como citar esse texto: COELHO, Tamires de Souza. Leituras interpretativas sobre a fala: “a carne é fraca” encontrada na peça teatral A mandrágora de Maquiavel. Revista Sísifo. Nº10, v. 1, julho/dezembro2019.
Tamires de Souza Coelho 1
Resumo: Neste
espaço discutir-se-á sobre a fala: “A carne é fraca”. Esta é uma passagem que
aparece na obra teatral A Mandrágora de
Maquiavel, que, embora seja uma peça teatral, na obra pode-se perceber o teor
político que está imergido, e é sobre o aspecto político que irá ser debatido
neste estudo. Tem-se como objetivo maior, debater sobre a possível intenção de
Maquiavel ao inserir a fala: “a carne é fraca” no corpo da peça e enxergar as
verdadeiras nuances por trás da homilia em foco; seguidamente, ainda como
objetivo, quer-se compreender o pensamento do filósofo no que se refere a
política e a moral; A hipótese que se levanta é que o florentino pode estar a
falar ofuscadamente sobre a natureza humana, que é corruptível, inclinada para
a satisfação de seus desejos. O homem é por natureza, egoísta, e assim se
mostrará como tal, em momentos cabíveis para alcance dos seus interesses. Para
o estudo desta hipótese levantada, percorrer-se-á os caminhos paradoxais entre
interesses e moral. Apesar da discussão ser em torno da fala “A carne é fraca”,
entende-se como necessário recorrer-se a obra O príncipe, para fundamentação e enriquecimento do estudo em voga.
INTRODUÇÃO
Neste espaço, tem-se como objeto de discussão a
fala: “A carne é fraca” (p.19), passagem encontrada na peça teatral A Mandrágora, da autoria de Maquiavel.
Trata-se de uma obra teatral escrita de modo oblíquo, onde presume-se que a
intencionalidade com seu modo de escrita, é apontar para os leitores sobre a
arte do engano e o quanto o engano faz parte da natureza humana,
independentemente da força dos valores morais e princípios religiosos e
tradicionais em que os homens estão inseridos. A Mandrágora é escrita em 1518, embora trate-se de uma obra
teatral, o seu teor de veridicidades experimentadas no cotidiano político,
tanto dos governantes, quanto dos governados, e nas instituições religiosas, a
faz ser discutida com vivacidade que atravessa anos e séculos.
A peça teatral é composta por: Calímaco, Siro,
Ligúrio, Lucrécia, Messer Nícia, Frei Timóteo e Sóstrata e ainda, uma outra
personagem, uma mulher que não tem seu nome mencionado, no entanto, sua fala “A
carne é fraca”, desperta a curiosidade e aguça a discussão. Quais seriam os
motivos que fez Maquiavel acrescentar a passagem? Porventura, a ausência da
passagem faria a obra perder a sua coesão textual e narrativa? O que se pode
predizer é que, esta personagem é um recurso filosófico utilizado por Maquiavel
para direcionar, mesmo que de modo camuflado, a verdade sobre a natureza humana
e sua ascendência à corrosão e engano em prol de interesses.
A motivação maquiavélica desta fala “A carne é
fraca” é fazer com que os leitores compreendam que a natureza dos homens é
predisposta à corruptividade e engano, dentre tantas outras perversões. Além do
mais, o florentino está a dizer para os leitores, que, sendo os homens desta
natureza, e sendo estes os que conduzem a dinâmica das instituições políticas e
sociais (igreja), logo, a corrupção é naturalmente presente nestas
instituições.
1.0
Sobre a perspectiva
do pensamento de Maquiavel
A estrutura do pensamento de Maquiavel é fincada no
plano real, como as coisas verdadeiramente são e se apresentam, consoante a
expressão de Maquiavel de que a boa análise deve se concentrar na “verdade
efetiva das coisas” (MAQUIAVEL, 2013, p. 25). O florentino fala sobre a
inclinação do homem para o engano, para a ocultação das coisas que se faz e não
quer que se saiba, e por isso o homem é censurável em sua natureza, por que a
ambição pelos interesses individuais não mede esforços para corromper as regras
da moral (quando necessário) e alcançar
seus objetivos. Maquiavel entende que a segurança dos homens não pode ser
ameaçada por impedimentos da moral, portanto, sendo necessário, estas regras
devem ser quebradas sem censura, em prol de um fim.
