como citar: MAZZOCCHINI, Graziano. Foucault e o ornitorrinco. Revista Sísifo. Nº10, v. 1, julho/dezembro2019.
Graziano Mazzocchini
Breves notas à margem da leitura de
Giuseppe Cocco e Bruno Cava, Enigma do
Disforme: Neoliberalismo e Biopoder no Brasil Global (Rio de Janeiro: Mauad
X, 2018)
1.
No primeiro capítulo do livro, Foucault e o Neoliberalismo, os dois
autores se afiliam programática e metodologicamente àquela que eles mesmos
definem “a mais provocativa lição” do pensador francês a propósito da moderna
tecnologia governamental na qual ainda
estamos: longe de constituir um mero disfarce ideológico de um universo
concentracionário capitalista, ou ainda do apogeu da forma mercadoria tal como
foi analisada por Marx no Livro I do Capital,
tal tecnologia tem de ser apreendida na sua irredutível peculiaridade, a saber,
enquanto agenciamento dos processos e das tendências sociais, isto é, enquanto “política
da sociedade” (FOUCAULT 2008, p.200), Gesellschaftpolitik.
Conforme a reconstrução genealógica de tal tecnologia de governo empreendida
por Foucault no Curso de 1979, O
Nascimento da Biopolítica, o que nos permite nos desembaraçarmos de tais
lugares comuns – os quais, argumentam os dois autores (COCCO e CAVA 2018,
p.18-20;34; 126), pontualmente ressurgem nas polêmicas de intelectuais de
esquerda1 contra uma suposta “conversão à ideologia liberal” do pensador francês no
início da década de oitenta – é exatamente o seu “nominalismo metodológico”, ou
ainda a sua sistemática recusa ou neutralização preliminar de quaisquer
universais, pelos quais, mesmo não sendo o neoliberalismo, assim como
analogamente a loucura, a sexualidade e a criminalidade uma realidade existente
– justamente enquanto universal – contudo, graças à analise genealógica daquele
acoplamento de práticas e regimes de veridicção que o inscrevem na realidade
(FOUCAULT 2008, p.4-6) enquanto conjunto de técnicas de governo, será possível
obter destas últimas uma inteligibilidade do
seu efetivo e irredutivelmente peculiar produzir-se, nos proporcionando um
certo algo que, se não será a
concretização espacial e geograficamente determinada de um universal, não
poder-se-á reduzir a uma mera manifestação fenomênica de outra realidade
subjacente ou a um mero desdobramento linear de uma forma contida numa outra,
ainda apenas esboçada, do passado:
Ora,
o que eu gostaria justamente de lhes mostrar e que o neoliberalismo é, no fim das contas, outra coisa.
Grande coisa ou pouca coisa, eu não sei, mas certamente alguma
coisa. E essa alguma coisa na sua singularidade que eu gostaria de
apreender. [...] Essa transferência dos efeitos políticos de uma análise histórica
sob a forma de uma simples repetição é sem dúvida o que há
que evitar a qualquer preço, e é por isso que insisto nesse problema
do neoliberalismo, para tentar separa-lo das críticas que são feitas a partir
de matrizes históricas pura e simplesmente transpostas. O neoliberalismo não é
Adam Smith; o neoliberalismo não é a sociedade mercantil; o neoliberalismo não
é o Gulag na escala insidiosa do capitalismo. (FOUCAULT 2008, p. 180-181)
São justamente esta
recusa a reduzir o neoliberalismo à ideologia – no sentido de uma falsa
consciência que apenas encobriria um projeto totalitário de dominação
capitalista, e a sua complementar assunção num sentido mais abrangente de uma
matriz de subjetividades a nortearem a exposição de Cava e Cocco daquilo que já
no título é nomeado como o disforme
em que consistiria a genealogia inacabada – uma síntese que só pode ser uma
abertura- de um “Brasil-país [tido por] uma
forma – todavia não consumada – dos processos formativos” (COCCO e CAVA
2018,p.134). Disforme, e não informe, pois trata-se precisamente de considerar
os agenciamentos modulados, por parte da arte de governar – aqui no seu
singular aparecimento no Sul na forma específica da empresa colonial, logo já a
partir do século XVI, bem antes da periodização foucaultiana das artes liberal
e neoliberal de governo -, de linhas e processos de subjetivação, decorrentes
