Marcos Roberto Nunes Costa*
RESUMO
É sabido que toda produção intelectual medieval tinha como objetivo imprimir no homem o desejo por alcançar Deus, de infundir no seu coração ou na sua alma o “amor ordenado”, de prepará-lo para captar, no cosmo, as marcas inteligíveis de Deus, as quais, uma vez seguidas retamente, o fazem viver feliz aqui na terra e alcançar a “verdadeira felicidade”, na vida eterna. Dentro deste espírito, a arte medieval assume um caráter psico-pedagógico, enquanto artifício ou método de explicitação ou elucidação das verdades ocultas reveladas através das Sagradas Escrituras ou da vida dos santos, pois, sendo o povo, na sua maioria, rude, aquilo que não podiam entender nas Escrituras ou através delas, deveria ser apreendido através das artes. É dentro deste contexto que vamos enquadrar a rica produção intelectual da teatróloga medieval Roswita de Gandersheim.
PALAVRAS-CHAVE: Roswita, Arte, Idade Média.
Roswita[1] von Gandersheim, grande nome da literatura de fundamentação cristã em terras germânicas, sendo conhecida como a primeira poetisa de origem germânica na Idade Média, nasceu provavelmente por volta do ano 935, uma vez que, alguns anos, filha do duque Henrique da Baviera e sobrinha do Imperador Otto I, foi eleita abadessa do mosteiro beneditino de Gandersheim - Leste da Saxônia, ela também já era cônega[2] desse mosteiro (Cf. ISABELLA, 2007, p. 36).
No mosteiro de Gandersheim, sob a orientação de Rikkardis, que ela cita como grande mestra, e da abadessa Gerberga, Roswita recebeu uma boa educação[3], tendo lido os clássicos da Antiguidade, visto que, na época, a abadia de Gandersheim tinha uma grande biblioteca[4], o que lhe permitiu “educar-se, atuar como educadora e tornar-se conhecida por sua produção literária, tanto no campo religioso como secular. E pertencer a um grupo de mulheres e monjas medievais detentoras do conhecimento, situação pouco comum na época” (BOVOLIM; OLIVEIRA, 2012, p. 1007). Os escritos de Roswita von Gandersheim dão provas de que ela estava familiarizada com as obras dos Pais da Igreja, como Santo Agostinho, e com a poesia clássica, ainda em vigor na época dela, incluindo as obras de Virgílio, Horácio, Ovídio, Terêncio e outros, que são citados em suas obras[5]. Na comédia Sabedoria, por exemplo, que narra o martírio das santas virgens Fé, Esperança e Caridade, supostamente acontecido no tempo do Imperador romano Adriano, a personagem principal - a mãe Sabedoria - é apresentada como uma mulher extremamente sábia que, além de ministrar a educação religiosa cristã, transmite, também, conceitos importantes para a formação intelectual laica, como, por exemplo, da matemática[6]. Segundo Jean Lauand, esses conceitos foram extraídos do De Arithmetica, de Bóecio (Cf. LAUAND, 1986, p. 41), de forma que podemos afirmar que, “além de exaltar os ideais religiosos, ela transmitiu aos ocupantes dos mosteiros ensinamentos mínimos sobre a civilização clássica e sobre as artes liberais: o trivium (gramática, retórica e dialética) e o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia)” (BOVOLIM, 2005, p. 15).
Por isso, embora procurasse se autorretratar como uma mulher humilde, o que era típico das mulheres místicas medievais[7], Roswita era conhecida como “a voz forte da abadia de Gandersheim”.
