O nascimento


Revson Costa dos Santos


     Todas as pessoas recordam suas infâncias vividas, porém, nos dias de minhas existência, eu não compreendo o significado: apenas abri os olhos e pude enxergar o mundo. Vi as plantas, os animais, o céu... Toquei algumas coisas e pude sentir prazer. Outras me causaram dor e dessas me afastei. Não me lembro do primeiro dia como um ser. No entanto, lembro que ao abrir os olhos pude perceber o que é estar vivo. Mesmo sem conhecer, pude entender, naquele momento, o que é existir.
     Durante muito tempo, fiquei parado, até o meu corpo sentir uma tremenda agonia. Então um estranho desejo de andar me tomou. E como algo que eu não controlo, simplesmente andei. Os primeiros passos eram difíceis, mas depois de ter dado cinco ou seis passos eu percebi que o meu corpo se locomovia com naturalidade: estava descalço e pisei em pedras que me fizeram entender que a caminhada talvez não fosse tão fácil. Enquanto entendia como o todo funcionava, percebi que algo me fazia compreender as coisas. Aquilo que me fazia compreender o funcionamento das coisas eu chamei de pensamento.
     Andei algumas horas e encontrei um ser com as mesmas características físicas que as minhas. O que nos diferenciava era o seu pêlo debaixo do queixo. Ele estava de joelhos e suas mãos estavam grudadas umas nas outras. Naquele momento, uma agonia me tomou, a mesma agonia que me fez andar. Então, perguntei de maneira impetuosa:
     - O que você está fazendo?
     O ser nada respondeu. Ele permanecia na mesma posição, como se estivesse em  transe. Meus olhos estavam focados naquele ser e, por uma fração de segundos, desviou-se para o horizonte onde mais seres de diferentes aparências mas de formas iguais o mesmo faziam.
     Fiquei mais uma vez surpreso com a resposta que o andar me trouxe. Deduzi que andar me traria mais conhecimento sobre aquilo que eu não conhecia, tirando-me de um estado de solitude no qual achava me encontrar. Após o término da epifania coletiva, o ser que até então estava em transe me respondeu:
     - Estamos rezando para Deus, e nós, homens, devemos rezar para conseguir salvar as nossas almas.
     Deus? Alma? Homens? Tudo em meu pensamento entrava em colapso, e me perguntei o porque de todos saberem tanto mais que eu, sendo que todos parecíamos os mesmos.
     - Eu sou um homem? – perguntei timidamente
     - Sim, você é- Ele riu- E por que não seria? O que diferencia você de mim? E todos os outros de você? Em essência, todos somos o mesmo.
     - Como todos podemos ser o mesmo se eu não conheço o mesmo que você conhece? - retruquei.
     - Quero dizer, garoto, que todos somos o mesmo em matéria, tudo em que consiste o nosso corpo é feito do mesmo. As únicas coisas que  me fazem  diferente de você são as particularidades, que chamamos de conhecimento.
     -Compreendo, mas... De onde nós viemos?
     -Somos a pura criação de Deus.
     Deus?Ele já tinha dito, mas ao me deparar com tantas curiosidades, me esqueci de perguntar do que se tratava
     -Deus? O que é Deus?
     - Essa é uma pergunta, garoto, que une e separa os homens.
     -Você está querendo dizer que somos feitos por Deus e que ele, ao nos criar, nos separa?
     -Garoto, talvez eu não saiba responder às suas perguntas, e elas são perigosas, de modo que me abstenho de respondê-las, pois, pelo que percebo, a sua fé é diferente da minha. O que posso lhe dizer é que Ele existe, mas não podemos tocá-lo.
     Às duras palavras, ele saiu. E saiu com tamanha pressa que me perguntei: “será que andar mais rápido trará mais conhecimento?” O homem saiu tão depressa que nem pude descobrir o que ele entendia por alma, e agora existiam três coisas com que minha agonia iria se ocupar: Homem, Deus e Alma. Pelo menos a explicação sobre Deus ele me deu. Entendi que eu era um Homem e que todos os outros iguais a mim e diferentes do que são os animais, são também Homens. A única coisa que eu não compreendia era o porquê falar sobre Deus era algo tão delicado, e o porquê de todos aqueles homens estarem em transe? Por ser Deus uma busca  um pouco delicada, quero andar em direção a Alma.

