Opinião pública, hegemonia e cultura nos Cadernos do Cárcere de A. Gramsci

Luciana Aliaga*
 Andressa Lima da Silva**



RESUMO: A investigação das relações complexas que se estabelecem na sociedade moderna entre os aparelhos de opinião pública, a cultura e os processos de hegemonia analisados nos Cadernos do Cárcere por Antonio Gramsci, constituem o centro de interesse do presente artigo. Para consecução do nosso objetivo tomamos como ponto de partida uma das características chave da opinião pública: o desempenho de “funções de partido” por jornais, revistas e pelo setor editorial em geral. Estas “funções de partido” ao mesmo tempo tornam evidente o caráter privado dos aparelhos de “opinião pública” e explicitam suas conexões com as classes sociais, muitas vezes não imediatamente perceptíveis.
Palavras-chave: Opinião pública; Hegemonia; Cultura; Partidos políticos.
Introdução

Nos Cadernos do Cárcere, já no primeiro caderno escrito entre fevereiro e março de 1929[1], Gramsci caracteriza o exercício “normal” da hegemonia como “uma combinação da força e do consenso que se equilibram, sem que a força suplante em muito o consenso, ao contrário, apareça apoiada pelo consenso da maioria, expresso pelos assim ditos órgãos da opinião pública” (GRAMSCI, Q.1, § 48, p. 59[2]). Deste parágrafo podemos deduzir dois elementos importantes da teoria de Estado gramsciana, de clara influência maquiaveliana[3]. Em primeiro lugar o Estado moderno se mantém a partir de um equilíbrio entre força e consenso e, portanto, o conflito está sempre subjacente às relações sociais e políticas. De acordo com Gramsci o consenso permite à classe ser dirigente, enquanto a força torna-a dominante (Cf. Q. 1, § 44, p. 41). Este é, portanto, um Estado de classes e não um abstrato Estado ético. A segunda constatação que se pode fazer é que a relação entre as classes sociais e entre estas e o Estado-governo, ou, nos termos gramscianos, a sociedade política, é mediada pela cultura, âmbito de ação dos aparelhos privados de hegemonia[4] em geral e especificamente dos assim chamados “aparelhos de opinião pública”. 

Para Gramsci os jornais, as revistas e o setor editorial em geral, constituem importantes pontos de contato entre a “sociedade civil” e a “sociedade política”, entre a força e o consenso. Neste sentido, podem se tornar instrumentos do Estado para “organizar e centralizar certos elementos da sociedade civil” “quando quer iniciar uma ação pouco popular” (cf. Q. 7, § 83, p. 914). Mas os órgãos de opinião pública são fundamentais também para as classes não hegemônicas, isto é, o conjunto das classes subalternas somente pode construir uma nova concepção de mundo se for capaz de universalizar a ética e a política presente em sua filosofia, criando movimentos culturais, “movendo” a opinião pública, em suma, criando consentimento em torno de sua própria visão de mundo.

Neste sentido, os diferentes órgãos da opinião pública não apenas atuam na formação do consenso, mas de fato “educam” (Cf. Q. 10, § 44, p. 1330-1331), isto é, conformam mentalidades e aceitação em torno de determinadas ideias e políticas. Gramsci, deste modo, contraria a ideia mesma de “opinião pública”, ou, melhor, ele põe em relevo seu caráter “privado”, mostrando que toda opinião está ligada por muitos fios, às vezes não imediatamente perceptíveis, aos grupos de interesse e às classes sociais.

Os aparelhos de opinião pública desempenham um papel de grande importância no processo de luta entre hegemonias ao nível da consciência. Para o autor, em certas circunstâncias “são os jornais, agrupados em série, que constituem os verdadeiros partidos” (Q.1, § 116, p.104). Ao demonstrar que as linhas editoriais guardam conexões com interesses de grupos, Gramsci sinaliza para uma função que é específica dos partidos políticos: sintetizar ou influenciar a concepção de mundo e a ética adequada à determinada classe, universalizando-a para o conjunto da sociedade. Neste sentido, buscaremos esclarecer em primeiro lugar como Gramsci define os partidos políticos nos Cadernos do Cárcere, para em seguida refletir sobre as “funções de partido” desempenhadas pelos aparelhos de opinião pública e, por último, suas diversas relações na sociedade civil com os processos culturais e políticos de hegemonia.

