Gigliola Mendes*
RESUMO
O artigo apresenta uma análise inicial da filosofia feminista elaborada por Diótima, destacando o processo de construção de suas bases teóricas e os desafios e estratégias, para ampliar, no espaço público, a legitimidade do pensamento filosófico pautado no conceito de diferença sexual. O texto oferece breves taxonomias dos feminismos da diferença, formando um panorama conceitual que contextualiza o feminismo de Diótima, seus principais grupos e influências. Do feminismo construído por Diótima, procura-se destacar sua concepção de diferença sexual e seu esforço para delimitar uma ordem simbólica feminina, que pudesse referenciar as produções teóricas e as ações éticas e políticas das mulheres. Para concluir, mostra-se como as escolhas teóricas e práticas do feminismo da diferença italiano permitem que Diótima desenvolva um método para o pensamento sexuado: um caminho que pode ser interessante para mulheres, em outros contextos, compreenderem suas especificidades e elaborarem estratégias para suas lutas.
PALAVRAS-CHAVE: feminismo da diferença, filosofia feminista, diferença sexual, práxis, ordem simbólica.
INTRODUÇÃO
A partir de 1983, primeiro em uma casa privada, e, em seguida, na Universidade de Verona, na Itália, constituiu-se uma comunidade filosófica feminina, denominada Diótima – reportando-se à suposta origem feminina da filosofia grega –, em que professoras universitárias e secundárias de filosofia e/ou ativistas feministas decidiram se lançar ao desafio de “‘ser mulheres e pensar filosoficamente’, rompendo, assim, com a presumida e prescrita universalidade e neutralidade do discurso filosófico” (DIÓTIMA, 2017).
A comunidade, em atividade desde então, corresponde a uma tentativa duradoura e consistente de refundação da filosofia como práxis, ou seja, como uma perspectiva teórica e ético-política, a partir de uma nova gênese: um feminino originário. Suas integrantes realizam a empreitada inserindo-se no âmbito do feminismo da diferença italiano e em suas lutas peculiares, que buscam caminhos para romper as barreiras sócio-culturais às ações políticas e intelectuais das mulheres, no espaço público e institucional, da Itália.
FEMINISMO DA DIFERENÇA - UM BREVE PANORAMA
Para se desenvolver uma análise cuidadosa do feminismo da diferença italiano, em especial daquele desenvolvido por Diótima, é importante compreendê-lo em relação aos feminismos produzidos em outras partes do mundo. Dessa forma, o primeiro passo desta reflexão, é construir uma breve taxonomia dos feminismos da diferença, desde o período histórico definido como a segunda onda do feminismo – que inclui principalmente propostas das feministas anglo-americanas, do Norte ocidental.
A cientista política Mary Dietz (2003) apresenta uma revisão teórica destes feminismos, partindo de uma compreensão atenta e ampla dos feminismos da diferença, a partir dos quais, segundo a autora, derivaram-se todas as construções e debates teóricos subsequentes. Ela mostra que “de todas as preocupações que têm acompanhado a conceitualização de gênero nas últimas décadas, nenhuma tem produzido maiores divisões teóricas que o esforço por repensar o significado da diferença de gênero, ou a ideia do feminino dentro da diferença sexual, como um fenômeno social, histórico, cultural e psicossimbólico” (DIETZ, 2003, p. 402).
A reflexão acerca da diferença permeia todas as construções teóricas do feminismo, porque buscam compreender e dar respostas à questão da existência de dois “sexos” ou corpos sexuados (e as inúmeras formas de significá-los) e à hierarquia que historicamente se constrói a partir disso. Para facilitar a análise e indicar os caminhos que a reflexão sobre a diferença trilhou, Dietz classifica o feminismo da diferença em duas grandes categorias: o primeiro, o feminismo da diferença social – desenvolvido principalmente pelas teóricas anglo-americanas – que se fundamenta na oposição sexo-gênero e na definição deste segundo como uma construção social e condição psicológica; o segundo, o simbólico – desenvolvido principalmente pelas teóricas francesas – que se apoia no conceito de diferença sexual e na estrutura psicossimbólica que o acompanha.
Os problemas desenvolvidos pelo feminismo da diferença, com uma perspectiva social, compreendem uma construção que vem desde Simone de Beauvoir e traça um caminho crítico à biologia como destino. Nesse sentido, apresenta-se a perspectiva da dicotomia entre sexo e gênero, em que este representaria uma construção social (e/ou psicológica) acerca daquele. A diferença se encontraria na revelação do percurso sócio-histórico que conduziu à definição de papéis sociais (e subjetividades) diferenciados para homens e mulheres, através da consolidação de relações de poder assimétricas, tanto no espaço público como no privado: as mulheres estando sujeitas à dominação masculina e destinadas a ocupar o ambiente doméstico. Nessa perspectiva, constitui-se a compreensão das mulheres como uma categoria (cujo gênero é parte de sua identidade), que deve buscar caminhos teóricos e políticos para enfrentar o seu processo de sociabilidade comum, em que elas são oprimidas pelos homens em uma sociedade patriarcal, sexista e machista. Mas o aprofundamento sobre a diferença nessa perspectiva leva à revelação da diversidade das mulheres dentro do próprio movimento feminista – o que resultou no desmembramento da suposta unidade (e da automática solidariedade entre elas) e, em seguida, na revelação de múltiplas identidades femininas desenvolvidas, principalmente, a partir da raça e/ou etnia, sexualidade e classe, que configuraram novos coletivos de luta, demandando novos sujeitos e novas epistemologias, transformando-se no feminismo da diversidade.