Da descoberta
     
     Nas minhas andanças, observei com afinco a natureza e, ao tocar a terra, fui até onde os meus olhos enxergam, ficando com a dúvida sobre o que é conhecer de fato algo. Considerando que tudo é matéria, inclusive a minha própria existência, deduzi que matéria é tudo aquilo que eu posso ver, tocar, ouvir, perceber.
     Um dia, porém, enquanto pensava sobre as coisas palpáveis, ouvi um choro: era algo agoniante que eu não sabia definir. Fui em direção àquele grito. Parecia-me um choro de criança recém nascida, mas não tinha como saber do que se tratava sem ver, e pela primeira vez duvidei do meu julgamento do ouvir. Andando lentamente e observando tudo ao meu redor, encontrei a fonte do grito: o que eu pensava ser um recém-nascido era na verdade um felino. Meus pensamentos estavam agoniados com a descoberta. Como eu poderia estar enganado? Eu andei e sabia o que as coisas eram, será que eu poderia confiar nas coisas que eu vi, toquei, ouvi e percebi? Pelo visto a resposta era não. Percebo que os meus sentidos fazem-me ter conhecimento da existência das coisas e o meu pensamento servia para ajustar aquilo que antes busquei conhecer e investigar durante as andanças.Mas as deduções eram imprecisas, ou seja, se eu podia me enganar agora, eu podia me enganar sempre.
     Após esse engano, me impus um método de dúvida sobre as coisas conhecidas e de tudo o que passaria a conhecer. Antes de definir o que seria essa coisa, eu duvidei. Não acreditava em nada, nem mesmo no que eu podia sentir e, por um momento, duvidei inclusive de mim mesmo. Ao descansar e dormir, sonhei; e dessas coisas eu também duvidei. No meu interior nada gritava mais do que a dúvida sobre o que é real, pois se estou em dúvida sobre eu próprio, por que um sonho também não seria real? Visões distorcidas de um mundo que eu naturalmente manipulava, que eu poderia tocar, entrar nas coisas que eu pensava conhecer.
    Num desses dias em que dormia, tive um sonho perturbador: via coisas caindo e, como essas coisas, eu também caía de abismos, corria e não saía do lugar; e então fui tocado por uma mão gigante pedindo-me calma, mão que em seguida desapareceu. Ao acordar, assustei-me com uma mulher ao meu lado. Sua mão tocava-me o rosto Despertei por completo, acalmei-me e, após uma longa respiração, olhei-a:
     -Olá, senhor! Você parecia estar num sono perturbador – disse ela com uma voz que acalentava os meus sentidos.
     - Sim, parece que o outro mundo não me queria lá dessa vez.
     - Outro mundo?! – com surpresa
     - Sim, o outro mundo. Descobri que existem dois mundos: esse no qual eu falo com você e o outro no qual eu posso manipular e adentrar as coisas que desejo de fato conhecer.
      - Mas tudo o que você viu nesse outro mundo não é real. – ela afirmou veemente.
      - Como você pode saber?
      - Bom, esse outro mundo é o “mundo dos sonhos”. Lá, você tem apenas imagens do mundo real que são reproduzidas e misturadas. Perceba que lá você pode manipular e às vezes se perder, mas a sensação de tocar não é verdadeira.
      - Como você pode afirmar isso com tanta certeza? Afinal essa conversa que estamos tendo pode não ser verdadeira também!
       - Você tem razão em duvidar, mas existe algo que você precisa levar em consideração.
       - Do que se trata?
    - Bom... O que faz você cogitar que isso que você está fazendo agora no momento não é verdadeiro?
      - A minha experiência de que até os meus sentidos podem me enganar, pois desde o primeiro engano eu decidi que de tudo duvidaria.
        - Compreendo. Mas o que fez você chegar a essa decisão de duvidar de tudo?
        - O meu pensamento.
        - Eu chamaria de sua razão isso que você chama de pensamento.
        - Então, o meu pensamento não é pensamento? É razão?
      - Imagine um homem, e no lugar da cabeça desse homem há uma cabeça de gato, você consegue?
       -Sim.
      - Eles existem? Ou você já viu um espécime assim em algum lugar?
      - Não, nunca vi.
      - Então é possível ver esse mesmo espécime nos seus sonhos, já que lá você o manipula?
      - Sim. Lá parece mais real do que nesse mundo.
      - Então você pode definir como ele é? Qual a sua voz? Qual a sensação que ele causa em você?
     - Só posso definir pelo que você descreveu, pois apenas imagino pelas pequenas características que ele pode ser de uma determinada forma.
       - Então não há como comprovar sua veracidade.
       - Sim e neste caso não posso exercitar a minha dúvida sobre a sua existência.
     - Neste mundo você é capaz de sentir, definir, pensar e julgar. O mais incrível de tudo é que é exatamente esse pensamento de dúvida que faz você estar aqui em realidade, pois se nos sonhos você não tem concretude sobre os seus pensamentos, aqui você pode encontrá-los e duvidar sem perder o controle do todo. Nos sonhos, ou no outro mundo, esse controle não existe, ele é falso, é como o seu pensamento, que você apenas deduz que seja, mas não tem como comprovar.
     Após um breve momento de conversa ela tirou de mim aquilo que era a minha maior dúvida, mais calmo sobre minha existência encontrei nela um motivo para seguir e uma nova forma de entender o funcionamento das coisas.
     - Suas palavras trouxeram de volta a minha paz; meus pensamentos agora não duvidam de tudo, pois resolveu-se o principal dos questionamentos: se eu existo em realidade aqui ou no outro mundo.
Ela se levantou e estendeu a mão, oferecendo-me um pão. Após dias em jejum, saboreei vorazmente a oferenda.
     - Preciso ir – disse ela. Tenho deveres a cumprir e não posso deles distrair-me.
    - Obrigado pelo pão e por saciar a minha maior fome, a fome do  esclarecimento. As coisas estavam tortas em minha razão.
     Ela,sorriu e apressadamente foi embora. Dei-me conta de que o poder de convencimento exercido sobre mim havia sido forte. Ela falava de uma maneira que diluía o duvidar, como se houvesse respostas para qualquer questionamento que eu viesse a ter. Contudo, eu não podia deixar de seguir a minha maneira de entender o todo, mas o pequeno diálogo me fez seguir novamente, possibilitando essa clareza sobre os dois mundos: o mundo dos sonhos e o mundo tangível. Agora  conseguia entender que eu era um homem porque  possuía a razão e, por possuir a razão, eu era um homem. Mas seriam todos os homens racionais? E a irracionalidade pertencia somente aos animais? Minhas perguntas jamais acabavam. Mas diante de tantas dúvidas sobre o mundo, não podia me desviar das que mais me incomodavam, entrando em uma digressão desnecessária. Após comer o saboroso pão, levantei-me e continuei a minha busca por mais respostas.