A produção literária de Roswita, escrita em latim,She wrote in Latin as was usual for the time. como era habitual para a época, divide-se em três grupos:
1. os poemas, que por sua vez estão divididos em dois tipos:
- os poemas religiosos (em número de oito) em versos leoninos: um versa sobre a Virgem Maria (a partir do evangelho apócrifo de São Tiago, o irmão de nosso Senhor), outro sobre a Ascensão do Senhor e os outros seis sobre as vidas de alguns santos (Gandolph, Pelágio, Theophilus, Basilius, Denis, Agnes) (Cf. REINHARDT, 1999, p. 602). Esses poemas parecem ter sido projetados para leitura em voz alta ou a recitação pelas monjas do mosteiro, ou seja, como instrumento educacional, o que era uma novidade na época, pois antes, durante os primeiros séculos da Idade Média, o teatro, nomeadamente aquele de cunho cômico, foi condenado pela Igreja, o que levou o comentador Fernando Peixoto a dizer que “a princípio a Igreja proíbe o teatro e ameaça os atores com o fogo do inferno, mas logo em seguida passa a utilizá-lo como celebração religiosa ou ensinamento” (PEIXOTO apud CAETANO, 2011, p. 165).
- os poemas épicos, que são histórias rimadas, um dos quais a vida do Imperador Otto I, por isso intitulado Gesta Ottonis (As obras de Otto). É também chamado de Panagyric Ottonum, e foi apresentado pela autora em 968, ao mesmo tempo ao velho Imperador e ao seu filho (então já coroado como) Otto II. Segundo Giovanni Isabella, “trata-se de um poema épico com cerca de 1500 versos, que se propõe a recontar as ações políticas e militares (esse o sentido próprio do termo gesta) de Otto I da Sassonia” (ISABELLA, 2007, p. 34).
2 - as comédias, dramas ou peças (em número de seis), de cunho moral, que tratam da vitória da fé e da pureza sobre o poder e a sedução: Gallicanus (Conversão de Galicano, general dos exércitos); Dulcitius (Dulcício ou Martírio das santas virgens Ágape, Quiônia e Irene – que simbolizam respectivamente a Caridade, a Pureza e a Paz)[8]; Callimachus (Ressurreição de Drusiana e Calímaco); Abraham (Caída e conversão de Maria, sobrinha do eremita Abraão);Paphnutius (Conversão da meretriz Taíde) e Sapientia (Martírio das virgens santas: Fé, Esperança e Caridade)[9]. Tais comédias tomam como modelo as comédias de Terêncio, o dramaturgo romano cujas obras, em tom de irreverência e humor, foram escritas entre os anos 170-160 aC. Muitos de seus manuscritos sobreviveram até a Idade Média. Daí o ensaísta do Dicionário Internacional de Teatro afirmar que as peças de Roswita tinham “um travesso uso da ironia", embora o mesmo comentador ache que certas passagens, "como os dois longos didáticos discursos sobre matemática e a harmonia cósmica, são intrigantes em sua dramática função, mas em outros lugares há ampla comédia situacional e vicário sensacionalismo para fazer seu apelo de entretenimento óbvio" (DICIONÁRIO Internacional de Teatro apud Hrotsvitha..., 2012).
Mas, como cônega, apesar de tocar em temas sensuais ou de trazer para suas obras os pontos “indecentes” do poeta pagão Terêncio, a poetisa teve de adaptá-los à moral cristã da época, conforme narra a própria Roswita:
Muitas vezes enrubesci por ter de escrever a respeito da detestável loucura dos amores ilícitos e de inconvenientes colóquios amorosos, coisas às quais não devemos prestar atenção. Mas se, envergonhada, eu não tratasse desses assuntos, não conseguiria atingir meu objetivo, que é o de celebrar o louvor das almas inocentes. Na verdade, quanto maior parece a sedução dos amantes, tanto maior a glória do auxílio divino (HOSWITA apud LAUAND, 1986, p. 31).