Descrever as coisas tal como são, custou para
Maquiavel o peso de muitas perseguições, críticas e repulsões e até
interpretações deturpadas sobre seus escritos, no entanto, há de se compreender
que, Maquiavel estava ancorado
em um tempo, um cenário político e uma realidade econômica e social repulsiva
experimentada pela Europa e mais precisamente na Itália, entre os séculos XV e
XVI, e ele esteve a viver esse período notando o quanto a corrupção e a maldade
são inevitáveis aos homens. Sendo Maquiavel um filósofo, membro da política, e
dotado de muitos conhecimentos, esteve a escrever no intuito de responder aos
problemas políticos do momento histórico em que viveu.
A seguir:
Mas, sendo minha intenção escrever algo de
útil para quem por tal se interesse, pareceu-me mais conveniente ir em busca da
verdade extraída dos fatos e não à imaginação destes, pois muitos conceberam
repúblicas e principados jamais vistos ou conhecidos como tendo realmente
existido. Em verdade, há tanta diferença de como se vive e como se deveria
viver, que aquele que abandone o que se faz por aquilo que deveria fazer,
aprenderá antes o caminho de sua ruína do que o de sua preservação, eis que um
homem que queira em todas as suas palavras fazer profissão de bondade,
perder-se-á em meio a tantos não são bons. Donde é necessário, a um príncipe
que queira se manter, aprender a poder e usar ou não da bondade, segundo a
necessidade (MAQUIAVEL, 2013, p. 90).
Nos escritos de Maquiavel, pode-se perceber uma
luta pela sobrevivência intrínseca aos homens. Esta sobrevivência não é só pelo
simplesmente viver, mas, pelo gozo de deleitar-se nas coisas que apetece aos
desejos de cada indivíduo. E aquele que tiver maiores habilidades para lutar
pela sua sobrevivência encontra-se satisfeito para com seus desejos.
2.0
A natureza do homem
de acordo com Maquiavel
Conforme já foi sinalizado, as discussões que são
empreitadas por Maquiavel, são fundamentadas em uma força que expõe a verdade
das coisas como de fato são, e não como deveriam ser. Maquiavel apropria-se das
concretizações das experiências, desde o cotidiano da vida comum em sociedade, à
vida política do Estado, para desnudar as verdades ofuscadas em valores morais
e aparências.
Nesse empenho de Maquiavel, apontar as coisas tal
como são, através da obra A Mandrágora,
o florentino apresenta-nos como a fraude é construída no meio político, assim
como os interesses definem as ações. Para falar da arte do engano, ele irá
falar sobre a natureza do homem, que é degenerativa em seu caráter e em seus
valores ante os desejos; tanto que, o leitor que não se utilizar das lentes
maquiavélicas, no primeiro momento irá espantar-se com a apresentação
escancarada do modo como as ações se dão no cotidiano.
Segundo Maquiavel, o homem é sujeito enganoso,
corruptível, na mesma medida que corrompe a outro, também está sujeito a ser
corrompido por outros, embora os homens sejam de natureza facilmente
enganadora, poucos são os que sabem enganar bem, não basta enganar, é preciso
enganar bem. A vida em sociedade é como um jogo, como todo jogo é incerto,
assim são as relações, os pactos podem ser quebrados, mesmo que, quando feitos
tenham sido mediante acordos de palavras, a depender da circunstância tudo pode
variar, até mesmo a fidelidade aos princípios religiosos e morais. Conforme as
interpretações suscitadas nas leituras, há de se dizer que são as circunstâncias
e os interesses que definem os comportamentos e as atitudes, bem como o mando
dos empenhos e investimentos dos homens. Conforme assim é, ninguém é senhor do
tempo e nem sabe do que está por vir, não há quem saiba fidedignamente quem são
homens e nem as suas capacidades na trama das relações humanas.
