Otun Elebogi[1]
Maestro Esdras[2]
Otun Elebogi, Sem título |
Resumo
Este
artigo discute de forma preliminar porque o tema do afrofuturismo, ao
problematizar a existência de pessoas pretas no mundo contemporâneo e suas
possibilidades de existência através da ficção especulativa, pode servir como
breviário de uma filosofia afrodiaspórica.
Palavras-chave: Afrofuturismo; Ficção especulativa; Afrodiaspórico.
Abstract
That article discusses in a
preliminary way, why the theme of Afrofuturism, to problematize the existence
of black people in the contemporary world and their possibilities of existence
through speculative fiction, it can serve as a breviary of an aphrodiasporic
philosophy.
Keywords: Afrofuturism;
speculative fiction; aphrodiasporic.
Seria
possível criarmos um mundo no qual pudéssemos passear por ele como passeamos
livremente por nossa intimidade? Um mundo tão humanamente negro que entre ele e
nós não se abrisse esse abismo a ponto de nos sentimos estranhos em uma terra
estranha? Um mundo onde possamos transitar livremente como o fazemos entre
cômodos de nossa própria casa?
E se pudéssemos também nos mover temporalmente? Visitar
nossos ancestrais na África pré-colonial e acompanhar de perto a, ainda hoje,
enigmática criação das pirâmides, assim como conversarmos com os grandes
mestres griôs, astrônomos, altos sacerdotes, sábios de todos os lugares do
mundo?
Tudo isso sem esquecer nosso passado recente. Aquele que os
descendentes de nossos algozes não pretos fazem questão de lembrar, inclusive
através das instituições, suas estruturas hierárquicas e seus símbolos, e
designar como algo de nossa natureza. Assim eles se referem aos nossos
ancestrais recentes: os escravos.
Através da terminologia, de um jogo de palavras, isentam-se de responsabilidade
e atribuem à condição de exploração física e mental do povo preto como algo
natural. “Os escravos!” – eles dizem. “Os escravizados!” – nós dizemos. Para
lembrar a todos e todas que a condição de existência do escravo é o senhor. Que
existe um algoz! E este algoz tem uma cor. E essa cor é branca!
“Nós precisamos de imagens do amanhã, e nosso povo precisa
delas mais do que a maioria” – são palavras de Delany recitadas por Dery (2020b,
p.195). Elas ecoam com intensidade porque apontam para a construção de narrativas
pretas, que tenham a nossa face, que nos contemple e as quais também possamos
contemplar sem que isso nos doa os olhos ou nos faça sentir como estranhos em
uma terra estranha. A pergunta que se impõe diante do cenário catastrófico no
qual vivemos em que negros e negras são diuturnamente mortos através de uma
necropolítica escancarada é: como essa possibilidade se dá?
Essa demotape
afrofuturismo busca respondê-la.
Esboço
de um conceito de Afrofuturismo
Terminologia criada no início dos anos 90 do século passado
por Mark Dery, crítico cultural branco norte-americano. Ele usou esse conceito
para abarcar as criações artísticas das populações afro-americanas que visavam
futuros possíveis para a população negra através da ficção especulativa dentro do
contexto da tecnocultura do século XX. Em Black
to the future, Dery reúne entrevistas com os escritores negros: Samuel R.
Delany, Garg Tate e Tricia Rose. Na apresentação dessas entrevistas, Dery
questiona os motivos da escassez de autores pretos de ficção científica,
justamente um tema que trata do problema da relação com o outro, com o
diferente, o estranho – o tipo de problema que os negros vivem intensamente
desde o processo de colonização da África pela Europa e que se reflete na
própria construção das Américas.
Dery, ao cunhar o termo afrofuturismo, referia-se apenas à
produção afro-americana, o que nitidamente tem a ver com a sua falta de
conhecimento do que ocorria em outras localidades que passou por processos
similares ao norte-americano. Sem dúvidas, o conceito de afrofuturismo vem
sendo reelaborado e atualmente não se limita apenas à produção ficcional
afro-americana, mas a uma parcela significativa do pensamento preto africano e
diaspórico em escala global (ou, para usar um termo afrofuturista,
intergaláctica).