 A morte

      A longa caminhada tornou-se meu prazer, até mais do que refrescar-me com sede. Esse, eu julgava ser o maior dos prazeres, aquele com que apesar do cansaço, eu não me dava por satisfeito, pois o meu desejo era visitar ainda mais o mundo, suas coisas e os seus fenômenos. Sua capacidade feroz de se movimentar e sua rispidez capaz de machucar trouxe-me mais uma surpresa: em uma de minhas caminhadas, testemunhei uma tempestade que  atingiu um pequeno vilarejo e tudo foi destruído. Pessoas morreram e, diante dos corpos, outras  rezavam. Durante esses momentos de prece, pude ouvir “Que Deus tenha piedade dessas almas”. Percebi que o meu pensamento sobre Deus e Alma estavam me deixando com fome novamente,  pois essas palavras reacenderam a minha curiosidade. Então pensei: “seria Deus o cuidador das almas?”  Até o momento eu imaginava que alma era a potência que me fazia estar vivo; então tudo que é vivo tinha alma? Esse pensamento  não me acalmava, e mergulhando um pouco mais fundo nas minhas observações, cheguei a três hipóteses:
1-      A alma é aquilo que nos controla.
2-      A alma é aquilo que nos move.
3-      A alma é aquilo que não podemos compreender.
    Nenhuma dessas conclusões me deixava em paz, pois se a alma é aquilo que nos controla, como posso diferir dos animais, supondo que eles também possuem alma já que estão vivos ?Na segunda máxima, como posso ignorar os membros dos quais meu corpo é feito? E na terceira premissa, não compreender só tornava a questão ainda mais curiosa. Como podemos ter um corpo por meio do qual possuímos controle sobre as coisas, e sobre o próprio questionamento da alma, e ainda assim não compreendê-los? Então lembrei-me da moça que me deu o pão. Ela dizia que temos o poder de compreender que a nossa existência é real porque estamos pensando sobre ela. Dessa forma, entendo  que os mortos nada podem fazer, pois a única substância que lhes resta é o corpo. Se desse corpo morto todas as coisas estão em seu perfeito lugar, há algo que o torna vivo. Entendo que a alma, neste sentido, é uma substância diferente do que é o corpo: ela está em comunhão enquanto o corpo vive e, em separação quando o corpo morre. A nossa capacidade de razão nos faz existentes e a nossa existência depende da alma e do corpo, pois sem a alma não podemos dar existência ao nosso ser, e sem o nosso corpo a alma não tem onde estar. Penso que nossa existência se torna completa com os dois  em conjunto, um eterno ciclo onde um depende do outro.

