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O reconhecimento cultural: para sociedades mais inclusivas, a partir de Charles Taylor


Maria Rosa Afonso*
Henri Cartier-Bresson - Mississipi 1947

RESUMO
O texto tem como objetivo analisar como Charles Taylor, filósofo canadiano, fundamenta a noção de reconhecimento cultural, partindo do pressuposto de que, quando uma cultura permite aceder a um quadro superior de valores e dá aos seus membros uma orientação para o bem, têm um valor intrínseco que deve ser considerado e valorizado. É este princípio – o do igual valor cultural – que torna possível a abertura, o diálogo e a fusão de diferentes horizontes culturais, tornando possível um reconhecimento de respeito e de reciprocidade, capaz de construir sociedades mais inclusivas. 
Palavras-chave: bem e identidade, fusão de horizontes, reconhecimento cultural, inclusão social.

INTRODUÇÃO
As sociedades atuais são cada vez mais heterogéneas, sobretudo, nas grandes cidades, onde existem largas dezenas de grupos minoritários, de diferentes origens, percursos e modos de vida. São pessoas que, supostamente, as leis protegem, uma vez que vivemos em países que defendem a democracia, os direitos humanos e a pluralidade de convicções, contudo, persiste a exclusão de determinados grupos culturais, sejam minorias históricas ou novas minorias.
Na sociedade portuguesa, estão, desde sempre, os ciganos, mas, também, outras comunidades, sobretudo, de origem africana, que chegaram a seguir à descolonização e, mais recentemente, outros grupos de migrantes de origem, expressão e inserção muito variáveis, sendo a comunidade brasileira a mais numerosa. Trata-se, nalguns casos, de comunidades ignoradas ou não devidamente reconhecidas, havendo, por isso, muitos estereótipos que levam a precipitados julgamentos, acentuando as dificuldades da integração.
Hoje, acresce, a esta diversidade, já existente, sucessivas vagas de migrantes e de refugiados, oriundos de guerras, de ditaduras, como a da Venezuela, ou fugindo de condições de miséria em que vivem muitos países da Ásia ou da América Latina. São grupos de pessoas a quem as instituições supranacionais, nomeadamente as Nações Unidas e suas Agências, não têm sido capazes de dar respostas atempadas e suficientes, nomeadamente ao nível do acolhimento.
A compreensão do problema está longe de ser satisfatória, muitos cidadãos questionam-se sobre o que urge fazer; quais os conceitos que é preciso reafirmar, redefinir ou incorporar, ao debate filosófico e também social, para que os grandes problemas da atualidade se possam enfrentar, com outra capacidade de resolução, sem perder o respeito que devemos ter uns pelos outros. É nosso entendimento que um dos conceitos que tem vindo a ganhar crescente relevância é o do reconhecimento cultural, que analisaremos a partir de Taylor (1998a; 1998b; 2009).
Para este autor, as políticas dos direitos e deveres universais conduziram a uma neutralidade que se mostrou incapaz de lidar com as diferenças, por incapacidade de criar respostas para as particularidades e os objetivos de grupo que as minorias reivindicam e querem ver reconhecidos. Direitos que, por fazerem parte daquilo que as diferentes comunidades são, e sentem ser, ganham uma importância e uma legitimidade a que é preciso atender.
Na verdade, a identidade não é uma noção universal, tem na base um horizonte cultural concreto e um quadro de valores que dão sentido a uma vida que vale a pena ser vivida; assim, não chega reconhecer a existência e a sobrevivência das minorias, é preciso considerar o seu valor próprio, independentemente do número de pessoas que pertençam, em determinada sociedade, a esse grupo cultural.
É a importância da identidade cultural que leva Taylor a pressupor o igual valor de todas as culturas e a argumentar, no sentido das mesmas deverem ser reconhecidas, em espaço público, onde as discriminações acontecem, através da fusão de horizontes e da implementação efetiva de medidas diferenciadoras, só possível a partir de uma noção substantiva de justiça que diferencie, sem homogeneizar e sem separar.
O texto desenvolve-se em cinco pontos: no primeiro, analisamos a importância do horizonte cultural de cada indivíduo, naquilo que é a sua orientação para o bem e a sua identidade pessoal e de grupo; no segundo, analisamos a necessidade do pressuposto do igual valor cultural, para que a fusão de horizontes seja possível; no terceiro, analisamos o que significa um reconhecimento cultural de reciprocidade e de respeito entre todos os grupos; no quarto, procuramos perceber como este reconhecimento pode levar a sociedades mais integradas e inclusivas; e, por fim, no quinto, apresentamos algumas conclusões.