Para a outra categoria, o feminismo da diferença sexual psicossimbólica, Dietz destaca as construções teóricas de autoras francófonas, que investigam “a diferença sexual como um conceito em primeiro lugar crítico analítico e uma ontologia fundamental da existência humana” (DIETZ, 2003, p. 406). Tal conceito é abordado com uma dupla função (epistemologicamente negativa e positiva): a primeira, criticar o que foi produzido teoricamente sobre a origem simbólica dos seres humanos; a segunda, pensar/propor um novo caminho para compreender a origem do humano, revelando o feminino oculto nas estruturas simbólicas, políticas e sociais. O pensamento feminista francês se constitui principalmente em diálogo com a filosofia, a linguística e a psicanálise (de Freud e Lacan) e, por isso, pensa a diferença sexual e o feminino em conexão com tais áreas do conhecimento, buscando encontrar a natureza, as estruturas e as leis da diferença sexual.
As filósofas Julia Kristeva e Luce Irigaray são as figuras icônicas desse feminismo da diferença psicossimbólico, classificado por Dietz (2003). Ambas desenvolvem uma abordagem a partir desse duplo percurso epistemológico: com um primeiro momento crítico (negativo), que conduz, sucessivamente, ao momento positivo de afirmação da diferença, quando buscam revelar conceitualmente o feminino escondido na estrutura psicanalítica de Lacan. Para isso, trabalham com a dualidade dos sexos a partir dos papéis maternos e paternos, como já aparece na psicanálise, mas buscando uma nova compreensão dos códigos que fundamentam a lei fálica ou lei do pai, estruturante da significação da linguagem e do sentido das relações. Em suma, as filósofas buscam ultrapassar tanto teórica quanto politicamente uma perspectiva reformista, de mera inclusão do feminino no mundo (em especial, no espaço público e nos direitos individuais), tal como foi construído, focando em compreender e repensar a raiz do sistema de opressão ao feminino, para construir outras estruturas simbólicas, sociais e políticas que possam abarcá-lo.
FEMINISMO DA DIFERENÇA ITALIANO - A CONSTRUÇÃO DE UM PENSAMENTO RADICAL
Para uma reflexão sobre o feminismo da diferença, na Itália, parece fazer-se necessária uma pergunta inicial: por que tal feminismo não está presente (ou está pouco presente) nas análises que buscam organizar conceitualmente as correntes teóricas do feminismo? Uma resposta contundente demandaria uma demorada análise, impossível no espaço deste artigo. Entretanto, inspirando-se em Negri (2005), é possível aventar uma hipótese para o pouco acesso ao feminismo da diferença italiano (ou aos feminismos da diferença), em especial o que se desenvolveu entre a década de 1970 e a de 2000. Seria o fato de possuir um arranjo bastante peculiar, colado à realidade histórico social da Itália, e um dinamismo na criação ou utilização de conceitos – muitos deles decorrentes da tradição conceitual dos feminismos franco e anglófono –, que ganham novos significados na pesquisa/prática das italianas e novas estratégias prático-políticas para a abertura daquele país ao feminino.
O feminismo italiano possui raízes comuns com aqueles emergentes em muitas partes do mundo, nos anos 60, quais sejam: separatismo, expressado em encontros para elevação da consciência entre mulheres (naquele contexto, realizados em pequenos coletivos e nomeados, por Carla Lonzi, encontros de autoconsciência); produção de Manifestos; engajamento com agendas e lutas dos movimentos sociais, por direitos e reconhecimento, cujo marco temporal mais representativo é 1968. No entanto, a experiência da Itália extrapola as semelhanças iniciais, encontrando novas possibilidades – às vezes convergentes às vezes dissonantes – com o que estava sendo produzido pelos feminismos que ganharam mais força nos espaços de saber constituídos. Constrói-se em conformidade com a realidade histórico política italiana, em que há tanto um movimento cultural potente, contraditoriamente incentivado pelo fascismo – mas que reforça, nas propagandas oficiais, o estereótipo feminino como esposa e mãe e a infantilização da mulher –, quanto um ambiente de luta e organização política com hegemonia do método marxista, que configura os movimentos sociais desse período. A Itália, embora predominantemente rural até a década de 50, constrói um movimento político e um espaço público muito fecundos (NEGRI, 2005).
As mulheres estiveram engajadas nas lutas políticas, mas encontravam dificuldades, nos espaços institucionais dos partidos, movimentos sociais, universidades, jornais, em pautar efetivamente questões relacionadas à sua situação, na Itália. Dessa forma, iniciaram uma militância feminista paralela às organizações de lutas oficiais, que ocupavam o espaço público, em que prevalecia a perspectiva unificadora da classe social, da luta contra o capitalismo e o fascismo. Predominavam locais e grupos, com lideranças masculinas e com pouca disponibilidade para a fala das mulheres (suas visões de mundo e necessidades), não tendo espaço para temas que poderiam “desarticular a luta principal”.