À luz do que foi exposto, adir-se-á que o homem age
em prol de suas veemências, independentemente da moral que o cerca, estará
disposto a corromper por uma força motriz inerente ao homem. Os homens são por
natureza egoísta, perverso, mentiroso, cruel, avarento e em momento oportuno se
mostrarão como tal para alcançar os seus interesses. Conforme: “todos os
homens, máxime os príncipes por situados em posição mais preeminente, quando
analisados, se fazem notar por alguns daqueles atributos que acarretam
reprovação ou louvor” (MAQUIAVEL, 2013, p. 90).
Ao mesmo tempo que os homens constroem uma moral, a
corrompem, a depender de seus interesses, da necessidade para manter-se
sobrevivente na disputa de interesses. Salienta-se que o pensamento filosófico
do florentino, expressado em suas obras, não é limitado por uma ordem moral e
na peça, pode-se ver claramente que a moral se esvai quando os interesses movem
os personagens.
Assim é na política. Assim é no plano real das
relações. Os homens são facilmente corruptíveis, agem corruptamente, seja na
política, na religião ou em suas relações em meio a sociedade. “São enganosos,
capazes de mentir e distorcer fria e, calculadamente”. O fato de que os homens
são corruptos, faz Maquiavel lidar com a corrupção como sendo um problema
político e não moral, pois, a corrupção é inerente ao homem, o homem ontológico
para Maquiavel é corrupto, no entanto, a moral, é uma invenção, convenção dos
homens. As tramitações políticas do Estado são manipuladas pelos homens,
portanto, é por isso que o problema da corrupção é tratado por Maquiavel como
um problema político.
Há de se salientar que, o engano, a mentira e a
corrupção não findam em si mesmo, todavia, tem algo em vista, tem uma força pujante
que é: atingir as finalidades que aspiram aos desejos. Lutar pelas conquistas,
é de algum modo uma arte, consequentemente, requer habilidades e razões
justificáveis.
É coisa muito natural e comum o desejo de
conquistar e, sempre, quando os homens podem fazê-lo, serão louvados ou, pelo
menos, não serão censurados; mas quando não têm possibilidade e querem fazê-lo
de qualquer maneira, aqui está o erro e, consequentemente, a censura (...)
Censura em razão de não ser justificada pela necessidade (MAQUIAVEL, 2013, p.
25, 26).
A necessidade de atender os objetivos tende a
imposição da quebra de regras moralistas.
Precisa-se frisar que, para Maquiavel, ser bom ou ruim, ser prudente ou
desmedido, justo ou injusto, não necessariamente é ser virtuoso ou deficiente em virtudes. Além do
mais, o paradoxo que há entre bondade e maldade é artificio da linguagem
moralista e para o desenvolvimento de seu pensamento, sobre as coisas como são,
Maquiavel desvincula-se da ordem da moral, embora não perca de vista a ética 2.
A seguir, o que diz Maquiavel:
Sei que cada um confessará que seria
sumamente louvável encontrarem-se em um príncipe, de todos os atributos, (...) apenas
aqueles que são considerados bons; mas, desde que não podem possuir
inteiramente observá-los em razão das contingências humanas não o permitirem, é
necessário que seja o príncipe tão prudente que saiba fugir à infâmia daqueles
vícios que o fariam perder o poder, cuidando evitar até mesmo aqueles que não
chegariam a pôr em risco o seu posto; mas, não podendo evitar, é possível
tolerá-los, se bem que com quebra do respeito devido. Ainda, não evite o
príncipe de incorrer a má faina daqueles vícios que, sem eles, difícil se lhe
tome salvar o Estado; pois, se bem considerado for tudo, sempre se encontrará
alguma coisa que, parecendo virtude, praticada acarretará ruína, e alguma outra
que, com aparência de vício, seguida dar origem à segurança e ao bem-estar
(MAQUIAVEL, 2013, p.91).