Artistas como Sun Ra, que tinha suas produções artísticas vistas,
muitas vezes, como algo alegórico, no cenário musical afro americano, tinha uma
potência política muito forte nos seus discursos e performances. A mensagem
passada por Sun Ra de que ele teria vindo de Saturno, ou as imagens galácticas
presentes no afrofuturismo, estão longe de significar uma metáfora, se por essa
se entender uma maneira de dar um outro sentido para além do que está sendo
dito literalmente. Elas dizem exatamente o que estão dizendo:
(...)
afro-americanos, em um sentido bastante real, são descendentes de pessoas
abduzidas por alienígenas; eles habitam um pesadelo sci-fi em que campos de
força invisíveis, mas não menos inatravessáveis, frustram seus movimentos; em
que histórias oficiais desfazem o que foi feito; em que a tecnologia é
frequentemente aplicada sobre corpos negros (marcações com ferro em brasa,
esterilização forçada, o Experimento com sífilis de Tuskegee e armas de choque
vêm rapidamente à mente (Dery, 2020, p.16)
Essa distopia, manifesta no afrofuturismo, de seres
espaciais, viagens intergalácticas, máquinas do tempo, vibrações sônicas
universais, tecnologias de ponta que determinam relações sociais, podem ser
pensadas como metáforas somente no sentido não convencional que o filósofo
Donald Davidson atribui a elas: “as metáforas significam aquilo que as
palavras, na sua interpretação mais literal, significam, e nada mais do que
isso” (Davidson, 1985, p.245). Não é à toa que Eshun, referindo-se a Sun Ra,
diz “Não é uma alegoria: ele realmente veio de Saturno” (2020, p.242).
Eshun compartilha a ideia de que o processo de escravização
pelo qual passaram homens e mulheres arrancados de África e deslocados como
mercadorias em grandes navios através do oceano Atlântico para as Américas foi
uma grande abdução alienígena – “o que significa que todos nós vivemos em uma
alien-nação” (Eshun, 2020, p.241). Ou, para ser mais preciso: “ser negro na
América é uma experiência de ficção científica” (Tate in Dery, 2020, p.49). Não seria esse processo de escravização
racial de pessoas pretas, oriundas do continente africano e a morte em massa
das mesmas um apocalipse racial?
Em suas variadas formas de expressão, o afrofuturismo está
quase sempre remetendo a essa distopia espacial e tecnológica em que o sujeito
preto aparece numa terra estranha, ou vem de uma terra estranha, seja nas artes
plásticas, na literatura ou no jazz psicodélico e experimental de Sun Ra ou
John Coltrane. O que o Grandmaster Flash faz é uma música visionária a partir
de ruídos, de um arranhão vinílico. Observe que John Coltrene busca o som do
universo, o ruído cósmico. Artistas afrofuturistas “desde sempre” já estão
imersos na ficção científica justamente porque são frutos dessa experiência de
“alien-nação”, do fantástico. Que outro povo tem a história do povo
afrodiaspórico? De corpos que foram sistematicamente reificados e de uma
memória que foi sistematicamente apagada a ponto de não sabermos de onde
viemos? Se há uma característica marcante no afrofuturismo é sua persistência
em apontar esse cenário com o qual pretos e pretas se inserem na ficção
científica como participantes e não mero espectadores.
O
salto imaginativo que nós associamos com a ficção científica, em termos de
colocar o humano em um ambiente alienígena e alienante, é um gesto que
repetidas vezes aparece no trabalho de escritores e artistas visuais negros
(Tate in Dery, 2020, p. 52).
A África para um afrodiaspórico é, na maior parte das vezes,
uma referência distante, uma “terra do nunca”. Sabe-se que de lá se veio, mas de lá
nada se sabe. A linhagem da família, a língua, a região específica, quem eram
os seus ancestrais, o que faziam – tudo é um grande vazio que foi sendo
preenchido e se expandindo paulatinamente pela imaginação branca. Tarzan!
A suspeita da narrativa branca surge no campo do visionário das artes,
como é o caso do grafite e/ou das pichações que acabam por elaborar uma versão
contemporânea dos símbolos adrika.
Na sua visita ao passado, pode-se dizer da narrativa afrofuturista
que ela procura o fio da meada perdido durante o processo de abdução. Não se
trata de um mero saudosismo, mas da história contada na sua integridade,
considerando o mundo antes da abdução. Tate, em certa medida, tem razão, quando
diz que Dery quer colocar o carro na frente dos bois ao priorizar viagens
interestrelares no afrofuturismo. O presente sinaliza tecnologias pré-abdução
que se manifestam através dos vários códigos que herdamos dos nossos
ancestrais. Uma herança trazida nos corpos e mentes que não foi possível para
os brancos arrancarem, embora o quisessem. A busca não é ingênua ou acidental,
ela é deliberada, já que os corpos pretos são sempre confrontados por um mundo
alienígena.