Na década de 70, muitas feministas vão conciliar a organização de coletivos separatistas com sua militância em partidos políticos e organizações de esquerda, lutando por meio desses espaços pelos direitos das mulheres pela igualdade social (conquistando reformas sociais, tais como a lei do aborto de 1978). Mas é nos coletivos feministas, espalhados por muitas cidades italianas, que as reflexões e ações políticas se tornam férteis. É o que Lauretis (1990) chama de dupla militância feminista. Nesses espaços, fora das instituições e muitas vezes conduzidos em locais privados, começam a ser gestadas as análises sobre a diferença sexual e as necessidades “específicas” das mulheres. Isso porque, ali, elas encontram um locus em que era possível ter voz e expor suas pautas, fazer formação política, elaborar manifestos, criar jornais, revistas e editoras para estimular a escrita feminina e a circulação das obras produzidas.
Teresa de Lauretis (1990), no prefácio à edição inglesa do livro Sexual Difference da Livraria das Mulheres de Milão, apresenta uma taxonomia do feminismo italiano, definindo-o como uma revolução simbólica, ou seja, “um processo de compreensão crítica e mudança sócio-cultural através do qual as mulheres passam a ocupar a posição de sujeitos” (LAURETIS, 1990, p. 5). Nesse processo, ocorre a consolidação do feminismo da diferença, em que crítica e construção teórica sobre a diferença sexual são empreendidas, por necessidade do próprio contexto do movimento feminista italiano, para fundamentar a prática política e social das mulheres, a partir do questionamento da separação entre público e privado e dos espaços restritos à atuação e produção femininas.
O ponto de partida da classificação de Lauretis (1990) é o Manifesto do grupo Demau (sigla de Demistificazione dell'autoritarismo patriarcale), de 1966, considerado o primeiro documento do feminismo italiano. O grupo tinha filiação marxista, mas questionou a limitação de tal perspectiva, por analisar as mulheres como objetos, nas pesquisas e nas pautas políticas, ao apresentar suas questões nos termos: “a condição da mulher”. Dessa forma, afirmaram a necessidade de alterar o estatuto científico delas, de objeto para sujeito do próprio conhecimento, como um ponto fundamental para sua luta e para a compreensão ativa de suas demandas. Com isso, abriu-se o caminho para a mudança epistemológica e política da “condição das mulheres”, como tema específico da reflexão mais ampla sobre a cultura e as estratégias políticas, para a construção e consolidação das mulheres como sujeitos do conhecimento; que significou o gatilho para a reflexão sobre a diferença sexual.
Tal reflexão ganha força e consistência teórica, a partir do final da década de 1960, com a pensadora e militante feminista Carla Lonzi (1931-1982) e as produções do coletivo separatista Rivolta Femminile, a que pertencia. Ela foi um ícone do feminismo italiano, por suas obras que denunciaram tanto a dominação masculina presente na sexualidade hegemônica (reflexão construída em diálogo com a psicanálise), quanto a exclusão das mulheres do espaço público, (re) fundamentada pela filosofia política moderna. No livro O contrato sexual, Pateman (1993) afirma que Hegel seria o principal crítico do contrato social e sua tradição, mas que ainda assim não supera a exclusão (justificada filosoficamente) das “mulheres da liderança da família, da participação na sociedade ou no Estado (PATEMAN, 2013, p. 57)”. Já em 1970, em Sputiamo su Hegel (Cuspimos em Hegel), Lonzi denunciava o filósofo alemão por reafirmar a dicotomia entre público e privado, fundamentando a inferioridade da mulher, como justificativa para sua interdição ao espaço público. Ela (2014) mostra que, em Princípios da Filosofia do Direito, Hegel sustenta que as mulheres “não são feitas para atividades que exigem uma capacidade universal, como a ciência mais avançada, a filosofia e certas formas de produção artística, nem sabem agir de acordo com exigências da universalidade, mas de acordo com inclinações e opiniões arbitrárias” (LONZI, 2014, p. 21).
Lonzi questiona Hegel porque o considera o responsável pela perpetuação contemporânea da exclusão e do apagamento do feminino. Isto porque a lógica desse filósofo, com o método dialético, se perpetua no marxismo, hegemônico em sua época: “o marxismo tem-se movido no interior de uma dialética senhor-escravo” (LONZI, 2014, p.23). Então, seria necessário enfrentar pelo menos três obstáculos que a filosofia hegeliana apresentava às mulheres: primeiro, a fundamentação de sua inferioridade –inapropriação ao universal – e interdição ao espaço público; segundo, a sua consideração como outro e, terceiro, o fato de que a mulher, mesmo considerada outro, ser excluída da perspectiva emancipatória da dialética senhor-escravo, em que este último, no processo histórico, poderia superar sua alienação. Nesse ponto, ela dialoga com Beauvoir, que igualmente apoia-se na dialética hegeliana, para construir seu debate sobre a mulher, construído como outro. No entanto, a autora italiana desenvolve sua reflexão cuspindo nesta dialética, tanto porque exclui a mulher da possibilidade de viver o processo de transcendência e imanência do espírito (o processo de universalização), que conduz à liberdade, como porque seus instrumentos foram construídos desconsiderando que a “cultura (...) excluía o ponto de discriminação essencial da humanidade” (LONZI, 2014, p. 11): a da mulher pelo patriarcado. Dessa forma, não seria suficiente pensar a perspectiva das mulheres no âmbito da dialética senhor-escravo, da qual deriva a lógica adotada na perspectiva de classe (dominante-dominado). Para ela, a relação de poder e hierarquia entre homens e mulheres exigiria outra lógica de superação, que não se compreende simplesmente em termos de contradição (dominante-dominado), porque nessa perspectiva não é possível eliminar os primeiros para que as segundas existissem com liberdade: “se o método revolucionário pode acolher as etapas da dinâmica social, não há dúvida alguma que a libertação da mulher não pode se encaixar dentro dos mesmos esquemas: no plano mulher-homem não existe uma solução que elimine o outro.” (LONZI, 2014, p.1).