CULTURA, BEM E IDENTIDADE
              Para Taylor, o que define o que somos é, fundamentalmente, a nossa pertença a uma cultura, a um quadro de valores, onde encontramos uma orientação para o bem. Importaria, assim, clarificar o que significa esta orientação para o bem.
“A nossa orientação em relação ao bem exige não só alguns quadros que definam a forma do que é qualitativamente superior, mas também um sentido da nossa posição nesses quadros. Esta questão não é neutra, pelo contrário, uma vez que estamos perante uma das aspirações mais fundamentais dos seres humanos, que é a de estarmos em relação ou em contacto com o que é percebido como o bem, com o que possui uma importância capital ou um valor fundamental” (TAYLOR, 1998a, p. 64).

Ou seja, precisamos encontrar quais os valores em que assentam as nossas atitudes e as nossas ações; valores não meramente individuais ou subjetivos, mas partilhados com a comunidade cultural a que pertencemos; precisamos, igualmente, de saber como é que cada um se apropria desses valores, como se posiciona frente a essa configuração moral.
            No dizer de Camati: “É preciso, pois, compreender em que posição me coloco diante do horizonte de significado que está diante de mim”. (CAMATI, 2016, p. 119). O que supõe confrontar e hierarquizar valores, para que cada um possa, em cada escolha, perceber o que é mais valioso, melhor, mais puro, mais digno, mais adequado… e decidir em conformidade – sempre, em vista de um bem fundamental que é o que dá coerência e sentido a uma vida plena.
Nesta hierarquização de valores, há bens de diferente natureza; mas, para Taylor, os “...que definem a nossa orientação espiritual são aqueles por meio dos quais medimos o valor das nossas vidas” (TAYLOR, 1998a, p. 64). Fica, assim, clara a importância das crenças e das convicções, naquilo que são as referências fundamentais de cada indivíduo.
               Algumas dessas referências vêm de muito longe; vêm daquela família, terra, igreja (templo, mesquita, sinagoga...), escola, praça ou rua, da nossa infância, onde aprendemos a distinguir o bem do mal, o correto do incorreto, o justo do injusto...; onde aprendemos a dar valor a umas coisas e a desvalorizar outras, desenvolvendo um sentido moral que nos orientará pela vida, mesmo que possamos adquirir outras referências, que podem tornar-se, igualmente, importantes, no nosso pensar e no nosso agir.
             Se perguntássemos a alguém que acabámos de conhecer: “Quem é o senhor”? Com grande probabilidade, recuaria a contextos familiares e sociais, antes, de referenciar outros aspetos marcantes da sua identidade, adquiridos ao longo do tempo. Diria, conforme o caso: “Sou português, nasci no interior do país, venho de uma família rural, sou católico, advogado, gosto de viajar...” – um conjunto de pertenças que situam o sujeito em contextos culturais e sociais concretos, determinantes da sua identidade pessoal e de grupo.
            É por isso que, quando os indivíduos pertencentes a minorias culturais, religiosas ou outras, não encontram, na sociedade de que fazem parte, as condições necessárias à vivência pública dessa identidade, tendem a substituir os seus valores pelos da maioria social ou a levar para espaço privado as práticas identitárias de que precisam para viver bem e com sentido – para referir um exemplo, recordemos a este propósito o que aconteceu, durante muitas décadas, com os judeus de Belmonte (Portugal) que viveram, privada e quase clandestinamente, a sua crença judaica.
             A importância das referências culturais é de tal ordem que Taylor considera, a sua perda, a segunda maleita das sociedades modernas, a que chama da “primazia da razão instrumental”, a par do “individualismo”, primeira maleita, e da existência de “estruturas que restringem as nossas escolhas”, terceira maleita. (TAYLOR, 2009, p. 20-23). Estes males conduzem, quase, inevitavelmente, a indivíduos desencantados e a sociedades desarticuladas, onde cresce a incomunicação, a não-relação, o egoísmo, a falta de solidariedade...
            Este desencantamento e esta desarticulação não são coisas vagas, podemos senti-las. De algum modo, todos já tivemos, e temos, a sensação de viver em contextos, e em espaços sociais, onde tudo são ilhas, onde tudo são fragmentos, onde parecem não existir valores comuns, nem sentimentos de pertença, capazes de criarem um verdadeiro sentido de comunidade. Ao mesmo tempo, que isto acontece, vai-se instalando a crença na autorrealização e na autossuficiência, como se não precisássemos de ninguém, como se, submergidos, cada vez mais, em tecnologia, nos tornássemos invulneráveis à necessidade de referências, de relações e de compromissos humanos.
           Puro engano. Essa desintegração leva-nos “...em primeiro lugar àquilo a que podíamos chamar a perda de sentido, o esbatimento dos horizontes morais. Em segundo o eclipse dos fins face à desenfreada razão instrumental. E por fim a perda da liberdade” (TAYLOR, 2009, p. 25). Para recuperar esses horizontes morais, com significação identitária, temos de regressar à nossa comunidade cultural e questionar: Quem somos? Que valores são os nossos? Com quem os partilhamos? Por que valem para nós?
          É a “apropriação”, por cada indivíduo e por cada grupo, dos valores da sua cultura, que cria as condições necessárias para a abertura a horizontes culturais diferentes, sem perigo de se perderem as referências fundamentais de uns e de outros; nessa abertura, as diferentes culturas devem procurar não um afastamento, mas uma aproximação, capaz de criar um horizonte alargado de valorização, onde a fusão de horizontes possa ocorrer.