A concepção de justo e injusto, bem e mal, certo e
errado pertence a tradição moral cristã, cuja concepção já traz consigo a
fixação de valores e conteúdos estabelecidos independentemente das possíveis
situações a serem analisadas e não censuradas. Para Maquiavel, não há a
condição de valores a priori ante uma
ação. As ações não são condenáveis ou louváveis por considerar-se o conteúdo
bom ou ruim, deve-se julgar a ação mediante a consequência e os resultados a
serem obtidos. Ora, por que para
Maquiavel ser, por exemplo, bom ou ruim é uma questão da moral? Porque para
ele, pode ser que haja uma boa maldade que produzirá bons efeitos, ainda que
não em benefícios de muitos, mas de um. O que importa é o fim que os meios
atingirão. Nestas condições, as regras são obstáculos e não produz benefício
algum. A política não pode limitar-se as questões morais, embora possa fazer
uso da moral como meio para atingir os seus fins.
3.0 “A carne é fraca”
Indo ao objetivo que mais endossa esta discussão
que se enseja aqui, há de se discutir com foco sobre uma passagem apresentada
na peça, onde o personagem Frei Timóteo está a conversar com uma mulher que não
é apresentado o seu nome. Embora a passagem desta mulher seja breve, a sua fala
aguça filosoficamente a curiosidade. Leia-se a fala instigante: “(...) a carne
é fraca(...)” (MAQUIAVEL, 1976, p.19). Esta passagem a que há de se ater é
encontrada na cena III do ato III.
Conforme já foi dito de modo introdutório, cumpre o
reafirmar. Os caminhos para o alcance dos objetivos e alcance do poder, são
naturalmente degenerativos e de fato, há degenerações entre um ideal de virtude
que equivaleria ao bem comum, para aquilo que de fato ocorre nas práticas do
cotidiano.
O bem comum na perspectiva do pensamento dos gregos
antigos, é uma utopia. Em sociedade, onde os interesses são divergentes e os
homens são egoístas, sustentar os discursos de bem comum é sustentar uma
falácia. O cotidiano das relações humanas é nutrido de interesses, de busca
pela ascensão e poder.
As virtudes cristãs são ideações
institucionalizadas, a capacidade de existência das virtudes limita-se no campo
dos discursos e tem se perdido na descoberta dos desejos e interesses. Os homens tendem mais aos vícios e prazeres
do que as virtudes, é da natureza. Conforme as palavras de Maquiavel: “No
presente século, a velha virtude em tudo se degenera” (MAQUIAVEL, 1976, p. 4).
A canção que dá início a peça, traz no corpo os
seguintes versos: “(...) pois do prazer privar-se para viver em afãs e
aflições, é ignorar os enganos do mundo ou por quais males e estranhos casos
sejam tiranizados todos os mortais (...)” (MAQUIAVEL, 1976, p. 03). O que dá
alusão ao entendimento que a moral é encarada por Maquiavel como uma baliza,
principalmente a moral cristã que, impõe a renúncia de si mesmo e de seus
prazeres de vida em prol da salvação, vida eterna, que na realidade é um
discurso moral de controle e dominação.
Precisa-se dar espaço a um adendo para dizer que,
tanto a igreja, quanto as instituições, inclusive a instituição família,
desenvolveram ao longo das relações humanas, uma moral de força veraz
suficiente para controlar e impor limites. A verdade é que obedecer a moral sem
questionamentos é se auto tiranizar, porque todas as coisas devem ser sujeitadas
aos questionamentos, e é esse o princípio da liberdade. No entanto, a vida no
seio das instituições que vão desde a família, as instituições civis e
estatais, ou qualquer que seja a instituição, ou até mesmo as relações
hierárquicas, viver é embrenhar-se pela moral. Obedecê-la deveria ser tarefa
ordinária, seria se: “a carne não fosse fraca”, se os homens não fossem
corruptíveis, mentirosos e enganosos, se os desejos não falassem mais alto do
que as regras da moral e dos pactos religiosos. Seria se, os mesmos homens que
tiveram a capacidade de construir tais regras da moral, não pudessem ser os
mesmos a descumpri-las.