Por conseguinte, Lonzi apontará para um feminismo radical, que deveria atingir a raiz das estruturas ditas patriarcais, inclusive o estado. Uma ação ampla de desmentir a cultura e suas instituições, que significaria “desmentir a avaliação dos feitos que constituem a base do poder” (LONZI, 2014, p.39). Para seu feminismo da diferença, a sociedade, da forma como era constituída, não se mostrava capaz de permitir que as mulheres expressassem seu sentido de existência (as marcas da diferença), mesmo com direitos igualitários. O feminismo da diferença que surge na Itália questionou a luta de outras correntes do movimento feminista pela conquista da igualdade, porque considerava que não bastava oferecer às mulheres igualdade jurídica e a mesma liberdade de transitar entre espaço público e privado possuída pelos homens. Segundo Lonzi:
O mundo da igualdade é o mundo da opressão legalizada, do unidimensional; o mundo da diferença é o mundo onde (...) a opressão se rende ao respeito da diversidade e da multiplicidade da vida. A igualdade entre os sexos é a veste em que hoje se mascara a inferioridade da mulher. (LONZI, 2014, p. 21)
Pensar a diferença implicaria repensar as estruturas sociais e criar novas práticas políticas (ações, estratégias) capazes de abarcar o(s) feminino(s) e a multiplicidade que ele implicava. Por isso, a proposta de se criar outras formas de associação, outras relações políticas, em coletivos de mulheres, estabelecidos fora das instituições.
Desse processo de ruptura com as lutas institucionais, que não davam espaço para o feminino afirmar sua existência, surge o separatismo radical italiano – os pequenos grupos de autoconsciência feminista – de onde partiu o impulso fundante da opção política de certo feminismo, em investigar e afirmar a diferença sexual. Segundo Lauretis (1990), a política separatista feminista, na Itália, foi quase sinônimo do próprio feminismo. Isto porque, por meio dela, que as mulheres puderam construir laços consistentes entre si, formar sua consciência política, definir suas pautas e criar a identidade do feminismo ao longo de toda a década de 70.
Com o tempo, no entanto, a estratégia de autoconsciência precisou extrapolar a ação privada para se concretizar ação política no mundo. O “separatismo estático” e radical apresentou seus limites: como não alterou a estrutura tradicional de divisão entre público e privado para mulheres, mas, ao contrário, a corroborou, as novas relações experimentadas nos coletivos, não encontrou espaço para se reproduzir socialmente, e o novo conhecimento crítico das mulheres não obteve legitimidade nos círculos de produção intelectual (LAURETIS. 1990). Assim, a partir da compreensão desta “derrota social e simbólica das mulheres”, nos anos de separatismo, tornou-se necessário modificar a estrutura do feminismo, na Itália, para superar os desafios reais que o presente lhes apresentava; o que permitiu pensar a diferença sexual, em termos mais complexos.
No contexto de necessário avanço da autoconsciência para outras ações políticas e de formação, legitimadas no espaço público, apresentaram-se duas iniciativas potentes: a primeira, do coletivo Livraria das Mulheres de Milão, em que suas integrantes dedicaram-se conceitualmente à diferença sexual como uma teoria da prática social-simbólica e, a segunda, da comunidade filosófica feminina Diótima (criada em 1983), com o foco no pensamento da diferença sexual.
DIOTIMA E O PENSAMENTO DA DIFERENÇA SEXUAL
Em 1983, Luisa Muraro, então integrante do coletivo de Milão, tem a iniciativa de se reunir com outras mulheres, quase todas filósofas, para discutir coletivamente o panfleto Piú donne che uomini, da Livraria de Milão. A preocupação inicial é aprofundar as reflexões sobre as novas estratégias políticas feministas, mas, devido à formação das integrantes do grupo, são as questões filosóficas sobre “a insignificância simbólica de ser mulheres no discurso filosófico, nos seus códigos e conceitos transmitidos pela tradição masculina” (ZAMBONI, 2015, p. 1), que vão ganhando relevância. Dessa forma, com o objetivo de enfrentar os desafios para superar a insignificância filosófica e política das mulheres, em 1984, surge Diótima. Transfere-se do espaço privado de encontros entre mulheres, para a Universidade de Verona, onde algumas de suas integrantes eram docentes. Simbolicamente, tal ato significava a superação do separatismo e a ocupação do espaço institucional da Academia, mesmo ainda não representando uma entrada oficial na instituição, porque as atividades da comunidade aconteceriam paralelamente às atividades “oficiais” das professoras. Diótima desejava, antes de tudo, “abrir no interior da instituição a contradição de uma presença feminina pensante e autônoma e ver concretamente o que se modificaria na própria instituição” (ZAMBONI, 2015, p. 1).