E uma das formas ou instrumento pedagógico usado por Roswita para falar de temas proibidos ou tabus era exatamente transformá-los em dramas e/ou comédias jocosas ou lúdicas, enquadrando-se ela, assim, na tradição medieval criada nos tempos do Imperador Carlos Magno, quando seu mestre, o filósofo e pedagogo Alcuíno de York, que tinha como orientação pedagógica o ensinar brincando, utilizava-se de anedotas, brincadeiras, enigmas e charadas. Tempos depois, esse método atingiu os mosteiros, onde o lúdico ou jocoso passou a ter, além do caráter motivacional, outra função pedagógica: aguçar a inteligência dos jovens. E é aí que se enquadra Roswita, conforme chama a atenção Eliana Lucci, ao comentar uma passagem de uma de suas peças - Sabedoria:
No mosteiro beneditino de Gandersheim - na época dessa nossa educadora (em torno do ano 1000), um importante centro cultural, onde havia monjas de cultura esplendorosa - Roswita, após um hiato de séculos, re-inventa o teatro, re-introduz a composição teatral no Ocidente. E compõe 6 peças de caráter educativo (Sapientia, por exemplo, traz embutida toda uma aula de matemática!) - que combinam drama e comédia. Entre inúmeras outras situações cômicas, destacamos aqui a hilariante sequência de cenas IV a VII da peça Dulcício:
O governador pagão, Dulcício, está encarregado da impossível tarefa de demover 3 virgens cristãs – Ágape, Quiônia e Irene - de sua fé. Confiante em seu poder de sedução e atraído pela beleza das moças, manda trancafiá-las na despensa ao lado da cozinha do palácio, e, de noite - enquanto elas cantam hinos a seu Deus -, Dulcício vai invadir a despensa, mas tomado de súbita loucura, equivoca-se e entra na cozinha e acaba, sofregamente, abraçando e beijando os caldeirões e panelas, tomando-as pelas prisioneiras que o espiam pelas frestas e veem-no cobrir-se de fuligem etc.
Só quem ignora o papel do lúdico na pedagogia medieval pode-se surpreender que uma mulher, uma monja, numa composição devota, para ser encenada no mosteiro, inclua uma cena "escabrosa" como essa (LUCCI, 2012).
Não se sabe ao certo se tais esboços dramáticos foram alguma vez representados, se ela os escreveu apenas como exercício literário, utilizado somente para a distração de suas companheiras do convento, ou se tiveram um público maior, com encenação propriamente dita. Alguns comentadores consideram que tenham sido realmente encenados, principalmente as peças com papéis infantis, pois em sua época crianças eram mandadas para os conventos para serem educadas. Por exemplo, na peça Sapientia, na qual Roswita tem a preocupação de escrever as falas de acordo com a idade das personagens, as crianças mais novas (as personagens infantis têm 8, 10 e 12 anos) recebiam menos falas, mais curtas e mais fáceis. Mas, para outros comentadores, é impossível que as peças de Roswita tenham sido encenadas.
De qualquer forma, por ter “escrito todos as suas obras em latim, é considera a primeira pessoa desde a Antiguidade tardia a compor obras de teatro nessa língua” (ORTUÑO ARREGUI, 2016, p. 55).
3 - prosas, que são crônicas, como o De primordiis et fundatoribus coenobii Gandersheimensis (Sobre os primórdios e os fundadores do mosteiro de Gandersheim), em que narra a história de sua abadia, desde as origens até o ano 919.
Todas as obras de Roswita foram reunidas em um único documento chamado Codex Bayerische Staatsbibliothek Clm 14485, que segundo Manuel Ortuño Arregui, “foi escrito por várias mão em Gandersheim no final do século X e início do XI. Foi descoberto pelo humanista Conrad Celtis em 1493-1494, na abadia de San Emerano em Ratisbona [...] que o editou por ordem do Príncipe eleito de Sajonia, Federico III (ORTUÑO ARREGUI, 2016, p. 56).