Partido político e função de partido

            O partido político é definido por Gramsci nos Cadernos do Cárcere como o “moderno príncipe”, o “condottiero ideal” (Cf. Q. 13, § 1, p. 1555). Numa clara referência à Maquiavel, o autor destaca o papel fundamental da direção e da formação política que têm os partidos modernos. Esta função diretiva e organizativa deve ser compreendida no interior das relações de forças na sociedade civil e no Estado. O “momento” onde se localiza o partido é aquele “essencialmente político”, isto é, o momento em que a classe social ou o grupo específico torna-se capaz de superar as demandas meramente econômicas e alcançar o terreno da universalidade (Cf. Q. 13, § 17, p. 1584).

O momento anterior, econômico-corporativo, caracteriza-se justamente por uma solidariedade essencialmente econômica de grupo profissional, assim, não há consciência de unidade do grupo social mais amplo. Por outro lado, a formação de uma vontade coletiva localiza-se num estágio superior, no momento da formação da consciência de classe e absorção dos interesses dos grupos subalternos. Esta é a fase mais estritamente política que “assinala uma passagem nítida da estrutura para a esfera das superestruturas complexas, é a fase em que as ideologias geradas anteriormente se transformam em partido” (idem). Esta elaboração política de interesses de grupo consiste na formação mesma do partido político, como agente capaz de sintetizar a ética e a política adequada à classe que representa.

            Destarte, ao partido cabe resguardar os interesses da classe que representa, porém, simultaneamente, deve assimilar em certa medida os interesses das classes subordinadas. Deste modo, difunde sua visão de mundo de forma que os demais grupos sociais a tomam como sua própria visão. A difusão por toda área social de sua visão de mundo e a aceitação desta pelos demais grupos contribui para a construção da hegemonia do grupo social fundamental, assim:
determinando além da unicidade intelectual dos fins econômicos e políticos, também a unidade intelectual e moral, pondo todas as questões em torno das quais ferve a luta não no plano corporativo, mas num plano ‘universal’ criando assim a hegemonia de um grupo social fundamental sobre uma série de grupos subordinados (idem).
Nos Cadernos, contudo, Gramsci observa que no mundo moderno, “os partidos orgânicos e fundamentais, por necessidade de luta ou por alguma outra razão, dividiram-se em frações, cada uma das quais assume o nome de partido”, de modo que, muitas vezes o “Estado-Maior intelectual do partido orgânico” opera como se fosse uma “força dirigente em si mesma, superior aos partidos e às vezes reconhecida como tal pelo público”. E arremata:
Esta função pode ser estudada com maior precisão se se parte do ponto de vista de que um jornal (ou um grupo de jornais), uma revista (ou grupo de revistas) são também ‘partidos’, ‘frações de partido’ ou “funções de determinados partidos” (Q. 17, §37, p. 1939).
Observe-se que, para o autor, os jornais e as revistas, isto é, os aparelhos de opinião pública, devem ser estudados em sua conexão com os “partidos orgânicos e fundamentais”, ou, pode-se dizer, com os grupos sociais que travam disputa político-cultural na sociedade civil no interior das lutas por hegemonia. Neste sentido, ainda que sejam reconhecidos como uma “força dirigente em si mesma, superior aos partidos” – o que supõe certa “isenção ideológica” – são “aparelhos” de opinião, isto é, desempenham funções políticas na sustentação de certa visão de mundo ligada a determinados grupos sociais.


Note-se que quando Gramsci se refere aos aparelhos de opinião pública como partidos ele utiliza aspas, procedimento usado nos Cadernos para indicar que determinado termo ou conceito está sendo utilizado fora de seu sentido habitual, neste caso, determinadas revistas ou jornais são “partidos” na medida em que desenvolvem funções de partido e estão enraizados em grupos sociais fundamentais.