O IGUAL VALOR CULTURAL E A FUSÃO DE HORIZONTES
            A fusão de horizontes é um conceito determinante, no reconhecimento cultural, proposto por Taylor; trata-se de um processo que implica, desde logo, “...que todos reconheçam o valor igual das diferentes culturas: que as deixemos, não só, sobreviver, mas também admitamos o seu mérito” (TAYLOR, 1998b, p. 84).
          A admissão do igual valor cultural, obriga-nos a mudar de atitudes. Assim, frente a culturas que desconhecemos, não podemos, mais, ter atitudes de condescendência, achando que tudo é bom, nem de arrogância, achando que tudo é mau, mas, antes, de abertura e de diálogo, considerando possível um estudo e um conhecimento mútuos.
No dizer de Taylor:
“O que tem de acontecer é aquilo a que Gadamer chamou a fusão de horizontes. Aprendamos a movimentar-nos num horizonte mais alargado dentro do qual partimos já do princípio de que aquilo que serve de base à valorização pode ser considerado como uma possibilidade a par do background da cultura que antes nos era desconhecida” (TAYLOR, 1998b, p, 88).

Ou seja, é preciso, primeiro, querer participar, nesse horizonte alargado de valores, onde os diferentes horizontes culturais se encontram; a seguir, considerar que os critérios, para as culturas se avaliarem umas às outras, não são os que cada uma possui, mas, os de cada uma com os de todas as outras. Nesse movimento de reconhecimento cultural, os diferentes grupos influenciam-se e enriquecem-se reciprocamente e, no final, os diferentes critérios são modificados pela “fusão resultante”.
          O reconhecimento é possível, porque todos aceitam modificar os seus critérios iniciais, num processo permanente de abertura e de diálogo; por isso, o que devemos ter “...não são juízos de valor perentórios e falsos, mas uma disposição para nos abrirmos ao estudo comparativo das culturas do tipo de nos obrigar a deslocar os nossos horizontes nas fusões resultantes. (TAYLOR, 1998b, p, 94).
           Esta disposição para fundir horizontes culturais distintos e a possibilidade de encontrar valores em que todos se empenhem mudam a perspetiva da relação multicultural: não podemos, mais, querer que os diferentes grupos estejam, ali, de costas voltadas, sem se abrirem uns aos outros; temos de fazer tudo, o que for possível, para que o reconhecimento recíproco tenha lugar e para que a fusão resultante não seja mera formalidade, mas, sim, um compromisso para a ação empenhada de todos.

RECONHECIMENTO E RECIPROCIDADE
            Pode pensar-se que este reconhecimento – por exigir abertura e respeito pelo princípio do igual valor de todas as culturas – encontrará muitas dificuldades na sua concretização. Assim, é. Desde logo, porque existem culturas muito fechadas, seja por fundamentalismos extremos, seja por segregação de determinados grupos, ocorrida ao longo de séculos.
             No caso dos extremismos, o fechamento deve-se à impossibilidade de reconhecerem outros ideais de bem que não os próprios e, portanto, da fusão de horizontes não ser possível. No segundo, porque o não reconhecimento ou o reconhecimento incorreto, “...podem ser uma forma de agressão, reduzindo a pessoa a uma maneira de ser falsa, distorcida, que a restringe” (TAYLOR, 1998b, p, 45), pois, esses grupos, ao vivenciarem um sentimento de inferioridade, ficam sem capacidade de participar no debate público – são referidos os casos dos negros e dos índios, entre outros exemplos.