Roswita faleceu em 05 de setembro de 1002, mas,
ao contrário de muitas escritoras de seu tempo, a obra de Hrotsvitha de Gandersheim tem sido conhecida, divulgada e interpretada através da história: pouco depois de sua morte, foi copiada num único manuscrito a totalidade de sua obra; no século XVI, os humanistas alemães se encarregaram de destacar seu talento [...] refletindo uma euforia nacionalista por sua primeira poetisa sajonia; posteriormente, em meados do século XIX, apareceria a primeira tradução para o Francês de seu teatro, enquanto alguns historiadores positivistas da ordem beneditina se apropriavam dos textos da autora, assumindo suas próprias interpretações. Na atualidade, seguimos estudando desde distintas disciplinas as contribuições desta excelente escritora, cuja imagem e palavra parecem inesgotáveis no tempo, pois suas inquietações e preocupações levantadas naquele tempo têm se mantido no curso da história e seguem vigentes neste século, manifestando-se através de diversos discursos (ARAUZ MACEDO, 2005, p. 207).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAUZ MERCADO, Diana. Imagen y palabra a través de las mujeres medievales (siglos IX-XV). Primera parte: Mujeres medievales del Occidente europeo. Escritura e Imagen, v. 1, p. 199-220, 2005.
BOVOLIM, Zenaide Zago Campos Polido. A proposta educacional de Rosvita de Gandersheim no século X. Maringá; 2005, 127 f . Dissertação (Mestrado em Educação).
_______.; OLIVEIRA, Terezinha. Os escritos de Rosvita de Gandersheim no século X. Disponível em:<http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/89ZenaidePolidoBovolim_TerezinhaOliveira.pdf.Acesso em: 29.03.2012.
BRAGANÇA JUNIOR, Álvaro Alfredo; RESENDE MARQUES, Christiane de. Reflexiones de una mujer antes de Hildegard: aspectos del martírio cristiano en la obra de Rosvita de Gandersheim. Revista Eletrónica Mirabillia, n. 16, p. 35-51, 2013.
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Hrotsvitha de Gandersheim. Disponível em: <http://www.answers.com/topic/hrotsvitha-of-gandersheim>. Acesso em: 29.03.2012.
ISABELLA, Giovanni. Gesta Otonnis di Rosvita di Gandersheim. In: Modelli di regalità nell’età di Otonne I. Bologna: Università degli Studi di Bologna, 2007, p. 34-38 (Tese di Dottorato in Storia Medievale).
LAUAND, Jean Luiz. Educação, teatro e matemática medievais. São Paulo: Perspectiva, 1986.
______. O Dulcício de Rosvita, o cômico teatral da Idade Média (século X). In: ______. (org.). Cultura e educação na Idade Média. Sel., trad., notas e estudos introdutórios de Jean Luiz Lauand. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 169-190.
LUCCI, Elian Alabi. A escola pública e o lúdico. Disponível em<http://www.hottopos.com/videtur18/elian.htm>. Acesso em: 29.03.2012.
MARTINS, Gilberto Figueiredo. A Sancta Sapientia medieval – enigma e mistério no teatro cristão de Hrotsvitha de Gandersheim. Revista de Histórias das Religiões – ANPUH. Ano IV, n. 10, p. 69-95, 2011.
NASCIMENTO, João Batista do. Rosvita: a professora de matemática perfeitamente muito além da média. In: Algumas mulheres da história da matemática: a questão de gênero em ciência e tecnologia. Versão 2012. p. 11-15. Disponível em: <www.supremaciafeminina.com.br/MULHERESmatematica.pdf>. Acesso em: 28.05.2012.
ORTUÑO ARREGUI, Manuel. Roswitha von Gandersheim: la escritora de la virtud. ArtyHum - Revista de Artes y Humanidades. Vigo, v. 21, p. 52-61, 2016.
REINHARDT, Elisabeth. Escritoras alemanas en la literatura religiosa medieval. Anuario Filosófico. v. 26, p. 599-620, 1999.
WEMPLE, Suzanne Fonay. As mulheres do século V ao século X. In: DUBY, George; PERROT, Michelle (orgs.). KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das mulheres no Ocidente (2): a Idade Média. Trad. de Ana Losa Ramalho et al. Porto: Edições Afrontamento; São Paulo: EBRADIL, 1990. v. 2, p. 227-271.
WEMPLE, Suzanne Fonay. As mulheres do século V ao século X. In: DUBY, George; PERROT, Michelle (orgs.). KLAPISCH-ZUBER, Christiane (dir.). História das mulheres no Ocidente (2): a Idade Média. Trad. de Ana Losa Ramalho et al. Porto: Edições Afrontamento; São Paulo: EBRADIL, 1990. v. 2, p. 227-271.