Para o desvelamento do novo passo do feminismo da diferença italiano, suas fundadoras decidem aprofundar caminhos apontados por duas autoras (além do aprofundamento em termos de método apresentado pelo coletivo de Milão). Irigaray, que havia estabelecido que “a diferença sexual era uma questão a ser pensada pela filosofia” (SARTORI, 2001, p. 4), e Lonzi (2014), que mostrava a importância de se buscar as raízes da opressão feminina, pensando tal diferença e não lutando pela igualdade, porque a igualdade não é filosófica, mas política (ou apenas política). Assim, as mulheres de Diótima definem como sua tarefa, na luta dos coletivos feministas, o engajamento na produção teórico-filosófica feminista, porque avaliam que a teoria feminista italiana ainda não possuía fundamentos filosóficos sistematizados – com conceitos e categorias. Para elas, era necessário superar as abordagens já derrotadas na luta política das mulheres, tais como, igualdade, emancipação e vitimização, inspiradas por análises amparadas pelas categorias do pensamento político da modernidade e pela perspectiva do contrato social, para produzir uma teoria que representasse o ser mulher e as relações que estavam construindo ali.
Para pensar a complexa relação entre mulheres e filosofia, não bastava considerar o fato de que elas, que durante séculos foram alijadas do âmbito do pensamento, agora tivessem acesso a ele. Era preciso construir, criar, a forma de ser mulher e pensar filosoficamente. Segundo Lauretis (1990, p. 12), a tarefa da filosofia feminista, entre outras coisas, é justamente enfrentar um paradoxo: pensar a diferença sexual por meio de categorias de um pensamento que é sustentado pelo não pensamento da diferença em si mesma. Diótima precisou encarar o desafio apontado por Lauretis, dedicando-se a conceitos chaves da filosofia, para metodologicamente ser possível construir seu caminho teórico sobre a diferença sexual. Adriana Cavarero (1991), integrante da comunidade nesse período, ressalta que o percurso das pensadoras pela seara da filosofia – para legitimar o que estavam construindo – significou uma invasão do pensamento filosófico com as ferramentas do próprio pensamento filosófico. Muraca sintetiza:
A partir da crítica do sujeito neutro supostamente universal da filosofia moderno-ocidental e em contraposição ao feminismo da igualdade, o feminismo da diferença elaborado por Diótima coloca a diferença entre os sexos como uma diferença fundamental e assimétrica, ao mesmo tempo em que recusa uma concepção a-histórica e essencialista dessa diferença, que a identifique com a divisão sexual dos papeis sociais. (MURACA, 2015)
O conceito filosófico constitui-se com o objetivo de ser abstrato, universal e neutro, transcendendo os “acidentes” da individualidade e da diferença sexual. Mas ele esconde, atrás de si, o sexo que historicamente pôde construí-lo e o modus operandi de excluir tudo que é excessivo, acidental, e que, na verdade, corresponderia ao outro simbólico – o sexo feminino. Assim, o que é universalizado é o masculino, o hegemônico, sem que se apresente sua perspectiva parcial. Cavarero (1991) ressalta que, quando a mulher filósofa decide filosofar, ela se submete a essa falsa imparcialidade ou dupla neutralização, que a exige se tornar uma pensadora neutra de uma neutralidade parcial. Esse processo exclui sua diferença enquanto pensadora (pensando tanto no feminino em geral, produzido simbolicamente, quanto na mulher real) e retira do objeto pensado e do conceito construído a possibilidade de representar a diferença. Então, para enfrentar a falsa neutralidade – já que não é possível admitir o neutro, se há multiplicidade de existências – definiu-se como necessária a construção de um pensamento sexuado. “Esse pensamento teria que se transformar na potência representativa do e para o sujeito feminino, capaz de nomear e pensar por ele mesmo, tendo como ponto de partida sua originária e irredutível diferença sexual” (CAVARERO, p. 183). Em suma, de ponto de partida, a diferença se configura tanto em conceito quanto em fundamento de um pensamento, que busca a representação do feminino na filosofia (busca uma ordem simbólica feminina) e possibilita à filósofa expressar-se e pensar a partir de seu gênero, afirmando seu ser real, existente, sexualizado e corporal.
A libertação das mulheres deve considerar pelo menos três aspectos presentes na experiência das italianas: a superação da injustiça; a manifestação de uma dimensão de relação com o mundo omitida até aquele momento (COLLIN, 2009) e a criação de um pensamento que fundamente e dê suporte à prática (transformadora) de mulheres enquanto sujeitos. Por isso, Diótima não se empenhou em apenas criar um ponto de vista histórico-cultural novo – construído após a apreensão de categorias de sistemas de pensamento já constituídos (tais como a psicanálise e o marxismo) –, retirando das fissuras da história o feminino escondido. Mas, sem desconsiderar as revisões culturais e produções coletivas do movimento feminista, em especial do italiano e do francês, lança-se à atitude revolucionária de criação do pensamento da diferença sexual, que demandou novos conceitos e práticas inovadoras no fazer filosofia. No livro Il pensiero della differenza sessuale, de 1987, as autoras apresentam o processo de criação desse novo pensamento e os conceitos e práticas que permearam tal intento, construído em conformidade com as necessidades subjetivas e históricas do movimento a que pertenciam.
