitos, lançando mão da paráfrase e da metáfora como elementos que permitem um certo grau de operacionalização dos conceitos” (1999, p. 77). Por conseguinte, a análise se faz por etapas que nos permite permear de um texto à precisamente ao discurso.
Em uma primeira etapa, apresentar-se-á o texto pela discursividade que servirá como o ponto para a análise, desnaturalizando assim a forma que está estabelecida entre palavra-coisa, questionando se o que foi dito, só poderia ser feito de um modo. Na segunda etapa, a partir do objeto discursivo, analisa-se as distintas formações discursivas que ganham significado na relação com a história. Assim sendo, na próxima etapa observa-se por meio desta relação que o interdiscurso gerado por tais formações adquire a interpretação de sua formação ideológica que está implícito em movimento discursivo (ORLANDI, 1999). Para tal, apresentaremos a seguir a análise acerca da formação discursiva no que diz respeito a igualdade, a fim de discutir a (ir)racionalidade presente no discurso do homem contemporâneo.
O princípio da igualdade inspirou diversas constituições, e sobretudo transpassa a nossa Constituição Federal de 1988, abordada com maior relevância e importância no artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]” (p. 15, grifo nosso). Nota-se que essa igualdade assegura formalmente a todas as pessoas serem tratadas de maneira igualitária nas condições previstas em lei.
O artigo 5º estabelece o termo de igualdade perante a lei com o princípio também conhecido como isonomia (ísos – igual, nómos - lei), conceito fundamental que organiza a sociedade. Todas as pessoas, independentemente de qualquer diferença, devem ser tratadas igualmente sem distinção, seja ela de cor, raça, religião, convicção política, etc.. No entanto, vislumbrar tal afirmativa tão bela na teoria, deixa-nos instigados a questionarmos se de fato isto ocorre ao nosso redor e assim nos perguntamos: todos realmente são tratados igualmente perante a lei? Será que essa é a única forma de se dizer isto? Com essa discussão acerca da igualdade pode-se pensar também como ela se apresentou ao longo da história.
A evolução a respeito da perspectiva da igualdade se deu com a premissa inicial:
A partir de uma primeira ideia de que a desigualdade era uma característica natural entre os seres humanos – desigualdade natural e, posteriormente, em um entendimento de que a desigualdade não era algo natural, a ponto de iniciar a afirmação de que todos os humanos são iguais por natureza (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014).
Desse modo, o homem enquanto ser social é identificado por meio de sua participação na pólis, na qual era definida através da natureza humana. Atribui-se à Platão por primeiro, uma definição desta importância acerca da noção de igualdade, partindo de um princípio antagônico, acreditava que o papel social do cidadão, era desenvolvido com “a crença de que uns haviam nascido para comandar (virtude/conhecimento) e outros para obedecer (vício/ignorância) [...]” (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014).
Posteriormente, Aristóteles atribui a noção de igualdade como cumprimento de sua virtude por excelência, a justiça. Segundo Machado e Sparemberger (2014),
Justo é o que assim é estabelecido pelas leis e costumes do Estado, por ato de autoridade ou em virtude de conveniência ou convenção [...], tendo em vista a auto-suficiência, homens que são livres e iguais, quer aritmeticamente, quer proporcionalmente [...]. Assim, Aristóteles concebeu, previamente, como justo o homem que respeita as leis, a ação realiza em conformidade com a lei e as próprias leis (humanas), porquanto estas estão em conformidade com as leis superiores - naturais ou divinas.
Entretanto a visão da igualdade no sentido aristotélico se encontra em um campo aritmético e proporcional, em que aceita tal visão com base na igualdade que discrimina, que consiste em “dar a cada um o que é seu, tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, significa aceitar as desigualdades co-naturais à idéia de homem” (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014).
Em contrapartida a essa desigualdade natural, surgem os pensadores estóicos e cristãos que contribuíram com argumentos contrários. “Entendiam os estóicos que não havia igualdade mais real do que a igualdade entre os humanos no estado de natureza, afinal, todos têm a mesma origem e o mesmo princípio” (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014). Neste mesmo sentido os cristãos, com base na Sagrada Escritura, afirmam ser as pessoas criadas imagem e semelhança de Deus, que destarte revela ser esta a origem e princípio natural dos indivíduos.