Gramsci, portanto, distingue este tipo de “partido” específico, que abstrai a ação política imediata, isto é, dos homens de cultura, que tem a função de dirigir do ponto de vista da cultura, da ideologia geral, um grande movimento de partidos afins (frações de um mesmo partido orgânico). Ao analisar a situação da Itália de seu tempo, Gramsci afirma que, pela falta de partidos organizados e centralizados, “não se pode prescindir dos jornais: são os jornais, agrupados em série, que constituem os verdadeiros partidos” (Q. 1, §116, p. 104). Neste sentido, os jornais cumprem duas funções fundamentais: informação e direção política geral. Esta direção política obviamente não é neutra, ao contrário, está ligada por muitos fios a determinados grupos (Cf. idem). Ao demonstrar que as linhas editoriais guardam conexões com interesses de grupos, Gramsci sinaliza para uma função que é específica dos partidos políticos: sintetizar ou influenciar a concepção de mundo e a ética adequada à determinada classe, universalizando-a para o conjunto da sociedade. Para esta função deve-se da mesma forma levar em conta a atuação dos “intelectuais”, mas neste caso específico, sua atividade concentra-se na capacidade de influenciar as linhas editoriais de acordo com os interesses de grupos, de certa forma, estes indivíduos constituem-se em dirigentes dos jornais (Cf. Q. 1, § 116, p. 108-109). 


Hegemonia como processo educativo

Aspecto importante dos aparelhos de opinião pública – a imprensa, os jornais, as revistas, e o setor editorial em geral – é seu papel educativo na formação de um determinado clima cultural, isto é, no convencimento, na conformação da opinião. O fato de a hegemonia não se realizar apenas por meio dos aparelhos repressivos do Estado, mas também por meio dos aparelhos privados de hegemonia, põe em relevo seu aspecto “pedagógico”, neste sentido, compreende-se a afirmação de Gramsci segundo a qual “toda relação de hegemonia é necessariamente uma relação pedagógica [...]” (Q. 10, §44, p. 1331).

            Nesse sentido, os aparelhos de opinião pública, que estão estritamente ligados ao exercício da hegemonia através de sua atividade educativa formam consenso e difundem determinadas concepções de mundo na sociedade. O conjunto de concepções que difundem, a despeito de se apresentarem como fria análise de fatos concretos e, não obstante reivindicarem isenção ideológica estão, invariavelmente ligados à filosofia de um tempo, eivada por ideias-força que se tornaram senso comum, “religião de um tempo histórico”, que servem de apoio ao status quo. A opinião pública, portanto, se constitui enquanto o ponto de contato entre a sociedade civil e a sociedade política, entre a força e o consenso, justamente por atuar na relação que se estabelece entre os grupos dirigentes e aqueles dirigidos.

            Compreende-se, destarte, que a atividade educativa dos aparelhos de opinião pública é imprescindível para os processos de hegemonia, seja para sua manutenção pelos grupos dominantes ou para a construção de uma nova hegemonia pelas classes subalternas. No caderno 24, ainda sobre os jornais, Gramsci ressalta que estes se distinguem entre o jornal de informação, que não possui nenhum partido explícito – que também é definido como jornal popular, por ser destinado às massas populares –, e o jornal de opinião, que consiste num órgão de partido, e é dedicado a um público restrito. Enquanto no último caso as conexões com a classe são evidentes, no primeiro estes liames não são explícitos e, via de regra, são mais difíceis de perceber imediatamente. Neste caso é necessário investigar seu editorial, o conjunto das opiniões expressas, os interesses que defende, bem como os intelectuais que o dirigem e suas conexões individuais para definir quantos fios o ligam a quais classes ou frações de classe. Isto porque é de fundamental importância para as classes dominantes que os grandes “jornais populares”, principalmente aqueles de circulação nacional, apareçam como neutros, imparciais, defensores de supostos interesses universais, de uma indiferenciada e homogênea sociedade civil. Os jornais populares se tornam, assim, os grandes educadores da massa. Eles “simplificam” a realidade social para o homem médio e, assim, naturalizam o que é social e velam o conflito entre as classes.