O pensamento da diferença sexual considera a mulher como sujeito e objeto da sua ação política e teórica. Busca eliminar a dualidade excludente entre público e privado, trazendo para o ato de pensar – e para o local oficial da produção filosófica com legitimidade – o modelo das práticas feministas de raciocínio oral – produzido no presente, no encontro real entre mulheres e no páthos da diferença sexual –, que antes se restringiam ao espaço privado. E sustentar todo o processo de pesquisa e criação, como apresenta Cavarero (1991), em um feminino simbólico: um quadro de referências capaz de garantir a necessária auto representação simbólica das mulheres enquanto sujeitos, para que elas mesmas possam conhecer sua imagem e então encontrar-se e reconhecer-se.
Com L'ordine simbolico della madre de 1991, Muraro leva a investigação sobre a diferença à sua raiz, com seu esforço filosófico (seguindo a vocação da filosofia pela busca dos princípios primeiros) em criar e fundamentar o conceito de ordem simbólica da mãe: o feminino simbólico, que representaria o esforço por uma mudança cultural, conceitual e linguística, que deslegitimasse a exclusão das mulheres de qualquer espaço de atuação e/ou reflexão. Para isso, não focou em criticar toda a filosofia, mostrando seu machismo e misoginia, mas em definir a origem que representa e dá suporte ao feminino e que pode abrir caminhos para se pensar outras percepções do mundo e das relações. A ordem simbólica da mãe é um pensamento estrutural – dialoga com a psicanálise e com a linguística – e define como sua estrutura: “a relação da filha com sua mãe concreta e pessoal” (MURARO, 1994), resgatando, da concretude, seu potencial simbólico.
Já que seu foco é encontrar uma figura de autorização feminina, capaz de legitimar a diferença sexual feminina como uma diferença humana originária, pensa na filha em sua relação com a mãe e na ressignificação da filha – desprestigiada na família patriarcal –, através da valorização da linhagem feminina. O sentido da relação entre elas pode ser explicado como um amor ao saber, retomando o significado filosófico do amor – apresentado a Sócrates por Diotima, no diálogo O Banquete –, mas com uma nova origem que potencializa o feminino. Ela afirma a importância de definir o amor ao saber como um “saber amar a mãe”, em reconhecimento à vida (à origem) e à língua gratuitamente recebidas, realizando um movimento, simbólico, contrário àquele dos filhos homens que – pensando na lei fálica da psicanálise – “encobrem com fundamentos ideais a origem de seu saber. Amam uma mãe muda, cuja obra apresentam como uma imagem e uma aproximação da sua (obra), invertendo a ordem das coisas". (MURARO, 1994, p. l2 e 13).
A Estrutura abordada por Muraro não teria um caráter moral, mas simbólico. A ordenação, para a filósofa italiana, seria compreendida não como uma prescrição que deve ser cumprida (lei moral de amor à mãe), mas como a tomada de consciência e o nomear da relação da filha com a mãe, para o reconhecimento de sua origem. Ressaltando a imanência e a presença corporal, a filósofa cunha uma origem material para a filosofia. Esta se fundamentaria no vínculo, rompendo com a perspectiva da dualidade, que se expressa em dicotomias como sujeito-objeto, mente-corpo (público-privado), natureza-cultura, às quais desconsideram o materno e afirmam o paterno, fundamentando-se na relação simbólica de separação (dicotomia) entre o filho e a mãe, que a vê de fora, abstrata. Supera-se a concepção de natureza enquanto fonte “apenas” de outros seres, mas não de cultura.
À ordem simbólica patriarcal faltaria uma estrutura elementar aonde o ser pudesse se nutrir – que unisse o natural e o cultural – e que permitisse reconhecer a origem do dar a vida como uma criação, em que fazem parte a mulher criadora (à qual é necessário reconhecer a autoria) e a mulher criada (que continua a criação sustentada pelo vínculo). O patriarcado, para a filósofa, é o responsável por essencializar as mulheres. Ele se estrutura na maternidade como modelo a-histórico e idealizado, que destinaria “naturalmente” a mulher à vida privada (pré-política) e ao cuidado, ao romper seu laço com a cultura (invizibilizando-a na estrutura que ordena a linguagem e seus significados). “Falar de essencialismo é falar de dentro do patriarcado, que considera que somente o pai é o fundamento de cultura, porque não é autor de vida” (RIVERA, 1994, p. IX).