de uma “matriz criativa” (COCCO e CAVA 2018, p.132) já plenamente assentada no
interior do amalgama social e respeito aos quais tal arte resulta ser
coextensiva (COCCO e CAVA 2018, p.124-127):
...logo
se firmou a obsessão [para a empresa colonial] por uma nova arte de governar,
do que começam a ser elaborados – na tentativa e erro, na entrecortada história
de antagonismos e restaurações – os dispositivos biopolíticos que vão compor a
governamentalidade. Ou seja, um princípio de governo imanente à gênese das
formas, uma formalização flexível que acompanha a potência social do regime de
funcionamento do tipo “murta”. Isso já bem antes do nascimento da economia
política clássica, como periodizado por Foucault no curso que revisitamos.2 (COCCO e CAVA 2018, p.132)
2.Se, conforme vimos
nesta última citação, os dispositivos que compõem a específica arte de governar
no Sul são biopolíticos- segundo uma concepção <<descolonizada>> da
própria biopolítica-, tais são também, no segundo capítulo (A Biopolítica do Desenvolvimento no Brasil)
as resistências que, conforme sustentado pelos dois autores, não apenas se lhes
opõem, como também os excedem (COCCO e CAVA 2018, p.71): “Se o biopoder é o
terreno real de funcionamento das práticas de colonização e, posteriormente, do
desenvolvimento capitalista no Sul, então é nesse mesmo terreno em que vão
operar as estratégias de resistências biopolíticas” (COCCO e CAVA 2018, p.70)3.
Cabe aqui fazer uma especificação para tentar esclarecer melhor o “uso”
filosófico que Cocco e Cava fazem de Foucault: se nos textos mencionados aqui
em nota (nota 3) os termos biopoder e
biopolítica – este último sendo tanto
substantivo quanto adjetivo – o pensador francês tende a usar, em rigor
(filológico), os dois termos como sinônimos, este não é, definitivamente, o
endereço hermenêutico dos dois autores. Com efeito, num exercício não
filológico – ao menos, não no sentido que a disciplina da história da filosofia
poderia atribuir a este termo -, e sim experimental e propriamente filosófico,
os dois parecem pressupor uma distinção conceitual entre os dois verbetes: se o
biopoder situa-se mais ao nível do conjunto dos dispositivos que modulam, contém
e tentam fixar umas formas aos devires sociais, estes últimos parecem
constituir propriamente a condição ontologicamente primária para que se dê a
articulação destes dispositivos, apontando para uma irredutibilidade da
biopolítica ao biopoder (Cf. COCCO e CAVA 2018, p.124;127;129). De qualquer
maneira, o que emerge nitidamente tanto neste segundo capítulo quanto na Conclusão é um pleno e consequente
desdobramento de uma outra lição foucaultiana, que poderíamos sintetizar nos
termos do seu Curso de 1978: as lutas e a verdade - isto é, os regimes de
verdade que articulam determinados saberes nos e pelos quais produzem-se as
partilhas entre verdadeiro e falso – constituem um “círculo” de
entrelaçamentos, relances, mútuos pontos de aplicações de estratégias e
contra-estratégias, assim como há uma “correlação imediata e fundadora entre a
conduta e a contraconduta4”
(FOUCAULT 2008b, p.6; p.258). Ademais, um dos dois autores, Giuseppe Cocco,
sustentara mais explicitamente a referida proeminência ontológica da biopolítica em respeito ao
biopoder numa obra de 2010, MundoBraz,
na qual, contestando a construção agambeniana de um conceito de
biopolítica que, segundo a tese do autor, destoaria completamente do
entendimento foucaultiano – enquanto a “vida nua” seria produzida completamente
no interior da “captura” pelo biopoder - , pois, pelo contrário, “Foucault assume
e reafirma a resistência, a vontade de viver (a biopolítica), enquanto algo que
existe antes desta vontade de viver ser capturada pelo poder (biopoder). Isto
significa que o poder precisa da vida, da sua potência, e que sem ela o poder
não é nada” (COCCO 2010, p.151), e ainda, “se o poder investe a vida
(biopoder), isto ocorre porque a vida constitui-se enquanto potência, como
processo de libertação (biopolítica)” (Ibidem).