            Contudo, por mais afastadas e diferentes que determinadas culturas tradicionais nos possam parecer, todas as “...que articularam o sentido de bem, de sagrado, de excelente – possuem, é quase certo, algo que merece a nossa admiração e respeito, mesmo que possuam, simultaneamente, algo que condenamos e rejeitamos” (TAYLOR, 1998b, p, 93). E, por isso, se existirem condições materiais, plataformas de diálogo, envolvendo indivíduos, grupos e instituições do Estado e da sociedade civil, o encontro, o debate e o reconhecimento recíproco são possíveis.
           Este processo de reconhecimento cultural pode ser dado pela imagem de uma praça, com múltiplos acessos, onde os diferentes grupos chegam, livremente, sem constrangimentos, seja de que ordem for – étnica, social, cultural, religiosa...; sem preconceitos, pré-juízos, desvalorizações ou hierarquizações sociais; sem lugares marcados, sentados, todos, à mesma distância do centro, sem ninguém no palco e também sem ninguém nas margens. A praça é o lugar do encontro, onde, em debate franco e construtivo, se respeita a diversidade, se afirmam identidades e objetivos de grupo, se discutem diferentes noções de bem, se definem interesses comuns, se garante a justiça, se elegem representantes, se constrói a participação..., num movimento de interação em que reconhecemos e somos reconhecidos.
             É um reconhecimento com um duplo movimento, de nós para os outros e dos outros para nós, de sentido ético e de dimensão social. Por isso, há limites (ou condições) para a entrada na praça (continuando com a mesma imagem), para a discussão dentro da praça e para o que é possível aceitar, no que respeita ao viver social. Entra, quem tem valores e está decidido a partilhá-los, num horizonte alargado de valorização (o espaço da praça não comporta nem vazios nem radicalismos); discute, quem se dispõe a aceitar os princípios éticos da reciprocidade e do respeito que todos devem ter entre si e que cada minoria deve ter em relação a cada uma das outras; e funde-se, no sentido de poder ser partilhado, o que a sociedade pode reciprocamente aceitar, sem tiques de superioridade, por parte de nenhum grupo, por mais maioritário que seja.
             Assim, apesar de todas as culturas serem igualmente valorizadas, na abertura ao diálogo cultural, cada uma delas tem de mostrar empenhamento, no que se refere ao reconhecimento recíproco. Não é possível aceitar, desde logo, tradições culturais que coloquem em causa a vida humana, mutilem e discriminem as mulheres, marginalizem os deficientes, maltratem idosos, aceitem a exploração de seres humanos, façam tábua rasa da justiça, pactuem com a corrupção, ignorem máfias organizadas…; mas, é possível reconhecer os valores e as convicções fundamentais à identidade cultural de cada grupo, por exemplo, a forma como vivem as suas crenças e os seus valores; a forma como vêm as relações familiares, sociais..., a educação dos filhos e, até, o modo como se vestem, se alimentam, ocupam os tempos livres..., sempre que isso não suponha, nem implique, pôr em causa o respeito mútuo e os direitos fundamentais que devem ser, em qualquer caso, assegurados.