Ao contrário, para Gramsci, a imprensa consiste na parte mais dinâmica da estrutura ideológica da classe dominante (Cf. Q. 3, § 49, p. 332-333), voltada para difundir conteúdos acerca da sociedade sob uma determina perspectiva. Esta elaboração madura de Gramsci começa a ser elaborada nos anos anteriores ao cárcere. No artigo “Os jornais e os operários”, publicado no “Avanti!” em 22 de dezembro de 1916, o autor afirma:
Tudo que se publica é constantemente influenciado por uma ideia: servir a classe dominante, o que se traduz sem dúvida num fato: combater a classe trabalhadora. (...) E não falemos daqueles casos em que o jornal burguês ou cala, ou deturpa, ou falsifica para enganar, iludir e manter na ignorância o público trabalhador. (GRAMSCI, 1980, p. 661).
Nesse sentido, observa-se que a concepção de mundo da classe dominante é hegemônica justamente porque conseguiu tornar-se senso comum, uma fé, uma religião laica, o que determina que sua suposta isenção seja aceita acriticamente. A concepção de religião laica é uma elaboração original de Benedetto Croce, que Gramsci define como “unidade de fé entre uma concepção de mundo e uma norma de conduta adequada a ela, apresentada em forma mitológica” (Q. 10, §5, p.1217-1218). Gramsci assimila esse conceito criticamente e o utiliza como uma forma de descrever o papel prático da ideologia, que seria justamente colocar as massas em movimento, levá-las a ação. A verdadeira concepção de mundo, neste sentido, se manifesta na ação, por esta razão a concepção de mundo mais arraigada na cultura é aquela que aparece como natural, como uma fé, como uma religião sem deus e sem culto. Neste sentido, somente ao tornar-se religião (laica) é que uma concepção de mundo terá impacto histórico, isto é, se tornará hegemônica. Assim, as classes subalternas devem travar também uma batalha cultural no interior das consciências para construir novas concepções de mundo, que estejam em consonância com as necessidades concretas de vida, de trabalho e de fruição do conjunto dos trabalhadores.

Destarte, encontramos outro aspecto da atuação dos dirigentes de jornais e revistas que pode ser abordado do ponto de vista do seu caráter educativo, este se refere à possibilidade da elevação das consciências no seio dos grupos subalternos. Neste sentido, as redações das revistas podem funcionar como círculos de cultura, que tem a função de “criticar de modo colegiado e contribuir para elaboração de trabalhos dos redatores individuais, cuja operosidade é organizada segundo um plano e uma divisão do trabalho racionalmente preestabelecidos (Q.12, §1, p. 1533).

A crítica colegiada está, portanto, voltada à educação recíproca como uma forma de elevar o nível médio individual, no caso particular dos redatores de revista no qual cada um é especialista em sua matéria, a troca de informações ou a crítica construtiva constitui um meio de “alcançar o nível ou a capacidade do mais preparado” (idem). É  este “intercâmbio” de conhecimentos que dá organicidade ao grupo, e não apenas isto, mas “criam-se também as condições para o surgimento de um grupo homogêneo de intelectuais preparados para a produção de uma atividade ‘editorial’ regular e metódica (não apenas de publicações de ocasião e de ensaios parciais, mas de trabalhos orgânicos de conjunto)” (ibidem).

Temos, portanto, uma relação pedagógica entre os membros mais avançados e os mais atrasados do grupo, o que pode resultar na elevação do nível médio. O ponto fundamental a ser observado é que, assim como deve ocorrer no partido, esse tipo de atividade editorial favorece a crítica da própria consciência, avançando no sentido da formação de uma consciência integral de mundo, menos contraditória, mais próxima da criação de uma nova cultura.