A ordem simbólica da mãe – o reconhecimento da dependência como origem das relações entre mulheres – representaria a força, conceitual e política, necessária para elas atingirem a autonomia que estavam buscando. Mas uma autonomia amparada por uma dependência, compreendida a partir de uma nova perspectiva: como aliança ou vínculo simbólico (um vínculo ético de confiança) capaz de sustentar, teórica e praticamente, um contrato social entre mulheres diferentes (mãe-filha) e de ultrapassar as dicotomias (e seus juízos de valor e hierarquias) e o paradigma liberal da autonomia – do indivíduo constituído como sujeito de direitos isolado e abstrato. É a abertura para se pensar alternativas à construção política e social – fundamentalmente o liberalismo filosófico e político – que se tornou hegemônica, a partir da modernidade.
Em suma, a investigação sobre a diferença sexual, que decorre do questionamento da dicotomia entre público e privado, nesse contexto italiano, corresponderia à busca por uma origem, por um fundamento, que legitimasse o feminino como sujeito, para que tivesse a possibilidade de construir outras bases sociais que o representasse. Em Diótima, busca-se um fundamento estrutural para se pensar a política da diferença sexual, um princípio que legitime a existência originária da diferença sexual e que possa apoiar a reflexão desenvolvida por mulheres.
CONCLUSÃO
No artigo, apresentei um percurso argumentativo para que fosse possível compreender e contextualizar o pensamento feminista desenvolvido por Diótima. Como panos de fundo para a condução desta análise, pautei-me em dois problemas teóricos feministas, quais sejam: a dicotomia entre espaço público e privado e a oposição entre igualdade e/ou diferença, que são fundamentos teóricos, para definir os caminhos políticos das lutas das mulheres contra os limites, concretos e legais, impostos a elas. Apoiando-me em Okin (2008), optei por operar com noções paradigmáticas (e igualmente gerais) de público e privado, não evitando as ambiguidades que surgem nessa compreensão, quando não se define especificamente o que cada pensadora ou cada coletivo compreende de tal dicotomia. Além disso, associo à reflexão sobre público e privado, uma noção geral da divisão sexual de trabalho, que historicamente também se define por essa perspectiva, o que permite associar homens à esfera da vida econômica, política e filosófica e mulheres à esfera privada da domesticidade e da reprodução (OKIN, 2008).
Para pensar a especificidade da luta das italianas contra os limites impostos pela separação entre público e privado e os papéis sociais definidos por ela, fez sentido utilizar definições mais gerais. Os coletivos feministas encontraram dificuldades de romper com o espaço privado que, no contexto analisado, corresponde a uma perspectiva de espaço doméstico ampliado, que abarca grande parte das lutas políticas das mulheres. Pelas persistentes dificuldades de se estabelecer legitimamente no âmbito ampliado do político, do filosófico, do econômico e suas respectivas instituições – mesmo quando eram membros delas –, as pensadoras/militantes decidem ultrapassar a perspectiva universalista da igualdade, inspirada ou pela luta liberal por direitos individuais ou pela luta marxista pela eliminação da divisão de classe. Desenvolvem, portanto, o caminho de afirmação da diferença, para que pudessem lutar por transformações estruturais mais profundas (ou até radicais), que permitissem abarcar amplamente uma existência feminina (das mulheres concretas às elaborações simbólicas).
Para as italianas, sem uma mudança cultural e simbólica que fundamentasse a existência do feminino como diferença, a luta política pela igualdade poderia dar acesso a direitos, mas manter a subordinação feminina a princípios universalistas que negam a concretude material dos corpos e de suas experiências diferenciadas no mundo. Como sintetiza Negri, para as feministas italianas é a “ânsia de reconstrução que move a afirmação mesma da diferença (...). Diferença é resistência: rompimento com a ordem da reprodução, contra a validade universal da obediência feminina ao patriarcado” (NEGRI, 2005 p. 22).
Dessa forma, inspiradas pelas construções coletivas e conquistas históricas do feminismo da diferença, as integrantes de Diótima desenvolvem seu pensamento da diferença sexual, agregando suas experiências concretas, enquanto filósofas, mulheres e pertencentes a uma comunidade filosófica feminina, parcialmente incluída no espaço público. Buscam não ignorar quem são e o contexto em que estão e a partir daí constroem uma teoria que represente isso: que fundamente – de forma sistemática e rigorosa – suas ações e relações na sociedade (relações entre elas mesmas e entre elas e os homens, no espaço privado e no espaço público).
O ponto chave da tentativa de Diótima de legitimar as experiências diversas no mundo (as possibilidades que surgem da diferença sexual) foi a preocupação em encontrar conceitos capazes de desconstruir a inferiorização do feminino no discurso filosófico, ou melhor, na fundamentação simbólica da opressão e da hierarquia entre masculino e feminino. Para isso, adotam uma atitude de ousadia e criatividade na produção ou ressignificação de conceitos, para que possam melhor traduzir o que vivem (a filósofa real, com sua diferença e a forma como sentem – páthos – essa diferença), para o projeto de sociedade que almejam para si, enquanto mulheres italianas.
Em Diótima, a diferença sexual corresponde a uma práxis transformadora da experiência das mulheres. Uma transformação da realidade para que mulheres reais pudessem ser filósofas de um pensamento sexuado, que vence os limites teóricos e práticos da neutralidade filosófica. A diferença sexual deixa de ser um conceito, uma afirmação conceitual da diferença, para se tornar o fundamento material, de onde partem todas as reflexões práticas e teóricas das mulheres, de um pensamento sexuado (que afirma a possibilidade da multiplicidade existencial).