RECONHECIMENTO E INCLUSÃO SOCIAL
              As sociedades multiculturais podem encontrar, na fusão de horizontes, as possibilidades efetivas para se tornarem mais integradas e mais inclusivas. Ou seja, podem encontrar uma ideia de bem que se constitua na base de uma justiça material, capaz de dar as melhores respostas para cada caso concreto.
           Temos, assim, na perspetiva do reconhecimento, uma noção de justiça que se afasta da universalidade das leis e deveres iguais para todos – defendida por autores como Rawls (1993) ou Cortina (1986) – para se aproximar de uma noção comunitária de justiça – defendida por autores como MacIntyre (2008) ou Walzer (1999).
             Na linha universalista, existe a separação entre individuo e cidadão, por se considerar que a justiça se sobrepõe, em espaço público, a todos os ideais de vida boa e, por isso, deve ser aplicada, a todos, de igual maneira; enquanto, na linha comunitarista, não há a separação entre indivíduo e cidadão, não há o indivíduo universal, desenraizado e, portanto, não há uma ideia abstrata de justiça, mas um sentido de justiça que inclui o que cada comunidade entende como justo.
             Obviamente que, no caso concreto das minorias, o que cada comunidade entende como justo é o reconhecimento da sua própria identidade, esses valores partilhados que são referência para o modo como os indivíduos pensam, sentem, criam sentido, seja através de crenças, seja através de manifestações artísticas (literatura, poesia, dança, música, teatro…) e vivem as suas vidas.
           Esta legitimidade, a ver reconhecida a identidade cultural, obriga os poderes públicos, leis e instituições do Estado, a pensar a questão da articulação das diferentes identidades; uma articulação que respeita o que cada uma é, sendo capaz, ao mesmo tempo, de criar um espaço de valorização partilhado.
         Assim, não faz qualquer sentido, a existência de comunidades separadas: os ciganos, os africanos, os indianos, os chineses, os paquistaneses, os muçulmanos, os cristãos, os hindus, os judeus...; mas, sim, a existência de comunidades integradas, onde todos se valorizam e se reconhecem; uma sociedade onde não há estranhos.
            Portanto, defender o reconhecimento cultural, é a possibilidade de construir uma inclusão, a partir das especificidades e não contra elas; é a possibilidade de criar iguais oportunidades de participação, no debate e na vida públicas, abrindo espaço para pessoas mais felizes (o resgate do encantamento individual) e para sociedades mais justas (o resgate da articulação social), mesmo que isto não seja fácil nem isento de problemas. Pois, segundo Gondim:“… a eliminação radical do conflito não é um objetivo pretendido por Taylor, já que, para o autor, esse conflito é o que constitui a própria identidade e as relações que dela decorrem” (GONDIM, 2014, p. 263).