Tal igualdade na perspectiva cristã não era de fato praticada, já que, a própria Igreja no decorrer da história permitiu durante séculos o sistema escravocrata, as desigualdades entre homem e mulher, bem como, entre os diversos povos, motivada assim pela busca do poder econômico e político (BITTAR; ALMEIDA, 2010).
No entanto, em um novo momento, com o avanço do pensar e a quebra com a tradição, surge no pensamento moderno, com destaque aos jusnaturalistas, a igualdade natural entre os homens. Com Hobbes, essa noção de igualdade está implícita no homem em seu estado de natureza, contudo, neste mesmo estado, “eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens” (HOBBES, 1974, p. 79), visto que, segundo o pensador “o homem é o lobo do homem”. Sendo assim, levado a aceitação do contrato social que legitima a desigualdade, de acordo com Bittar e Almeida (2010), seria o preço a ser pago pelo homem na certeza do surgimento de uma conveniência pacífica.
Partindo da questão da desigualdade, surge o contratualista Jean-Jacques Rousseau, que busca estabelecer uma igualdade jurídica, que parte do pressuposto de que a sociedade entendida amplamente é possuidora de desigualdades naturais que compõem tanto questões físicas, relacionada a diferença de habilidades, força e bem, como relacionada ao gênero:
Ao contrário de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, por uma igualdade moral e legítima o que a natureza pode ter criado de desigualdade física; podendo ser desiguais em força ou em gênero, eles se tornam todos iguais por convenção e por direito (ROUSSEAU, 2007, p. 41).
Nota-se também que no estado natural do homem (primitivo), estes viviam em bandos e agiam somente por necessidade a tal ponto que após a caçada, a procriação, segurança, etc., eles se isolavam, o que levava a uma certa harmonia. Entretanto, muda-se o cenário ao se ter uma nova necessidade, na qual, ao cercar uma determinada área e afirmar que esta é sua, têm-se a propriedade privada que no entender do filósofo é geradora de acúmulo de bens, a supremacia de um sobre o outro e com isso uma busca por poder. E assim no intuito de impedir as desigualdades provindas da propriedade privada é proposto por Rousseau o contrato social (ROUSSEAU, 2007).
No entanto, é por meio da participação no contrato social que o homem abre mão de sua liberdade natural em troca de uma vivência em sociedade, de acordo com a liberdade civil, buscando assim, a liberdade e a igualdade entre as pessoas a partir da vontade geral. Porém, como afirma Machado e Sparemberger, essa igualdade civil “[...] ainda mantém-se sob o manto da formalidade, pois analisa o ser humano apenas como pessoa, por suas características, seus direitos e deveres, porém, não analisa o contexto no qual está inserido” (2014).
Com o passar do tempo, a sociedade reformulou tal concepção. A revolução francesa através de lutas em prol da participação de “todos” nas decisões políticas, pela derrubada do governo absolutista e com a presente participação do pensamento iluminista influenciaram e ainda influenciam diversas cartas magnas com seus pilares de liberdade, igualdade e fraternidade no intuito da democratização da estrutura social permitindo maior independência política e econômica (BURKE, 1982).
Ou seja, foi uma revolução desenvolvida por discursos ideológicos belíssimos e que num determinado contexto conseguiu movimentar uma grande massa pela promessa de uma maior liberdade e felicidade. Nota-se que apesar dos discursos desenvolvidos, na prática serviram para alcançar como resultado a satisfação dos interesses da classe burguesa, em que na luta pelo poder, os ideais de liberdade, igualdade, fraternidade foram disseminados não para usufruto de todos, e sim para uma determinada classe (a burguesa). Até o ponto de se chegar a fase mais violenta da revolução, conhecida como a Era do Terror e também na ascensão de um dos grandes imperadores da história, Napoleão Bonaparte (BURKE, 1982).
Em consonância, a supremacia burguesa tendo agora o poder político e econômico, se chega a Revolução Industrial na qual a problemática da igualdade toma um rumo cada vez mais degradante, “[...] as desigualdades estão cada vez mais latentes e a igualdade civil de Rousseau não responde mais os anseios da sociedade” (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014). Sendo assim, o capitalismo e a ética utilitarista com enfoque ao individualismo compõem “[...] uma nova forma de organização em sociedade, principalmente, em relação aos meios de produção” (MACHADO; SPAREMBERGER, 2014). Partindo deste contexto, o pensador Karl Marx explicita sua crítica a esse sistema supracitado.