A fala da mulher na peça A Mandrágora, dá algumas possibilidades de interpretações do
pensamento do autor da obra. Através da fala “a carne é fraca”, pode ser que a
mulher esteja a confessar a verdade da natureza humana, inclusive, incluindo-se
como carne fraca também. A personagem utiliza-se de um discurso para justificar
que os homens são corrompíveis, voltados para os seus desejos e interesses. A
moral é um engenho que finda-se na fraqueza da carne, dito de modo
maquiavélico, a moral finda-se quando o homem de fato pode ser aquilo que ele
é, quando percebe que as regras da moral são barreiras, quando a circunstância
é momento oportuno para cometer o engano e manter viva a esperança de
cumprimento dos seus desejos, ascensão e gozo de vida.
O homem é
tal como já se descreveu aqui, não por questões morais ou amorais, mas, por que
essa é a sua natureza, é da essência humana. Não há quem escape da fraqueza da
carne, todos os homens em momento cabível inclinam-se para a mentira, ao engano
e as corrupções; ou é assim, ou utilizando-se das palavras de Aristóteles
referidas a um outro problema filosófico, dir-se-á: “não seria de natureza
humana, seria um deus ou uma besta”.
O personagem Frei Timóteo, que, deveria ser exemplo
de justiça, temperança, desapego aos próprios desejos, renúncia de si mesmo,
representante da moral cristã, estando frente a oportunidade de evidenciar sua
natureza humana e satisfazer suas ambições, refletiu e disse: “(...) esse logro
me traz vantagens. Messer Nícia e Calímaco são ricos e de cada um deles, por
diferentes razões, poderei tirar bom proveito (...)” (MAQUIAVEL, 1976, p. 23).
O padre é aquele que sabe dos pecados dos homens, logo, sabe dos seus também, o
que significa dizer que é reconhecível essa natureza humana astuta e
enganadora. Diante do interesse, as regras da moral e as expectativas de zelo
destas se esvai.
Por um outro
lado, o que os escritos de Maquiavel denotam é que ele está indiretamente a
problematizar sobre o império da moral cristã sobre os homens e a mostrar a
verdade corrupta dos bastidores da religião Cristã. Por que ser aquele tido
como exemplo de virtude?
Para Maquiavel, todas as coisas estão sujeitas a
corrupção e a degeneração, inclusive as instituições, até porque, as
instituições executam as suas atribuições através do homem, logo, os homens
sendo enganosos, capazes de mentir, corromper e ofuscar friamente e
calculadamente, não preservará a imagem das instituições ilesa.
Aos príncipes, que devem utilizar-se de todos os
meios para ter a glória e o reconhecimento de que é glorioso e manter-se no
poder, não necessariamente é preciso ser virtuoso, dotados dos valores e
princípios da moral, por ser uma figura pública, basta que pareça ser, isto por
que, parecer será um meio de conquista de poder e reconhecimento e perpetuação
de uma imagem ideal. Até porque, Para Maquiavel, o povo só espera saber das
aparências e dos resultados.