O método desenvolvido por Diótima, cunhado na multiplicidade da vida e nos desafios das experiências, aborda a diferença sexual como práxis, oferecendo ferramentas originais para analisar as demandas das diferentes mulheres a partir de suas vidas, isto é, a partir do páthos que as mobiliza conforme contextos históricos, políticos, culturais e territoriais específicos. Dessa forma, a produção e a trajetória dessa comunidade podem ser fecundas para pensar o feminismo contemporâneo – em diferentes contextos, principalmente nos países subalternizados ou no que se denomina sul global –, que deve ser, em alguma medida, interseccional. Ou seja, estar atento a como são múltiplas as mulheres e a como suas condições, e suas produções teóricas e práticas, deveriam se alterar conforme as múltiplas opressões – gênero, raça, etnia, classe, sexualidade, geração, território etc. – que as posicionam socialmente.
REFERÊNCIAS
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[1] Diotima de Mantineia teria sido uma sacerdotisa, filósofa e mestre na Atenas Clássica. A referência à sua existência ocorre apenas no diálogo O Banquete de Platão, quando Sócrates, ao realizar o seu discurso em honra ao amor, afirma que versará sobre ensinamentos, teóricos e metodológicos, que lhe foram dados por Diotima. Apesar de Platão se referir explicitamente à sábia estrangeira no diálogo e de sempre utilizar figuras históricas como personagens em suas obras, muitos de seus comentadores colocam em dúvida sua existência histórica.
[2] Todas as citações literais contidas neste texto foram traduzidas livremente pela autora.
[3] Conceito fundamental para o pensamento italiano de tradição marxista – remetendo mais especificamente aos filósofos Benedeto Croce e Antonio Gramsci – e para Françoise Collin, filósofa do feminismo da diferença francês, cujas obras influenciaram a filosofia de Diótima.
[4] Dietz define o feminismo da diferença social como uma categoria multidisciplinar, incluindo toda uma tradição de autoras (desde Beauvoir até os anos 80), que desenvolveram suas teorias em diferentes campos do conhecimento. Essa pesquisadora enumera os feminismos e as autoras iniciais dessa categoria: “o feminismo existencial de Beauvoir (1949), o feminismo liberal de Friedan (1963), o feminismo radical de Millet (1970), o feminismo socialista-marxista de Rowbotham (1972), o feminismo psicoanalítico de Michel (1973) e outras escritoras da ‘libertação da mulher’ dos anos sessenta e princípio dos setenta” (DIETZ, 2003, p. 404).
[6] As muitas publicações da comunidade, desde sua fundação até os dias atuais, se dedicam a fundamentar os conceitos e as práticas, que têm a diferença sexual como fio condutor para se pensar a luta das mulheres, tais como: a) dicotomia entre público e privado, com foco na Filosofia; b) uma nova compreensão de autoridade; c) a diferenciação fundamental entre política (pode ser conduzida através da diferença) e poder (se configuraria pela perspectiva política simbolicamente masculina); d) uma ordem simbólica e social feminina; e) corpo, presença e vivência como centrais na ação política das mulheres e f) a escrita das mulheres ou escritura feminista como um elemento marcante para a luta política.
[7] Diotima ensina a Sócrates a especificidade de Eros, que se encontra, enquanto daimon, na posição intermediária entre os deuses – que possuem o bem e o belo, ou seja, a sabedoria – e os humanos – que estão privados do bem e do belo. Sua natureza intermediária possui uma origem mítica: é fruto da união entre a mãe mortal Penia (Pobreza) e o pai divino Poros (Engenho). Daquela, herda sua condição de falta, de carência de algo, o estado de aporia, e, deste, a capacidade de superar a falta e alcançar a euporia. A união das características herdadas de ambos (a peculiaridade do amor erótico) constituiria a especificidade do filósofo e do pensamento ao qual poderia se dedicar – philia à sabedoria. No diálogo O Banquete de Platão, “se estabelecem a natureza, as finalidades e os limites da atividade filosófica” (FERRARI, 2012, p. 9).
[8] A palavra matéria deriva etimologicamente de mater-tris, que significa mãe. No feminismo da diferença de Diótima, mas já desde Lonzi, há um resgate do conceito de matéria e o desenvolvimento de um materialismo, que se apoia na relação com a mãe, com a terra, com a fonte material da vida. Cito Lonzi: “a mulher é a outra cara da terra” (LONZI, 2014, p. 45).
[9] É importante destacar que, para Luiza Muraro e para o feminismo da diferença italiano, a linguagem e as produções simbólicas são também corporais, materiais. Dessa forma, realmente não faz sentido para essas reflexões a dicotomia natureza-cultura. Segundo Esposito, “o feminismo italiano, inicialmente engajado numa redescoberta da linguagem simbólica, começa a perceber a inadequação do horizonte linguístico em relação a algo de irredutivelmente corpóreo, que desborda dos seus confins, sejam eles metafóricos ou metonímicos" (ESPOSITO, 2010, p.10).
FEIRA DE SANTANA-BA | nº 6 | vol. 1 | Ano 2017
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