Marx (REALLE, 1991) ao analisar as relações sociais, nota que o princípio ordenador da estrutura da sociedade é estabelecido pelos meios de modo de produção. Isto é, as classes sociais com seu aspecto de dominador e de dominado (senhor e escravo) são causadoras das desigualdades, pelo reflexo da apropriação do trabalho do proletariado pela burguesia. Com isso propõe a erradicação da desigualdade material como necessária para se ter a igualdade efetiva, logo, a eliminação das classes neste sentido. Segundo Marx e Engels,
Se o proletariado, em sua luta contra a burguesia, se organiza forçosamente em classe, se por meio de uma revolução se converte em classe dominante e como classe dominante destrói violentamente as antigas relações de produção, destrói, juntamente com essas relações de produção, as condições de existência dos antagonismos entre as classes, destrói as classes em geral e, com isso, sua própria dominação como classe (1998, p. 59).
Ao afirmar isto, Marx aponta para uma ruptura do proletariado com o sistema opressor como uma possibilidade para se alcançar a igualdade, bem como um desligamento das classes com o Estado e o Direito, já que ambos possuem o poder na tomada de decisões e execução das leis, o que de acordo com ele, agem em decorrência da influência da classe dominante e não cooperam em nada com a autonomia da classe operária. Deste modo,
O Estado é a forma na qual os indivíduos da classe dominante fazem valer seus interesses comuns, na qual se condensa toda a sociedade civil de uma época, segue-se disso que todas as instituições comuns têm como mediador o Estado e adquirem, através dele, uma forma política. Percebe-se uma crítica ao direito neste texto, como sendo algo imaginário, fictício; dizendo ser uma ilusão pensar que a lei se baseia na vontade livre, separada de uma base real (MARX; ENGELS, 1993, p. 96).
Posto isso, a permanência de uma igualdade por assim dizer absoluta, só seria possível para Marx devido ao rompimento radical com o sistema capitalista e a exclusão total de suas influências. Pode-se dizer que nos dias atuais o ideal de Marx não foi consumado, pois, é visto nos fatos históricos, que a tentativa de implantar este ideal foi corrompida, como exemplo da ultimada União Soviética e o caso dos países identificados como comunistas: Cuba, China, Coreia do Norte. Em que cada um com seu modelo próprio estabelece seu comando sobre a vida econômica e a política.
Após perpassar toda a formação discursiva a respeito da igualdade na história e tratando-se de uma concepção ideológica, podemos retornar a reflexão inicial desta análise: será que realmente há um princípio isonômico em nossa realidade?
É a partir desta reflexão que chegamos ao relato de um Promotor do Estado de Alagoas ao Juiz de Direito da Comarca de Porto das Pedras. O Promotor se pronunciou a respeito de um caso, que teve como acusados três homens que roubaram o equivalente a 69 reais em cocos. Segundo ele, havia uma insignificância nas prisões. E expôs seu parecer em forma de cordel, de maneira brilhante, no qual, cabe o nosso questionamento da igualdade perante a lei (TERRA, 2009). Segue abaixo o parecer:
Sr. Julgador;
A vida é tão ingrata, e o pior quando dá muitas vezes é injusta no ato de cobrar. O processo em curso é mais um dos casos que somente se quer punir os desamparados.
A estória é bem simples que da dó até de falar, pegaram três cabras tirando coco e a recomendação da polícia era cadeia já!
[...] O pior, é o que a gente vê no meio político, nas rodas das altas autoridades, onde se mete a mão e com vontade.
Os acusados, coitados, desempregados, [...] Ficaram presos, mesmo sendo primários, e ainda tiveram que levar a fama de ladrões e homens safados.
Interessante, o que se vê é que os verdadeiros ladrões do erário, que metem a mão em mais de um milhão, são tratados de homens de bem e pessoas da mais alta distinção.
[...] Os acusados por conta dos cocos, confessaram a condição de ter metido a mão, mas eu pergunto seu Juiz, é motivo para prisão?
[...] Para corrigir uma injustiça, cabe ao defensor da lei, dizer, senhor juiz vamos então resolver, reconheça a insignificância e diga que esse fato não pode ter importância.