Reportando-se a dois dentre os personagens da peça,
Calímaco e Ligúrio, eram homens que tinham essa capacidade de calcular
friamente, prevendo ação, reação e consequência. A esta capacidade, Maquiavel
nomeou de: virtú, condição necessária
para alcançar os interesses e manter-se no poder, independente das
circunstâncias, quer estejam favoráveis ou não; e caso as circunstâncias não
estejam favoráveis, o homem de virtú
é aquele que será capaz de tirar proveito da circunstância, mesmo ruim, e se
sobressair, ao invés de ser sucumbido pelas contrariedades. No entanto, é
preciso que a fortuna possibilite a ocasião oportuna e ideal para que as
virtudes sejam manifestas. E ainda, será a virtú
uma possível razão para não haver censuras. A seguir uma passagem dita pelo
personagem Calímaco: “Não há nunca situação tão desesperada que não deixe algum
caminho aberto para dela tirarmos esperança” (MAQUIAVEL, 1976 p.06).
O Frei Timóteo, que estava a ouvir as confissões da
mulher, possuía um papel importante na peça. Muito mais do que o seu papel
importante na peça, Maquiavel estava referindo-se que nem mesmo a igreja era
isenta de corrupção. O Frei Timóteo, viu a oportunidade de obter lucro da
situação, impulsionado pelo interesse de ganhar dinheiro, encontrou argumentos
que pudesse lhe respaldar, ainda que estivesse corrompendo e distorcendo os
princípios da doutrina Cristã.
Pouco importa os meios necessários para obter o
resultado desejado, importa que alcance, Frei Timóteo disse: “Deve-se, em todas
as coisas, considerar o fim” (MAQUIAVEL, 1976, p. 25), ainda que Lucrécia
estivesse cometendo um adultério, importa que conseguisse agradar a seu esposo,
a fim de cumprir com suas finalidades de esposa, a de corresponder as vontades
de seu conjugue. Não se sabe ao certo quem inicialmente apontou a atribuição
indevida da frase “os fins justificam os meios" a Maquiavel, todavia,
certamente, o florentino haveria de concordar que, para um determinado fim, é
necessário recorrer aos meios, pois, são os meios que conduzirão ao fim
desejado.
Retomando-se a questão da virtú, ou ação virtuosa 3,
em Maquiavel, é importante entender que, no sentido empregado pelo filósofo,
nada há de similar com a ideia de bem que foi construída pela tradição
filosófica, que coloca em detrimento aquilo que apetece aos desejos e prazeres
em prol uma ética e conduta difundida pela moral. O conceito de virtú pensado por Maquiavel, também não
tem nenhuma relação comum com o conceito medieval de submissão do homem à
vontade de Deus, abdicação das coisas do mundo terreno para viver regido pela
ideia de mundo contemplativo imaginável e ideia de vida eterna após a morte.
O Frei Timóteo, personagem da peça, é um exemplo de
possuidores desta característica chamada virtú,
que, pode-se dizer que consiste em saber valer-se das oportunidades ocasionada
pela "fortuna" – sorte. A fortuna é para Maquiavel aquilo que ele
chama de sorte de oportunidades e/ou recursos para se dar bem nas coisas
desejáveis; é um bem, um dom de alguns. Todavia, somente aquele que tem a
perspicácia de avaliar, de maneira eficiente em torno da situação e as
possibilidades de agir inteligentemente, poderá fazer escolhas dos meios
assertivos e obter bons resultados.
Um homem de virtú,
seria aquele que enfrenta as adversidades, ao invés
de acovardar-se, persiste em meio as intempéries da vida, até que vença. Na
concepção de Maquiavel, o homem, através da virtú,
que, na perspectiva maquiavélica, é uma ação, deve ter a destreza e a
habilidade de fazer uso de todos os meios possíveis e necessários para expandir
as oportunidades advindas da fortuna, ou caso não seja um afortunado, este,
deve ainda mais, ser hábil na utilização da
virtú como um recurso para suprir a deficiência da fortuna e encontrar as
suas oportunidades e fazê-las expandir. A capacidade de alinhar a
fortuna com a virtú é fundamental. Se
o homem é possuidor da fortuna e não possui a virtú, não faz diferença alguma ter ou não a fortuna, é como não
saber usá-la.