Tal interpretação de Foucault feita por Cocco – segundo uma noção deleuziana de
um “pensar-com” Foucault que também torna-se legitimamente, conforme a
ressignificação feita por Deleuze do que poderia ser uma “história da
filosofia”, um “pensar-além” (Cf. DOMENICALI 2018, p.169-171) -, por sua vez, coloca-se
na esteira de uma constelação de interpretações semelhantes, todas inquietadas
por uma possível oscilação entre os dois termos. Entre estes, o próprio Gilles
Deleuze, ao pensar o pensamento de Foucault na monografia homônima de 1986,
afirmara sobre a irredutibilidade da subjetividade às técnicas de poder: “A
ideia fundamental de Foucault é a de uma dimensão da subjetividade que deriva
do poder e do saber, mas que não depende deles” (DELEUZE 2013, p.109); Judith
Revel, por sua vez, no seu Vocabulaire de
Foucault, esboça uma hipótese de sentido semelhante sobre a biopolítica,
pelo qual o “desassujeitamento” constituiria o prelúdio da subjetivação, sem
contudo sê-la já em si:
Trata-se
de pensar a biopolítica como um conjunto de biopoderes ou, antes, na medida em
que dizer que o poder investiu a vida significa igualmente que a vida é um
poder, pode-se localizar na própria vida...o lugar de emergência de um
contra-poder, o lugar de uma produção de subjetividade que se daria como
momento de desassujeitamento? (REVEL 2005, p.27-28)
3.Subjetividades,
resistências biopolíticas, devires potentes. Pois bem, tanto em MundoBraz quanto no Enigma do Disforme, o
diagnóstico, compartilhado por Cocco e Cava, inclui uma reconstrução crítica do
chamado “paradigma da formação” do Brasil pelo qual tal matriz da realidade vem
a constituir precisamente um “ponto cego” das análises, tanto dos
desenvolvimentos nas suas várias vertentes, quanto da mais refinada – e no
entendimento dos autores, menos “eurocêntrica” – pesquisa da CEPAL. Assim, se o
diagnóstico sobre o pós-fordismo contido no celebre Ornitorrinco de Francisco de Oliveira (OLIVEIRA 2013, p.136-142)
parece manter, para os dois autores, uma certa validade “descritiva”, ao menos
quando constata-se o esgotamento da forma salarial como medida espacial e
temporal da acumulação no Brasil5,
acarretando a dissolução dos seus “reduzidos nichos fordistas”, já não a mantém
mais quando se demostra incapaz de colher as transformações da composição de
classe na virada entre a década de setenta e oitenta: “Acertadamente Oliveira
está falando do ‘rentismo’ do capital contemporâneo, porém não consegue
assinalar o caráter do trabalho e da cooperação social explorado por este
capitalismo ‘rentista’” (COCCO 2010, p.150), ao passo que Foucault “antecipava
a força do projeto neoliberal precisamente enquanto tecnologia capaz de
capturar o terreno de proliferação social e difusa das tecnologias...que...Oliveira
desconhece” (COCCO 2010, p.160). Analogamente, os “cepalinos” – o caso
“paradigmático” de estudo aqui é o programa de Celso Furtado – entre as décadas
de cinquenta e sessenta apostam no “fortalecimento da soberania nacional”, na “aliança
interclassista com os setores mais produtivos e dinâmicos [da] burguesia
nacional” e na “mobilização democrática para a realização das reformas de base”
(COCCO e CAVA 2018, p.58). Mas eis que cada um desses pontos programáticos
acaba engendrando um correspondente fiasco não apenas econômico como também
imediatamente político, determinando assim o “fracasso desse arranjo
institucional”: o Estado soberano mais fortemente centralizado não poderia
deixar de reproduzir uns “neoarcaísmos”, a aposta no papel propulsor da
burguesia produtiva nacional carecia de um inquérito preliminar sobre a sua
articulação interna e, finalmente, a meta de um programa de reformas
democráticas não levou minimamente em conta justamente a composição de classe –
as lutas:
Evidentemente,
o exame da situação pelos cepalinos supera as teorias da modernização que
prescrevem, ao Sul, uma trajetória semelhante àquela cumprida pelos países
desenvolvidos, do processo histórico geralmente, numa apreensão mistificada do
processo histórico. Mas, de qualquer modo, uma de suas premissas cruciais
continua sendo o diagnóstico de uma falta inscrita no DNA do Brasil, algo que
não se teve, em vez de apontar singularidades e genealogias próprias,
diferentes, animadoras de outras trajetórias, por mais precárias que sejam.