A impotência

      Perguntei a uma daquelas pessoas que rezavam por que Deus deveria ter piedade das almas e o que era Deus. Ela, muito assustada, afastou-se como se eu fosse uma pedra que machuca os pés daqueles que andam. Percebi que a minha pergunta incomodava, tanto quanto o seu espanto acompanhado de um olhar de repressão, o que me fez recuar. O que em minha pergunta havia causado tanta estranheza?
     Havia naquela cena de destruição uma grande quantidade de temor, aceitação e tristeza pelo que havia acontecido, o que eu não conseguia compreender, pois os corpos, simplesmente, não possuíam mais a substância Alma. O terrível clima de lamento e de perda estava rondando a pequena vila, pois para eles Deus havia levado as almas e deixado apenas os corpos, já    que possui o poder de fazer tais coisas. Perguntei-me o porquê de ninguém se revoltar contra Deus e apenas aceitar. Tomado de ira, gritei:
     - Isso é pura impotência!
     Alguns me olhavam e uma senhora que tinha no seu corpo marcas de muitas andadas, veio a mim e disse:
     - Garoto, nós somos impotentes diante do poder de Deus, ele tudo pode ver, tudo pode fazer e em todo lugar pode estar.
     - Então porque ele mata?
     - Faz parte da natureza do mundo, coisas precisam morrer para que outras venham a renascer.
     - E quanto à escolha?
    - Essa é uma escolha que você nunca terá. A morte é certa e não vem com avisos, ela existe para que a natureza possa renovar. O plano de Deus não é cruel e nem julgador, o plano de Deus é simplesmente natural.
    -Mas, onde está a justiça dessa escolha?
    - Os homens pensam justiça e Deus não é um homem.
    - E o que é Deus?
    - Bom, posso lhe dizer que Deus é o todo, ou seja, ele está em tudo. Aquilo que faz você estar vivo é uma pequena potência de Deus. De todos os animais do mundo, apenas o homem consegue criar com complexidade. Posso dizer também que Deus é um ente que criou o mundo e que controla o todo. Considerando tudo que você viu em sua vida, qual das duas opções você pensa ser mais coerente?
    - Considerando que eu não sei o porquê estou vivo, ambos os  “Deus” têm mais poder sobre mim. No entanto, pensar em algo que pode controlar tudo é pensar que qualquer escolha que eu faça é manipulada por ele, e eu, sendo Deus, não escolheria pôr em um ser a capacidade da dúvida. Portanto, o primeiro descrito me agrada mais.
     - Não é fácil aceitar Deus, afinal ele é uma fonte de questionamentos: que tipo de Ser criaria algo que dentro de si traria a dúvida?
     - Entendo... Então esse Deus a quem os homens ajoelham para rezar não é o Deus verdadeiro?
     - Eu não diria isso! Eles acreditam nesse Deus e, para eles, Ele existe.
   - Mas se fé é acreditar, significa que Deus depende da fé para existir. Mas... não basta apenas acreditar em algo para que essa coisa simplesmente exista.
    - Claro que não. Deus vai além do material, como lhe disse. Deus não é homem, ele não possui matéria ou forma, ele é simplesmente o todo, incluindo você.
     - Então eu sou Deus também?
     - Não, você é parte dele.
    Após essa definição, a dúvida ainda me tomava. Sobre ser um fato ou uma crença, tais  explicações não me convenceram e Deus pra mim permanecia uma incógnita, afinal, eu não o conhecia. Mantive-me insatisfeito com a resposta, mas não retruquei. Cordialmente, disse:
    – Muito obrigado. Você me deu um lugar por onde começar a pensar sobre Deus. De toda forma, entendo que pra mim isso não tem tanta importância, como o entender de como funciona o meu aprendizado, por exemplo, e que tipo de processo é esse que levo para compreender as coisas. Despedi-me da senhora e continuei a andar.
    A morte tinha seu motivo, mas Deus não, e segui andando entre pedras e  galhos que  se quebravam a cada pisada dada, alguns  tão rígidos que machucavam meus pés, fazendo-me parar algumas vezes. Em uma dessas paradas, havia um rio onde a água pacientemente corria. Enquanto olhava para o rio, meus pensamentos corriam apressadamente , apesar de meu corpo em repouso , posso dizer que a inquietude de meus pensamentos me tomavam a cada resposta encontrada , em um breve momento a bagunça do meu pensamento começava fluir como a água do rio que eu observava, nada melhor do que um pouco de calmaria na minha corrida mental :
      Sendo  Deus algo existente no universo, presente em meu mundo, onde tudo vê, tudo faz e tudo é, inclusive eu mesmo, sou  capaz de acessar tudo o que Deus criou, incluindo a minha razão e o meu ser. Essa capacidade de raciocinar me faz tanto duvidar da minha existência quanto acreditar nela. Supondo que eu acredite na minha existência, nada mais isso é que um exercício de fé naquilo que eu não posso tocar e nem sentir, que é a minha razão. Deus também é crença em algo que eu não posso tocar ou sentir, tornando-se assim algo baseado na crença dos homens, incluindo eu mesmo. Então,  como eu acredito na minha razão, não acreditar em Deus implica também sempre duvidar da existência da minha razão.