Estes organismos, contudo, que não se caracterizam por atividade política direta, por seu modo de operar, correm o risco de perder o lastro na sociedade, isto é, de ter um alcance tão restrito que se torna irrelevante. Desta forma só podem atingir os objetivos como associação cultural se de fato estiverem ancorados em “um movimento de base disciplinado, [caso contrário] tendem ou a se tornarem igrejinhas de ‘profetas desarmados’, ou a se cindirem de acordo com movimentos inorgânicos e caóticos que se verificam entre os diversos grupos e camadas de leitores” (Q. 6, §120, p. 790).

O que Gramsci demonstra é a necessidade de organicidade, as revistas ligadas aos grupos subalternos não podem estar no “limbo social”, supostamente em posição neutra em relação aos grupos sociais, pois esta situação as restringe, faz com que acabem por se cindirem infinitamente, sem de fato contribuir para o avanço cultural do país.  O mesmo se aplica às revistas dos partidos, igualmente elas devem ter caráter de massa. A atividade política partidária por si só não é capaz de cumprir a função das revistas:
“(...) não se deve crer que o partido constitua, por si mesmo, a ‘instituição’ cultural de massa da revista. O partido é essencialmente político e até mesmo sua atividade cultural é atividade de política cultural; as ‘instituições’ culturais devem ser não apenas de ‘política cultural, mas de técnica cultural’. Exemplo: num partido existem analfabetos e a política cultural do partido é a luta contra o analfabetismo” (Q. 6, §120, p. 790-791).
É importante notar que Gramsci diferencia política cultural, própria do partido político (luta contra o analfabetismo) e técnica cultural, própria das “instituições” culturais (ensinar a ler e a escrever). Segundo o autor, num grupo criado para lutar contra o analfabetismo não se propõe a ensinar ler e escrever meramente, não é uma “escola para analfabetos”, mas “planejam-se todos os meios mais eficazes para extirpar o analfabetismo das grandes massas da população de um país, etc.” (idem). De modo que ficam claras tanto as conexões, quanto as distinções entre o partido e os aparelhos culturais que cumprem determinadas “funções de partido”.

As revistas não ligadas aos partidos políticos possuem, contudo, uma limitação adicional: elas não podem corresponder às necessidades meramente ideológicas na medida em que precisam também atender às necessidades comerciais:
“Os leitores devem ser considerados de dois pontos de vista principais: 1. Como elementos ideológicos, ‘transformáveis’ filosoficamente, capazes, dúcteis, maleáveis à transformação; 2. Elementos ‘econômicos’, capazes de adquirir as publicações e de fazê-las adquirir por outros (...) É observação generalizada a de que, num jornal moderno, o verdadeiro diretor é o diretor administrativo e não o diretor da redação” (Q. 14, §62, p. 1721).
Desta forma, todo o trabalho cultural e educativo que caracteriza a função política das revistas corre o risco de perder-se na burocracia, já que se coloca a necessidade de um “técnico” financeiro para cuidar das atividades da redação, ou seja, existe a possibilidade dos elementos econômicos sobrepujarem os elementos ideológicos.

Disto depreende-se que, embora tenhamos dito no início desta discussão que determinadas organizações ou “instituições” como os jornais e revistas, não sejam partidos estrito senso podem cumprir esta função, é preciso dizer neste momento que estas “instituições” não são suficientes para substituir o partido – principalmente para as classes subalternas –, ou seja, não cumprem plenamente a função de partido, sua ação é restrita. Esta restrição também diz respeito aos aspectos específicos ligados à militância no partido, ou seja, a ação política direta não é um acessório, ela é central para elaboração de novas intelectualidades integrais, neste sentido, somente os partidos são o “crisol da unificação, de teoria e prática, entendidos como processo histórico real” (Q. 11, §12, p.1387).

Dito de outra forma, a função de partido não substitui o partido, os termos não são intercambiáveis. Assim, o oposto também é verdadeiro, o partido, embora ligado à função cultural das revistas e jornais, não pode substituí-los e nem prescindir deles. Nenhum partido que tenha como projeto ser o divulgador de uma nova cultura pode dispensar a atividade jornalística, antes, ela devem ser parte constituinte da sua estrutura.