Esse é um problema de imagem. (COCCO e CAVA 2018, p.61)
Essa carência ou falta
constitutiva deriva de um valor preliminarmente posto para a própria valoração
nas análises, de um nietzschiano “valor dos valores”, ao qual é preciso opor
uma igualmente nietzschiana transvaloração, substituindo-lhe a “composição de
conflitos afirmativos, das lutas existentes e daquelas, inovadoras, ainda
difíceis de enxergar” (Ivi, p.60). Para cumprir tal transvaloração os autores
propõem uma distinção que, à lá Walter Benjamin, poderíamos definir de
“conceito de história”: retomando o fio dos Estudos Subalternos do historiador
indiano Dipesh Chakrabarty, se por um lado teríamos a recapitulação da história
feita pelo próprio capital a partir de um ponto de vista eurocêntrico, pela
qual as resistências não passariam de arcaísmos prestes a serem conglobados e
resolvidos, por outro lado, e de uma forma não simétrica, temos um emaranhado
multíplice de “devires, momentos de desestabilização e baralhamento, forças
centrifugas que permitam fazer escapar, fazer fugir da relação social do
capital” (Ivi, p.52). Em vista de uma “teoria da subjetividade no
subdesenvolvimento” onde este mesmo prefixo “sub” não seja mais significado por
algum etapismo industrialista ou desenvolvimentista, e sim designe as
resistências internas ao biopoder numa temporalidade histórica pela qual “aqui,
onde jamais fomos modernos, o pré-moderno salta diretamente ao pós-moderno que
sempre havíamos sido” (Ivi, p.11).
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
COCCO,
Giuseppe; CAVA, Bruno. Enigma
do Disforme. Neoliberalismo e Biopoder no Brasil Global. Rio
de Janeiro: Mauad X, 2018.
COCCO,
Giuseppe. MundoBraz. El devenir-mundo de Brasil y el
devenir-Brasil del mundo. Madrid: Traficantes de Sueños, 2010.
DELEUZE,
Gilles. Foucault. São
Paulo: Brasiliense, 2013.
DOMENICALI, Filippo. Divenire
Foucault. Del “pensare-con”. In:
DELEUZE, Gilles. Foucault. Tradução
italiana de Filippo Domenicali. Napoli-Salerno: Orthotes, 2018, p.163-171.
FOUCAULT,
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no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
FOUCAULT,
Michel. O Nascimento da
Biopolítica. Curso no Collège de
France (1978-1979). São Paulo: Martins Fontes, 2008.
FOUCAULT,
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no Collège de France (1977-1978). São Paulo: Martins Fontes, 2008b.
MACHADO,
Roberto (org.). Microfísica
do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1998.
OLIVEIRA,
Francisco de. O
Ornitorrinco. In: OLIVEIRA, Francisco de. Crítica à razão dualista. O
Ornitorrinco. São Paulo: Boitempo, 2013, p.125-150.
REVEL,
Judith. Michel
Foucault: Conceitos essenciais. São Carlos: Claraluz, 2005.
1 Vide por exemplo o famoso volume organizado por Daniel
Zamora, Critiquer Foucault; Michel
Foucault, les années 1980 et le néoliberalisme, Bruxelas: Aden, 2014.