A seguir apresentaremos uma música e um relato bastante
instrutivos desse movimento do afrofuturismo diaspórico global rumo a uma
narrativa do passado pré-abdução. Trata-se da música Alapalá, do músico
multi-instrumentista Gilberto Gil, 1977; e da pesquisa e descoberta feita por
Mestre Didi, sacerdote, artista plástico e escritor, sobre as origens de sua
família na África (1967).
Comecemos por Gilberto Gil e esse clássico da MPB (Música
Preta Brasileira):
O filho perguntou pro pai
"Onde é que 'tá o meu avô
O meu avô, onde é que 'tá?"
"Onde é que 'tá o meu avô
O meu avô, onde é que 'tá?"
O pai perguntou pro avô
"Onde é que 'tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?"
"Onde é que 'tá meu bisavô
Meu bisavô, onde é que tá?"
Avô perguntou "ô bisavô
Onde é que 'tá tataravô
Tataravô, onde é que 'tá?"
Onde é que 'tá tataravô
Tataravô, onde é que 'tá?"
Tataravô, bisavô, avô
Pai Xangô, Aganju
Viva Egum, babá Alapalá
Pai Xangô, Aganju
Viva Egum, babá Alapalá
A busca pelas origens passa pelos antepassados vivos, mais
próximos, até aqueles distantes em tempo e espaço, quando são cultuados já como
ancestrais e/ou deuses fundadores de uma linhagem. Acontece que essa busca é
também a-histórica (não se dá apenas na ciência histórica), ela ocorre com uma
tecnologia própria, que foi legada pelos próprios ancestrais, de evocação e
consulta aos que já se foram. Nesse sentido, a história enquanto ciência não é
a questão.
Um negro baiano em Ketu é
como Deoscoredes Maximiliano dos Santos, mais conhecido como Mestre Didi,
nomeia o relato de quando esteve em Ketu (1964) para pesquisar as origens de
sua família. Tenhamos em conta que ele foi um Alapin, supremo sacerdote do culto aos ancestrais no Brasil.
Mestre Didi sempre ouviu de sua mãe, Mãe Senhora, uma das
mais importantes Iyarorixá do Brasil, que eles eram descendentes da realeza de
Ketu e que seus ancestrais haviam sido escravizados e trazidos para o Brasil.
Muitos dos mais velhos confirmavam essa história para ele. Porém, Mestre Didi
acreditava que se tratava de uma estratégia a fim de promover e preservar a
religião e a tradição afro no Brasil, uma vez que, historicamente, eram
perseguidos pelo poder oficial. A fim de investigar essa história, Mestre Didi
viajou rumo a Ketu e conheceu o Rei. Disse ao Rei que era descendente de Ketu e
então cantou várias cantigas em ioruba em ode à terra, ao Rei e às riquezas
daquele reino, cantigas essas que ele havia aprendido com seus mais velhos na
Bahia. O Rei, seus ministros e as outras pessoas ao redor ficaram emocionados e
impressionados de alguém que veio do outro lado do Atlântico saber de cantigas
tradicionais que eram cantadas pelos antepassados.
Quando
eu terminei de cantar, o Rei, bastante emocionado, passou a mostrar a coroa que
estava usando e, traduzindo uma das cantigas, nos disse que não era aquela
coroa a que a cantiga se referia, e sim a outra, com a qual são consagrados os
reis. (Didi, 2006, p.14)
Mas isso ainda não era o suficiente
para provar o que ele ouvia de seus mais velhos e da sua própria mãe aqui na
Bahia. Foi lembrado então de que sua família possuía um Orikí, o que ele chama de Brasão Oral. Ele então recitou esse Orikí para o Rei, que exclamou: “Ha!
Asipá! E, levantando-se da cadeira onde estava sentado, aponta para um dos
lados do palácio, dizendo: ‘Sua família mora ali’” Em seguida Mestre Didi
descobriu que o lugar era um bairro e lá encontrou informações mais precisas
sobre seus antepassados.