Agindo assim, justiça vai fazer e dessa forma, fica o desejo desse humilde promotor, que um dia coloquemos nem que seja por um dia na prisão os que metem a mão no dinheiro das nossas crias.
É o parecer (TERRA, 2009).
Podemos assim identificar que o ideal de igualdade contido por detrás do texto constitucional e que permeia toda a nossa sociedade se encontra traçado por um caráter “elástico”, através de uma ideologia e mera formalidade prega-se a verdade de que somos todos iguais perante a lei. No entanto, ao falar das questões dos direitos e deveres dos cidadãos na atualidade, levando em conta o cenário político e o momento histórico-social em que estamos, nota-se que tal igualdade que deveria valer para todos, não está a serviço realmente de todos.
Defronte à algumas situações específicas como o parecer do promotor, percebe-se que os discursos contraditórios são determinados por interesses pessoais, pelo papel social que cada indivíduo exerce na sociedade, pelo poder aquisitivo, no qual, quanto maior o capital mais benefícios possuirá, bem como, nas relações sociais entre as minorias como as questões de discriminação racial, gênero, intolerância religiosa, entre outros. Sendo assim, o que é dito na teoria a respeito dos direitos vê-se um efeito metafórico que apresenta o não dito na prática social.
Segundo Antonio Ferreira, “nesse sentido é que ganha relevo o estudo da Ideologia, que se manifesta no Discurso produzindo a “realidade” de acordo com os interesses de quem detêm o poder na sociedade” (2012, p. 11). Destarte, a formação ideológica tem como princípio a relação entre a constituição do sujeito e à produção de sentidos, sendo esta a forma de compreensão da realidade influenciada por diversos interesses. É preciso assim atentar-se ao discurso no intuito de ver aquilo que com o passar da história, através do simbólico acabou por se naturalizar, necessitando assim da interpretação para se ter sentido, afirmando a presença da ideologia (ORLANDI, 1999).
Termo no qual traz uma pluralidade de significados em nossos tempos, posto isso é preciso verificar o que se entende por ideologia, palavra atribuída ao pensador Destutt de Tracy do século XIX (FERREIRA, 2012). Com inicial significação referente a ciência das ideias, em que abrangia um emaranhado de ideias, opiniões e pensamentos sobre um determinado assunto. Contudo, mesmo com sua rede de significados nos atentaremos não em destrinchar o termo ideologia em seu decurso histórico, mas sim em apresentar sua influência pertinente nos discursos atuais, a saber:
o de mascaramento da realidade. De forma geral, trata-se de um instrumento de dominação que prescinde da força física, mascarando a realidade, não mostrando como os objetos são de fato; em outras palavras, [...] fazendo com que essa forma de conhecimento se transforme em verdade absoluta, especialmente no tocante à manutenção do status quo frente às massas dominadas (FERREIRA, 2012, p. 15).
A produção de sentidos elaborados através do aspecto ideológico traz em si no dizer, significações implícitas que tem relação com o “não-dito”, sendo este, o que aparece de forma complementar ao longo do dizer. Retomando a questão acerca da igualdade, o dito: “Todos são iguais perante a lei”, abarca um não-dito, que se refere a seu contexto, sua memória discursiva, que oferece de maneira intrínseca vertentes que não necessariamente foram abordadas na fala. O “[...] não-dito que faz os contornos do dito significativamente” (ORLANDI, 1999, p. 83), confirma a afirmação anterior: o que se afirma na teoria, nem sempre é colocado na prática, por causa destes não-dizeres.
Assim também a respeito do que é ideologia a filósofa brasileira Marilena Chauí, afirma:
[...] é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar e como devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir e como devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer [...] a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como as de classes, e de fornecer aos membros da sociedade o sentimento de identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a humanidade, a liberdade, a igualdade, a nação, ou o Estado (CHAUÍ, 2006, p. 43).
Surge assim, com base nessa perspectiva, a ideologia como um despertar do pensamento para o discurso. Com o aspecto ideológico, apresenta-se ao “homem líquido-moderno” um caminho diante à liberdade rumo a construção da sua identidade. Tratando-se desta temática o Papa Francisco aborda em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), sobre a cultura do descartável, na qual, “o ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim teve início a cultura do “descartável”, que aliás chega a ser promovida” (FRANCISCO, 2013, p. 39), com base nos discursos preenchidos por uma linguagem ideológica, voltada apenas para os interesses dos poderosos.