AUTOR
*Marcos Roberto Nunes Costa - Doutor em Filosofia pela PUCRS, Pós-doutorado em Filosofia pela Universidade do Porto. Professor da Graduação e Pós-Graduação (Mestrado e Doutorado) em Filosofia da UFPE. E-mail: marcosnunescosta@hotmail.com
[1] Segundo Bernard Pautrat “existem pelo menos 22 denominações de seus nomes, entre as quais podemos encontrar variadas formas como Hrotsuit, Hrosvitha, Hroswitha, Hrotsvitha Hrotsvithae, Roswitha” (apud BOVOLIM, 2005, p. 13). Segundo Elisabeth Reinhardt, “há diversas teorias sobre o significado do nome, por exemplo, Rosa Branca” (1999, p. 600, nota 3). Já ORTUÑO ARREGUI, 2016, p. 54, nota 34, diz que “é mais provável que tenha o significado dado por ela mesma a seu nome, quando no Prefácio das seis comédias se denomina a si mesma Ego,Clamor Validus Gandershemensis (a etimologia alemã é "hruot"= clamor y "sui(n)d"= validus)”.
[2] Para Diana Arauz Macedo, Roswita não era propriamente uma monja, mas uma cônega, o que significa dizer que “as cônegas da mencionada abadia, diferentemente das monjas, faziam votos de castidade e obediência, mas não de pobreza, de forma que podiam dispor e administrar seus bens, fato que as mantinha em uma rotina mais dinâmica com o mundo exterior, diferetemente do enclausuramento exigido as outras religiosas” (2005, p. 2004, nota 3). Isso fazia com que Roswita, como oriunda da classe nobre, mantivesse contato com a Corte e com os meios intelectuais do seu tempo, com quem dialogava. Traz esta mesma informação ORTUÑO ARREGUI, 2016, p. 55.
[3] Peter Dronke insinua que Roswita, que abraçou a vida monástica já com certa idade, iniciou sua formação intelectual antes de sua entrada no mosteiro, quando diz: “Roswita talvez chegou a canonisa com uma idade não tão jovem, depois de haver passado por uns bons anos de formação cultural e social em meio a um ambiente refinado e cosmopolita da Corte dos Ottos, onde deve ter compartilhado das aspirações literárias, artísticas e políticas destes últimos titulares autênticos do Império romano[...]” (apud BOVOLIM, 2005, p. 83). Defende este mesma tese Diana Arauz Macedo, quando diz que “Hrotsvitha passou grande parte de sua juventude no ambiente da Corte, onde se nutriu de uma rica Biblioteca baseada em autores clássicos e medievais” (2005, p. 204).
[4] A esse respeito diz Andrés López: “Os grandes mosteiros da Alemanha, no século X, inclusive Gandersheim, estavam repletos de obras de autores clássicos, personalidades literárias e autores culturais reconhecidos, que desempenharam um papel importante na formação das mulheres nobres e das religiosas que frequentavam os mosteiros da Alemanha” (LÓPEZ apud BOVOLIM; OLIVEIRA, 2012, p. 107).
[5] A propósito diz WEMPLE In: DUBY; PERROT, 1990, p. 264: “Hrotsvita conhecia bem muitos autores, mas na primeira linha dos seus favoritos estavam Virgílio e Terêncio. Virgílio serviu de modelo aos seus escritos épicos e as suas peças foram escritas com o sentido de humor malicioso de Terêncio, embora o seu argumento se baseie nas legendas de santos e nada tenha de terenciano”.
[6] MARTINS, 2011, p. 88, comentando acerca do simbolismo nas obras de Roswita, chama a atenção para a grande quantidade de números na supracitada peça, como, por exemplo, “a menina Fé morre com 12 anos, chicoteada por 12 centuriões”; no instante em que Caridade morre “quem olhasse atentamente veria 3 jovens radiosos de claridade que a acompanhavam, etc.”. Para um maior detalhamento dos conceitos matemáticos trabalhados por Roswita, ver: NASCIMENTO In: 2012. p. 11-15.