CONCLUSÃO
               Podemos concluir que, sem reconhecimento cultural, com base no princípio do igual valor de todas as culturas, não parece possível criar sociedades inclusivas, mesmo que exista, como acontece nas sociedades democráticas e liberais, a garantia formal de uma igualdade de direitos. Não chega, portanto, declarar princípios de igualdade e de não discriminação, importa perceber como é que se tornam uma realidade, na vida dos indivíduos e das suas comunidades.
               Outro ponto que importaria concluir tem a ver com a possibilidade de uma nova cidadania – a cidadania do reconhecimento – mesmo que Taylor não estabeleça como efetivar políticas ativas, nem especifique “…os tipos de direitos necessários para garantir a sobrevivência identitária dos grupos” (SILVA, 2006, p. 320). Trata-se de uma cidadania que reconhece e assegura direitos fundamentais e direitos específicos, conforme as particularidades identitárias das minorias, sejam históricas, resultantes de processos descolonização, de migrações ou de vagas de refugiados que têm por motivos económicos ou violência têm de deixar os seus países.
             Obviamente que as minorias colocam diferentes desafios aos Estados, neste último caso, os desafios da integração são, sobretudo, de natureza cultural e religiosa, com diferentes preconceitos a ocorrerem. Portanto, a questão do reconhecimento adequado está, cada vez mais, na ordem do dia, nas práticas de acolhimento que as instituições devem definir e implementar.
             É preciso que todos, indivíduos, grupos e sociedade em geral, tenham presente que “...o respeito devido não é um ato de gentileza para com os outros. É uma necessidade humana vital” (TAYLOR, 1998, p. 46). Este é o ponto fundamental, porque todos precisam de se sentir respeitados e isso passa pelo reconhecimento do que cada um é.
             Finalmente, outro ponto, que importaria ter em conta, tem a ver com a formação: sendo o reconhecimento cultural um processo necessário e permanente, as sociedades multiculturais deveriam empenhar-se não, apenas, na sensibilização para a diferença, mas, também, na aquisição e no desenvolvimento de competências culturais – como o referido, na Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, numa das linhas de ação: “Promover, por meio da educação, uma tomada de consciência do valor positivo da diversidade cultural e aperfeiçoar, com esse fim, tanto a formulação dos programas escolares como a formação dos docentes” (UNESCO, 2002). A clareza deste enfoque mostra a importância dada ao tema, nas práticas educativas, cabendo à escola um relevante papel.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CAMATI, O. Os vínculos entre identidade e bem em Charles Taylor. Revista Contemplação, n. 13, 113-124, 2016, p. 119.
CORTINA, A. Ética Mínima. Madrid: Ediciones Tecnos, 1986.
GONDIM, L. C. D. A luta contínua: sobre a tensão entre autenticidade e reconhecimento na filosofia de Charles Taylor, Anais do seminário dos estudantes de pós-graduação em filosofia da UFSCar, 10ª edição, 2014, p. 263.
MACINTYRE, A. Tras la virtud. Barcelona: Editorial Crítica, 2008.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. Lisboa: Editorial Presença, 1993.
SILVA, L. T. O multiculturalismo e a política de reconhecimento em Charles Taylor... NEJ, 11 (2), 313-322, 2006, p. 320.
TAYLOR, Ch. Les sources du moi. Paris: Seuil, 1998a.
___________. (Org.). Multiculturalismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1998b.
___________. A Ética da Autenticidade. Lisboa: Edições 70, 2009.
UNESCO. Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural, 2002.
WALZER, M. As Esferas da Justiça. Em defesa do pluralismo e da igualdade. Lisboa: Editorial Presença, 1999.

AUTORA
*Maria Rosa Afonso, professora aposentada do sistema de ensino português, é licenciada em Filosofia, com Pós-graduação e Mestrado em Ciências da Educação, respetivamente, nas áreas da Avaliação em Educação e da Formação de Professores, em faculdades da Universidade de Lisboa. Desenvolve investigação nas áreas da ética, da cidadania, dos direitos humanos e da interculturalidade.

como citar:
AFONSO, M. R. O reconhecimento cultural: para sociedades mais inclusivas, a partir de Charles Taylor. Revista Sísifo, n° 9, v. 1, 30 de junho de 2019.

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