Assim foi que ficamos sabendo de que tudo o que minha mãe
Senhora e as pessoas mais velhas falavam da Bahia era verdade. Independente de
minha linhagem real, nossa família foi uma das sete principais famílias que
fundaram o Reino de Ketu. (Didi, 2006, p.14)
Sem dúvidas, Mestre Didi é uma exceção. Afinal, quantos de
nós temos conhecimento de nossas origens? Por outro lado, o que é preciso
frisar aqui é que, em ambos os casos, Gilberto Gil e Mestre Didi, há uma ação
deliberada nessa busca pela ancestralidade, seja por meio da arte ou da
pesquisa de campo. Há uma tecnologia que foi herdada e que possibilita o
reencontro. Mestre Didi fala em um Brasão Oral, e este é um dos elos entre ele,
seus antepassados e seus contemporâneos do outro lado do Atlântico – os que não
foram abduzidos. Gilberto Gil apela para o caráter religioso da ancestralidade
ao evocar o ancestral Alapalá. Greg Tate é preciso quando faz a descrição do
caráter investigativo da ficção científica negra enquanto uma espécie de
retorno: “Eu vejo a ficção científica como uma continuação de uma veia de
pesquisa filosófica e especulação filosófica que começa com os egípcios e suas
reflexões incrivelmente detalhadas sobre a vida após a morte” (Tate in Dery, 2020, p.52). Seja no Egito ou
no Reino de Ketu, o passado é atualizado no âmbito da ficção científica
afro-diaspórica.
Isto não nos deve levar a crer que o afrofuturismo é um
retorno sem volta a um passado idílico. O conhecimento do passado, o retorno às
origens, o culto aos ancestrais são atualizados, fazem parte do presente, ao
tempo em que produzem o futuro. Dentro da lógica afrofuturista, “Hip hop é
culto aos ancestrais” (Tate apud
Dery, 2020, p. 53). Isto pode soar estranho, mas há a percepção de que a lógica
temporal não se dá de maneira linear: passado, presente e futuro. Reivindica-se
no presente o passado e o futuro através de um beat, a partir de sons de atabaque que fazem a morte dançar com os
vivos. É essa a leitura que Eshun, por exemplo, faz do breakbeat:
(...) você ver muita gente dizendo que o
breakbeat é o tambor africano, quando na verdade é o oposto. O breakbeat
precisa ser relacionado com o futuro. Pensar nele como dispositivo de captura
de movimento em vinil, antes de qualquer equipamento digital ser feito (2020,
pp.225-226).
Esse colapso do tempo é uma das características do Afrofuturismo,
tomado muitas vezes como uma espécie de alegoria, quando, na verdade, se trata
realmente de uma outra percepção temporal: “(...) o tempo ancestral e coisas
futuras coexistem, o que é ao mesmo tempo uma maneira muito africana, mítica,
cíclica de olhar para o tempo e um tipo de pós-modernismo pré-histórico” (Tate in Dery, 2020, p.50). Na tradição
afrodiaspórica no Brasil, diz-se de Exu, uma entidade sobrenatural ligada ao
movimento, que ele “atira uma pedra hoje para acertar ontem”. Mudando o ontem ele interfere o hoje. Imagine,
pois, o que ele pode fazer do amanhã.
Historicamente, o movimento Hip Hop é parte integrante da
tecnocultura musical preta estadunidense. O DJ, que é um dos quatro elementos
que constituem a cultura Hip Hop, tem a capacidade de criação de novas
vibrações musicais a partir da fricção de uma agulha em um disco de vinil. Essa
fricção é capaz de produz variações estilísticas na música, dando ao DJ
infinitas possibilidades musicais. Além do DJ, as primeiras coreografias que
surgem no movimento Hip Hop, por parte dos B. Boys, fazem alusão aos movimentos
robóticos e são marcados pela qualidade técnica na execução desses movimentos e
no potencial criativo e inovador que o mesmo apresenta.
O músico jamaicano Lee Scratch Parry, ao
protagonizar efeitos sonoros nos vinis, inicia também um processo de produção
de uma nova cultura musical e científica. A produção do Scratch, algo
tão necessário nos dias atuas no cenário da música eletrônica, faz alusão a uma
técnica de produção musical experimental que promove novas possibilidades de
harmonização e improvisação. Lee Parry, um cientista musical, assim como Jimmy
Hendrix, que introduz os pedais de reverberar na guitarra elétrica, são
exemplos de tecnologia musical afrofuturista que fundiram elementos rítmicos de
matrizes africanas à tecnocultura.
Nesse mesmo contexto, o músico Robert Nesta Marley, mais
conhecido como Bob Marley, também faz experimentações de ordem científica e
tecnológica na produção musical e protagoniza o surgimento de um novo estilo de
musical particularmente preto: o Roots
Reggae. Bob Marley, que originalmente veio do SKA, um estilo mais acelerado, percebeu que, desacelerando o ritmo
e incrementando mais potência nos graves, era possível produzir uma música
espiritual, capaz de transcender os limites terrestres. Bob Marley acreditava
que a música reggae era uma ligação do homem natural, o Rastaman, às divindades negras da Etiópia.