[7] Para muitos comentadores, muitas escritoras medievais apresentavam-se como mulheres humildes como estratégia pedagógica para se fazerem ouvir em meio a uma sociedade elitista e machista. Mas, por trás dessa aparente humildade, ou nas entrelinhas de seus escritos, principalmente das personagens femininas por elas protagonizadas, apresentavam-se como mulheres fortes e sábias, em condições de discutir em pé de igualdade com os homens, o que deixava entrever certa “teologia/filosofia feminina” em defesa da igualdade de gênero. Daí, para BOVOLIM, 2005, p. 88, “Roswita manifestava uma atitude muito sábia perante o sexo oposto, ela procurava agradar destacando a debilidade da mulher e, ao mesmo tempo, exaltando toda força, inteligência, coragem e o conhecimento que ela possuía”. Em seus diálogos acabavam sempre por vencer os homens. Igualmente reforça essa tese Luiz Jean Lauand. que, na introdução à sua tradução do Dulcício de Roswita, diz: “[...] no Dulcício, os papéis ridículos e grotescos são reservados aos homens, enquanto as personagens femininas são as heroínas, cheias de força e determinação” (LAUAND, 1998, p. 170) e BRAGANÇA JÚNIOR; RESENDE MARQUES, 2013, p. 49-50, assim concluem seu texto: “Em sua arte dramaturga, cujas obras são de caráter educador e evangelizador, Roswita von Gandersheim dramatiza a vida dos santos e mártires da Igreja justamente com nomes e elementos da História, com a intenção de criar um modelo de comportamento voltado ao público feminino das congregações conventuais e, poderíamos também dizer, para a sociedade cristã [...]. Mas do que isso, Roswita mostra como seu teatro, no qual os personagens femininos são os protagonistas, que a mulher medieval pode ser tanto (ou mais) forte que o homem quando se trata de manter sua fé inabalável”.
[8] Da peça Dulcício, temos uma tradução para o português, com introdução e comentários de Luiz Jean Lauand In: LAUAND, 1998, p. 171-190, o qual assim resume o enredo da peça: “Martírio das santas virgens Ágape, Quiônia e Irene. Na calada da noite, o governador Dulcício aproximou-se secretamente do lugar em elas estavam encarceradas, ardendo em desejos de abraçá-las. Mas, acometido de súbita demência, enganou-se e começou a abraçar e beijar panelas e caldeirões de cozinha, tomando-as pelas moças, até que ficou com o rosto e as vestes impregnados de uma horrível pretume. Depois, as virgens foram entregues a Sinísio, para que as torturasse, mas, milagrosamente, por ele também foram enganadas. Por fim, Ágape e Quiônia foram queimadas e Irene, trespassada por uma flecha”.
[9] Da comédia Sapientia, temos uma tradução para o português, com introdução e comentários de Luiz Jean Lauan In: Textos antigos e medievais traduzidos. Coord. e seleção de Ricardo da Costa. Disponível em: http://www.ricardocosta.com/textos/textosmed.htm Acesso em: 30.03.2012. Em linhas gerais, nesta peça, “cuja ação decorre no início da era cristã, durante o império de Adriano, as personagens Sabedoria e suas três filhas – Fé, Esperança e Caridade – são estrangeiras que, chegadas a Roma, vêem-se denunciadas ao imperador pelo severo Antíoco, por ameaçar a ordem do Estado e a ‘concórdia do povo’, ao difundir ‘a divergência de culto’, e induzir à disrupção social pela ‘prática da religião cristã’” (LAUAND, 1986, 46-47). Já segundo MARTINS, 2011, p. 83, “as crianças (Fé, Esperança e Caridade) alegorizam, antes, as três virtudes teologais, enquanto a personagem da mãe (Sabedoria) pode se referir à própria Verdade sagrada revelada nos evangelhos”.
FEIRA DE SANTANA-BA | nº 6 | vol. 1 | Ano 2017
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