Considerações finais

Os processos de hegemonia somente podem ser suficientemente apreendidos se os compreendermos por meio de suas formas diversas de exercício, a partir dos grupos em luta no interior das relações sociais de forças. Estas condições demonstram que as formas de exercício da hegemonia – e de lutas dos grupos subalternos pela sua conquista – exigem estratégias, organização política e discursos diversos. Compreendê-las então, enquanto processos pedagógicos – seja por meio dos grandes meios de comunicação de massa e suas relações indiretas com os partidos burgueses, seja por meio dos aparelhos de opinião ligados aos partidos das classes subalternas – é fundamental para perceber que a dominação não se limita ao âmbito econômico, mas só se efetiva porque existe uma base ideológica e cultural que a sustenta.

Destarte, para compreender suficientemente as conexões complexas entre hegemonia e cultura é fundamental considerar tanto os processos que criam conformismo na sociedade civil por meio da difusão de concepções de mundo ligadas ao status quo, quanto é importante refletir sobre os processos que se referem à organização e à formação da consciência crítica, isto é, a criação e difusão na sociedade civil dos aparelhos de opinião pública autônomos, criados e dirigidos pelas classes subalternas em sua diversidade.

AUTORAS
Luciana Aliaga é Professora do Depto. Ciências Sociais/ CCHLA-UFPB e do Programa de pós-graduação em Ciência Política e Relações Internacionais – PPGCPRI/ UFPB. Grupo de pesquisa Materialismo e modernidade/ CCHLA-CCSA-UFPB/UFCG.

** Andressa Lima da Silva é Aluna do curso de Serviço Social/CCHLA-UFPB, bolsista PIBIC/ CNPq, integrante do grupo de pesquisa Materialismo e modernidade/CCHLA-CCSA-UFPB/UFCG.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
GRAMSCI, A. Quaderni del carcere: edizione critica dell’Istituto Gramsci a cura di Valentino Gerratana, Torino: Einaudi, 2007.
GRAMSCI, A. “I giornale e gli operai”, 22 de dezembro de 1916. In Cronache Torinesi 1913-1917, Sergio Caprioglio (org.). Roma, Giulio Einaudi Editore, 1980.

BUCI-GLUKMANN, Christinne. Gramsci e o Estado. Rio de Janeiro: paz e terra, 1980.
BIANCHI, A; ALIAGA, L. “Força e consenso como fundamentos do Estado. Pareto e Gramsci”. Revista Brasileira de Ciência Política, nº5. Brasília, janeiro-julho de 2011, pp. 17 – 36.
FRANCIONI, Gianni. L’Officina Gramsciana: Ipotesi sulla struttura dei “Quaderni del Carcere”. Nápoles: Bibliopolis, 1984.
MORAES, Denis. “Comunicação, Hegemonia e Contra-hegemonia: A construção Teórica de Gramsci”. Revista Debates, Porto Alegre, v.4, n.1, p. 54-77, jan.-jun. 2010.
ALMEIDA, Jorge. “Relação entre Mídia e Sociedade Civil em Gramsci”. Revista Compolítica, n. 1, vol. 1, ed. março-abril, ano 2011.
FERNANDES, Vívian de Oliveira N. “Reflexões sobre a obra de Gramsci para o campo da comunicação alternativa”. Extraprensa (USP) – Ano VI – nº 11 dezembro/2012. 






[1] Para datação consultar FRANCIONI, 1984, p. 141.
[2] Para simplificação da citação do texto de Gramsci nos Quaderni del Cárcere utilizaremos a letra “Q”, seguida do parágrafo e da página de referência.
[3] Sobre isto consultar BIANCHI; ALIAGA, 2011.
[4] Sobre este assunto consultar BUCI-GLUCKSMANN, 1980.

FEIRA DE SANTANA-BA | nº 5 | vol. 1 | Ano 2017

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