E é nesta influência promovida que identificamos o consumismo como lugar por excelência de uma tentativa frustrada da construção da identidade, em que o relativismo ideológico toma um rumo cada vez mais intenso e traz consigo as relações sociais ligada ao modo de produção, isto é, relaciono-me com o outro tal como me relaciono com uma mercadoria, elevando-o a uma concepção reducionista de sua identidade, capaz de torná-lo dócil politicamente e útil economicamente (FOUCAULT, 1987).
Consequentemente, Lima Vaz chama isto, em seu artigo “Ética e razão moderna”, de crise civilizacional: “a crise da civilização num futuro que já se anuncia ao nosso presente, não será uma crise do ter, mas uma crise do ser” (1995, p. 55). No qual, o homem perde todo o seu ser, absorvido por suas atividades cotidianas, em que o fato de não mais estranhar tal situação de reconhecimento do ser, é a própria decadência e seu modo impróprio de ser.
A ideologia indica o que devemos pensar, valorizar, sentir e agir, vista a princípio não como algo negativo, porém, frente ao mercado de consumo, suscita uma identidade inautêntica que ocasiona a irracionalidade nos discursos. Heidegger (2013), acerca desta noção, trabalha a vivência imprópria como o momento em que o homem deixa de agir de acordo com sua liberdade e age somente como coisa, absorvido pelo mundo que está em sua volta. De acordo com Eliana Silva, “na vida cotidiana nós não somos nós mesmos. O impessoal nos rouba nosso ser próprio” (2010, p. 88). A falta de algo consistente e duradouro possibilita ao homem um não reconhecimento de si.


4    CONSIDERAÇÃO FINAL

Ao perpassarmos toda essa reflexão, vê-se uma sociedade líquida, desde suas relações e em toda a sua composição. Levando-nos a um problema antropológico em que podemos notar a manifestação da linguagem que expressa sua significação pelo homem no movimento discursivo que pressupõe uma racionalidade. Todavia, na análise efetuada no texto da igualdade perante a lei enxerga-se como de fato é contraditório o dito diante o não-dito intrínseco as afirmativas, caindo assim na irracionalidade do sentido atribuído pelo homem.
Com esta análise, fica evidente a irracionalidade presente nos discursos atuais. Percebemos assim que em sua constituição o homem necessita de um meio para existir, que acaba por ser responsável por gerar seus atos, sua maneira de pensar e de ser. Logo, se vivemos em uma sociedade irracional, que tem como presença discursos irracionais, o homem também acaba por se tornar irracional, mesmo sendo racional por sua capacidade intelectual, e com isto torna-se um ser vazio de significação, sem um sentido e angustiado.
A ideologia por detrás das nossas relações, diálogos, debates políticos são constantemente manipuladas, pois, em nossos tempos não travamos uma guerra baseada no poderio militar, mas sim uma guerra ideológica. E nisto, vemos neste trabalho que se faz necessário atentarmos cada vez mais sobre nossa condição e tudo o que nos rodeia e assim colocar em prática a reflexão crítica.
Por fim, a partir dessa criticidade para com o absurdo da vida contemporânea, nota-se este como o momento de estudarmos cada vez mais para melhor compreender a problemática que nos rodeia e não apenas nos angustiarmos sobre a nossa realidade. O que possibilitará ao homem, pelo movimento discursivo, a se emancipar e transformar o meio ao qual está inserido, através da linguagem responsável pela ressignificação das coisas. Ou seja, mesmo imersos na liquidez, caracterizada pela efemeridade que atinge a tudo desde as relações entre as pessoas e até mesmo o tratamento como mercadorias, ainda sim somos pessoas humanas, com dignidade e fim em si mesmas na realização enquanto seres racionais e livres.

REFERÊNCIAS

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AUTORES

[1] Graduação em Filosofia pela Universidade São Judas Tadeu. Mestrado e Doutorado em História Social pela Universidade de São Paulo. Professora na Católica de Vitória Centro Universitário. E-mail: tgarcia@ucv.edu.br;
[2] Graduado em Filosofia bacharelado pelo Centro Universitário Católica de Vitória;
[3] Graduado em Filosofia bacharelado pelo Centro Universitário Católica de Vitória.

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