    Todos

     Após essa conclusão, pude respirar aliviado, afinal essa agonia que sempre me  toma, faz com que eu  pense sobre as coisas da vida. Estava satisfeito com a decisão. Abaixei-me próximo a beira do rio e deliciei-me com a água fresca. Antes que eu pudesse me levantar, senti algo aproximando-se com velocidade e, ao me atingir, senti uma  dor. Uma dor absurda em minha nuca, meus olhos estavam turvos a ponto de mal poder enxergar o que havia me atingido, apenas a silhueta daquilo que me causava a imensa dor. Algo tinha violado o meu direito de manter o meu corpo e a dor que eu sentia era ainda maior do que a causada pelas pedras enquanto eu pisava. Um outro súbito movimento me atingiu, e ainda deitado passei pelo sentimento de impotência , a dor passava para um  outro lado e. Tentei abrir os olhos novamente e, nessa tentativa, reconheci a silhueta como sendo a de um homem, que me golpeava e me golpeava. Meus olhos inchados agora mais nada enxergavam. O gosto de ferrugem descia pela minha garganta; percebi que não era mais tão refrescante engolir. O homem, eu não sabia como era a sua aparência, também não entendia o motivo da violência. Enquanto no tempo em que estive vivo, apenas pensei sobre o mundo, a morte viria ao meu encontro sem me dar o prazer de pensar sobre ela. A morte  que viria como a única coisa de que temos certeza e sem um aviso. A minha maior frustração nesse momento era morrer sem ter resolvido todos os meus questionamentos. O uso de minha razão me fez conhecer e nunca ter entrado em conflito com outro homem. Mas não posso cobrar de outro o mesmo exercício de razão no qual eu por método me impus. Seria a função da razão também tecer um senso pelo qual eu não pudesse machucar ou atacar o outro, não importando a finalidade. Meu desejo é utópico, pois o mundo parece ter  sentimentos que eu jamais pensei compartilhar. Confesso, porém, ter pensado em todos os  sentimentos que apenas me destruíram, como raiva,  inveja, orgulho... Penso que estes sentimentos não me trazem o que de fato eu busco; morro  e ainda assim não penso que é injusto ter morrido, pois a justiça que os homens construíram não passa de pura tolice, regras que os homens seguem por medo, e não por vontade ou razão pura. Isso não é ser dono de si. E ser dono de si é muito maior do que apenas dominar o corpo ou ter fortuna. Ser dono de si é saber dominar a razão.



AUTOR
Revson Costa nasceu em Mundo Novo do Sertão e é ator na Cia Teatro Diário. A sua vontade de criar sempre foi tão grande que não se limitava a interpretar personagens, e por isso passou a compor, estendendo o seu gosto de poemas e contos a peças teatrais.
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