2 O “tipo murta” aqui
mencionado pelos dois autores refere-se explicitamente à celebre distinção instaurada pelo
antropólogo Viveiros de Castro em A
inconstância da alma selvagem (São Paulo: Cosac e Naify, 2002) entre dois
diferentes tipos de “metabolização metafísica”, por parte dos índios, de formas
que os colonizadores pretenderiam impor-lhes: “De um lado, a técnica da
moldagem civilizatória e catequética, em que o colonizador se vê como o cinzel
que pousa sobre o mármore bruto. O material pode até resistir bravamente ao
esforço sustentado que lhe busca imprimir contornos e identidades, porém, uma
vez dobrado, repousará pacificado na forma adquirida. Do outro lado, a
modulação ameríndia que absorve os golpes por mais violentos [que] sejam, diz
sim às pancadas, e se lhes amolda sem maiores traumas ou afrontas. Contudo, no
dia seguinte, como a murta – planta usada para fazer cercas e estátuas vivas-,
crescerá para os lados, desalinhará ramos, projetará anomalias, bagunçará as
feições pretendidas. [...] Na verdade, o perspectivismo embutido na cosmologia
ameríndia punha em variação contínua e multiforme quaisquer formas que viessem,
ingenuamente, tentar abater-se sobre eles.” (COCCO e CAVA 2018, p.131).
3 As noções de biopoder e biopolítica aparecem pela
primeira vez em Foucault já em 1974, numa palestra realizada na Uerj (“O
nascimento da medicina social”. In: MACHADO, Roberto. (org.). Microfísica do
poder. São Paulo: Graal; 1998. p. 79-98; vide particularmente p.80; 83-84): o
corpo é investido, entre os séculos XVIII e XIX, por um processo de
“estatização” - por técnicas articuladas pela “razão de Estado” - o qual faz
com que o próprio corpo seja “socializado” justamente em prol da maximização
das forças do Estado. Num segundo momento encontramos novamente ambos os
vocábulos na última aula do Curso ao Collège de France de 1976, Em Defesa da Sociedade (FOUCAULT 2005,
p.285-315): de uma “anatomia política” dos corpos própria daquela “microfísica
do poder” que se articulava através das disciplinas passou-se, sempre segundo a
mesma cronologia, a uma consideração do corpo, por parte da tecnologia
governamental da razão de Estado, enquanto “corpo-espécie” – e não mais apenas
como “corpo-máquina”, conforme era tratado/produzido pela tecnologia
disciplinar, sendo que, contudo, esta última tecnologia não seja “superada”, e
sim resulte articulada àquela. A partir portanto da segunda metade do século
XVIII, conforme reconstruído por Foucault, a arte de governo – a da razão de
Estado num primeiro momento, a liberal num segundo momento- tem por alvo
precisamente os problemas concernentes a uma nova superfície de aplicação e
apoio que lhe constitui um indispensável correlato: a população – isto é, não
mais apenas os indivíduos tomados singularmente – no seu conjunto de problemas
específicos, tais como a taxa de natalidade, a mortalidade, a morbidade, as
epidemias e as endemias. O Curso de 1978 intitulado Segurança, Território, População retoma e mantém esta descrição
(Cf. FOUCAULT 2008b, p.4-6). Vale ressaltar que os dois verbetes aparecem nos
textos citados sendo empregados como sinônimos por Foucault.
4“Conduta” é exatamente o que, em termos mais gerais,
pode ser considerado o alvo específico da arte de governar para Foucault.
5 A resolução da mais-valia absoluta na relativa é o que,
segundo Oliveira, marcou a passagem da Segunda Revolução Industrial (fordismo)
para a Terceira (“acumulação molecular-digital”), fazendo com que o trabalho informal se tornasse a nova (des)medida
do valor: “No fundo, só a plena validade da mais-valia relativa, isto é, de uma
altíssima produtividade do trabalho, é que permite ao capital eliminar a
jornada de trabalho como mensuração do valor da força de trabalho, e com isso
utilizar o trabalho abstrato dos trabalhadores “informais” como fonte de
produção de mais-valor. Este é o lado contemporâneo não-dualista da acumulação
de capital na periferia, mas que começa a se projetar também no núcleo
desenvolvido.” (OLIVEIRA 2013, p.137)
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