Essas experiências da tecnologia musical, protagonizadas
por homens e mulheres pretas, evidenciam a forte ligação da afrodiáspora com a
tecnocultura. Esses elementos de experiência afrofuturista podem ser encontrados
nos dispositivos eletrônicos do Hip Hop, na junção de elementos afro caribenhos
do Reggae, passando ainda pelo Jazz psicodélico de Sun Rá, assim como na
literatura de ficção científica em Delany ou nas artes visuais de Basquiat.
Considerações finais
Nessa demotape
sobre o conceito de afrofuturismo fica evidente que o que está em jogo não é
uma doutrina, nem um corpo de ideias prontas. Trata-se antes de uma postura
intelectual engenhosa do povo preto frente a um mundo que lhe é hostil e que o
subtrai de um futuro. O processo de abdução pelo qual o povo preto passou
forjou uma inteligência própria para lidar com o novo mundo e consigo mesmo.
Tecnologias precisaram ser reinventadas nesse contexto alienígena, inclusive
com os elementos dele. Nesse sentido, o afrofuturismo é um prognóstico utópico,
de mundos possíveis, imaginativo... que visa conduzir um povo para além de sua
imediaticidade temporal e espacial.
Delany já falava da necessidade do nosso povo, o povo
preto, de construir “imagens do amanhã”. Criar, imaginar, fomentar um futuro
negro. Não se trata de desejar o que já está aí, mas de desejar o ainda
inexistente. A ficção especulativa exerce um papel fundamental nisso. Por esse
motivo Eshun se autodenomina um “engenheiro de conceitos” (2020, p.231), alguém,
que diríamos, quer e pode ruir, borrar, samplear, antecipar, acelerar, atrasar,
mixar, remixar – tudo dentro do caldeirão de sua própria memória ancestral a
fim de criar um outro lugar, onde a experiência do som possa ser de uma escuta
visionária em um platô cósmico.
Essa não é uma tarefa simples. Pessoas afrodiaspóricas
vivem em um mundo cheio de ofertas falsas que prometem um modo de vida feliz.
Sabemos que todas as ofertas até então foram falsas porque continuamos a viver
em mundo alienígena no qual somos perseguidos e mortos. O que o afrofuturismo
faz, através do mais variados meios, é ofertar novos mundos. Talvez estejamos
apenas a assistir o crepúsculo que antecede uma longa noite e o afrofuturismo seja
o breviário de uma filosofia afrodiaspórica.
Referências
Davidson, Donald. “What metaphors mean”. In: Inquiries into truth and interpretation. Reprinted with corrections.
Oxford University, New York, 1985, pp. 245-264
Delany, S. R. “A necessidade de amanhãs”. Trad. Juliana Berlim. In: Afrofuturismo. Revista Ponto Virgulina,
Edição Temática #1, 2020
Dery, Mark. “De volta
para o afruturo: entrevistas com Samuel R. Delany, Greg Tate e Tricia Rose”.
Trad. Tomaz Amorin. In: Afrofuturismo.
Revista Ponto Virgulina, Edição Temática #1, 2020a
Dery, Mark. “Afrofuturismo
Reloaded”. Trad. Nathalia Koos. In: Afrofuturismo.
Revista Ponto Virgulina, Edição Temática #1, 2020b
Didi, Mestre (Deoscoredes
Maximiliando dos Santos). “Um negro baiano em Ketu”. In: Revista FFN MAG A: Bahia do
Sagrado e do Profano, do tradicional ao contemporâneo, n.2, 2006, p.106
Eshun, Kodwo. “Captura
de movimento” (entrevista). Trad.Stella Parteniani. In: Afrofuturismo. Revista Ponto Virgulina, Edição Temática #1, 2020
Acesso em 07.07.2020
Gil, Gilberto. “Babá Alapalá”. In:
Refavela. LP, Lado A, faixa 5, Warner Music, 1977
[1] Otun Elebogi (Kleyson Rosário Assis) é artista e professor de Filosofia da
Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Membro fundador do CIA (Coletivo de
Inteligência Afrofuturista).
[2] Maestro Esdras (Esdras Oliveira de Souza) é músico e produtor musical
independente da cultura Hip Hop, além de ser especialista em Educação e
Interdisciplinaridade pela UFRB. Membro fundador do CIA (Coletivo de
Inteligência Afrofuturista).
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