A virtude do homem não está em
submeter-se as razões convencionais da moralidade ou a ideia abstrata de Deus,
mas sim, nas ações calculadas. Será bem-sucedido aquele que conseguir agir em
correspondência a dada situação do momento, independentemente do tipo de
situação e das ações a serem tomadas. Será a necessidade que irá testificar a
capacidade de ação virtuosa do homem.
Assim, tendo-se apontado sobre a noção
de virtú em Maquiavel, pode-se
afirmar que o conceito maquiavélico de virtú
absolve por completo qualquer exigibilidade dos critérios moral de avaliação do
comportamento do homem. Para Maquiavel, importa que as ações sejam precisas
para determinadas situações, se necessário matar um em favor de alguns, que
seja, importa que a finalidade seja alcançada e suficientemente justificável.
Em suma, a virtú pode ser considerada
como a capacidade pessoal de afirmar nossa liberdade frente à fortuna, frente
ao destino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“A carne é fraca” porque não consegue
dominar a liberdade de declinar-se nos desejos que apetecem ao ego e o prazer.
Assumir a fraqueza da carne é uma possibilidade de evidenciar o homem virtuoso
que uma determinada situação pode apresentar. Dizer que a carne é fraca é poder
demonstrar-se hábil na recorrência à virtú.
A expressão “a carne é fraca”,
encontrada na peça é um recurso metafórico utilizado para falar sobre a real
natureza do homem. No sentido filológico da expressão, carne fraca seria aquele
homem que, ante uma situação adversa não saberia fazer uso da virtú, seja por inabilidade ou por
controle da moral. Seria um homem sem liberdade, um inapto para qualquer
atividade política.
Ser virtuoso, é ter “a carne fraca”, ao ponto
de, se necessário corromper. Ter a carne fraca, é ser livre ante as situações e
necessidades que exigem uma tomada de atitude. Ante uma situação problemática
que possa definir os percursos do homem, em nome de que não haver-se-ia de
tomar uma atitude contrária as que são esperadas pelas regras da moral? Deve o
homem entregar sua liberdade e ser sucumbido pela não possibilidade de uma ação
que para a moral não seja virtuosa?
Assim, tendo se tornado discutido sobre
a natureza humana na perspectiva do pensamento de Maquiavel, e o quanto os
homens são capazes de se mostrarem hábeis na arte do engano e da distorção de
modo calculado, sagaz e egocêntrico, a matéria humana tem em sua forma aquilo
que lhes apetece o ego, portanto, dentre os males, o menor mal possível,
contudo, importa que o fim seja exitoso. E, se de fato a interpretação de que “a
carne é fraca” é saber fazer uso da condição de liberdade e uso da virtú, finaliza-se esta discussão com um
brinde filosófico comemorativo a condição de fraqueza da carne.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
ARANHA, M. L. de A. Maquiavel. A Lógica da Força. São
Paulo: Ed. Moderna, 1993, (Coleção Logos).
ESCOREL, L. Introdução ao Pensamento Político de
Maquiavel. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1979.
GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno.
Rio de Janeiro: Ed. Civilização Brasileira, 3ª ed., 1978.
MAQUIAVEL, N. O Princípe. São Paulo: Nilobook, 2013.
1 Graduanda em Filosofia – Universidade
Estadual de Feira de Santana – BA. E-mail: tamirescoelho.90@hotmail.com
2 Ressalta-se que neste breve espaço não
há de se adentrar na questão da ética maquiavélica.
3 É importante
ressaltar-se que, há uma distinção entre "ação virtuosa" e "ação
moral", para Maquiavel. Ação moral é aquela que será consideravelmente
benéfica à comunidade, é uma ação que alcançará alguma parcela da sociedade de
modo útil, ainda que ao crivo de alguns seja uma ação passiva de crítica e
condenações, importa o resultado positivo que esta ação alcance, será uma “ação
virtuosa”. Ao contrário, tem-se a ação imoral que seria aquela que só tem em
vista a satisfação de interesses individuais, podendo até infringir direitos de
outros. Essa é um tipo de ação presente na sociedade.
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