Crime e castigo do amor: resenha do livro 'Minha Querida Aline'

Sérgio Tavares*


“Minha querida Aline” é um drama psicológico que estabelece uma aliança latente com “Crime e castigo”, de Fiódor Dostoiévski.
No romance de estreia do baiano Marcelo Vinicius, somos apresentados ao diário de um estudante tomado por angústias existências e de cunho sentimental, ao moldes de Raskólnikov, protagonista do clássico maior do escritor russo. Porém aqui não há o peso da culpa por um crime, mas a voltagem de uma paixão obsessiva. O objeto de desejo é a personagem do título.
Ocorre que Aline, colega de universidade, é homossexual e, ainda que cada encontro fortuito cause turbulências sísmicas, não existe nela qualquer laço afetivo senão o de uma amizade superficial, insensível mesmo a uma explícita declaração. “Somos só amigos e, por mais que eu quisesse, nunca poderíamos namorar...”, responde friamente.
Tal impedimento, contudo, não o demove da ideia cega de um relacionamento futuro, da certeza de que “fará o máximo para que a mudança aconteça e ela se torne sua de verdade”.
Combinando essa perseguição emocional, com questões filosóficas e uma visão niilista sobre a vida, o personagem tateia à margem de um abismo, onde a queda é a crença de que a solução é cometer um assassinato.
Vinicius constrói, entre o discurso direto e o indireto, o retrato de uma psicopatia. Por meio de um fluxo de consciência, de timbre piegas, diletantemente confessional, o autor reflete os distúrbios de uma mente doentia, que não consegue aferir limites entre certo e errado, moral e amoral; que, de maneira deturpada, toma a si, como lema, a citação de Nietzsche de que “aquilo que se faz por amor está acima do bem e do mal”.
“O amor está acima de qualquer criação humana. Apenas se sente o amor e ponto final”, sentencia.
O caso é que, ainda que não se mostre inteligível para o personagem, seu amor é um sentimento autodestrutivo. Ao contrário de Raskólnikov, que tem plena ciência e sofre por seu crime, este não transparece traço de simpatia por qualquer outro denominador que não seja Aline. Assim, irrefletidamente, ao apontar uma arma para o próximo, de fato aponta para a própria cabeça.
Vinicius intenta, em sua estreia, discutir os valores de uma sociedade de excessos que, paradoxalmente, é habitada por indivíduos egoístas, mobilizados por um amor exagerado aos próprios interesses a despeito dos de outrem. Um romance, cuja matéria está na própria ficção e na influência de muitas outras, mas, sobretudo, nos apuros da realidade.


AUTOR
* Sérgio Tavares nasceu em 1978. É autor de “Queda da própria altura”, finalista do 2º Prêmio Brasília de Literatura, e “Cavala”, vencedor do Prêmio Sesc de Literatura. Alguns de seus contos foram traduzidos para o inglês, o italiano, o japonês, o espanhol e o tâmil. Participa da edição seis da Machado de Assis Magazine, lançada no Salão do Livro de Paris.

FEIRA DE SANTANA-BA | nº 3 | vol. 1 | Ano 2016

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