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O personagem-espectador e o colapso do esquema sensório-motor no cinema

Leonardo Araújo Oliveira*


           Publicações, projetos de pesquisa e de extensão vêm crescendo cada vez mais em torno da relação entre filosofia e cinema. A linha mestra que tem guiado a maioria dessas produções pode ser resumida com a seguinte fórmula: utilizar filmes para ilustrar teorias filosóficas. Entre 1983 e 1985, Gilles Deleuze, já reconhecido como filósofo e historiador da filosofia (tendo escrito vários trabalhos monográficos nesse campo) publica dois volumes sobre cinema, Cinema 1: a imagem-movimento e Cinema 2: A imagem-tempo. Nesses livros, entre uma enorme lista de filmes, cineastas e correntes cinematográficas, figuram nomes de pensadores como Immanuel Kant, Friedrich Hegel, Friedrich Nietzsche, Henri Bergson, Charles Sanders Peirce, entre outros. Todavia, o trabalho de Deleuze parece muito distante da abordagem mais corrente acerca da relação entre filosofia e cinema, resumida acima. Gostaria de expor um pouco do percurso deleuzeano em sua originalidade. Para tanto, trabalharei com Bergson, Hitchcock e alguns nomes do neorrealismo italiano, como Rossellini e De Sica, em conexão com os seguintes temas percorridos por Deleuze na passagem da imagem-movimento à imagem-tempo: a falência do esquema sensório-motor e a posição ocupada simultaneamente por espectador e personagem.

            O filósofo francês Henri Bergson defende que toda matéria é imagem. Ele eleva a imagem ao nível ontológico. O mundo é feito de imagens que agem e reagem umas sobre as outras, sem qualquer determinação fixa de quais imagens agem e quais reagem. A consciência não cria imagens, mas ela própria é uma imagem que, no entanto, seleciona outras imagens. As imagens estão no mundo, existentes de direito para toda consciência, ainda que não reveladas. A revelação das imagens se dá quando elas aparecem para uma consciência, passando da existência de direito para a existência de fato. Destarte, é possível compreender como Deleuze, a partir da caracterização da consciência por Bergson, identifica a consciência ao plano cinematográfico.

            A diferença entre um corpo (que também é imagem) dotado de consciência das demais imagens consiste na posse de um intervalo de movimento entre o movimento percebido e o movimento executado. Segundo essa descrição nosso corpo funciona como um sistema sensório-motor. Ele percebe movimento e aciona movimento, uma vez que o ser vivo é feito de ação e sua percepção funciona segundo a ação, para manter-se vivo: “A atualidade de nossa percepção consiste portanto em sua atividade, nos movimentos que a prolongam” (BERGSON, 2006, p. 72). Como tudo é imagem, desse contexto argumentativo é possível perceber os conceitos de imagem-percepção e imagem-ação. A consciência é um intervalo entre essas duas imagens, é uma imagem opaca, um écran. Mais “próxima” da consciência está a imagem-afecção. Esse intervalo de movimento é o que Deleuze denomina de centro de indeterminação. Indeterminado, ele oscila entre os três tipos de imagem.

           A imagem-percepção é a primeira imagem apreendida na compreensão dessa imagem-vivente, do plano cinematográfico segundo Deleuze e da consciência segundo Bergson. Esse tipo de imagem é formada na medida em que é formada uma percepção subjetiva no centro de indeterminação. A imagem-ação, por sua vez, é concebida segundo a face ao mesmo tempo oposta e complementar da percepção subjetiva. Tendo em vista o esquema sensório-motor, é preciso remeter a percepção a uma ação que se desdobra dela. Mas para que exista uma ação a quem a percepção almeja e alcança, o movimento deve passar pelo centro mesmo do intervalo, que é ocupado pela imagem-afecção.
No cinema, Deleuze estabelece a seguinte correspondência entre essas imagens e os tipos de enquadramento de câmera: imagem-percepção e plano geral (ou de conjunto); imagem-afecção e primeiro plano (ou close); imagem-ação e plano médio (ou americano).

            Em Cinema 1, antes de considerar a imagem-ação, Deleuze menciona uma imagem de passagem (entre a imagem-afecção e a imagem-ação): é a imagem-pulsão. Esse tipo de imagem é de difícil alcance e definição, segundo o próprio Deleuze. Ela estaria relacionada com a literatura naturalista, que tem Émile Zola como seu grande representante. Segundo o filósofo francês, o naturalismo não se opõe ao realismo, ao contrário, ele prolonga-o. No cinema, essa característica se expressaria em imagens superrealistas, ou mesmo, em imagens surrealistas. Por isso Luis Buñuel estaria entre os cineastas representantes da imagem-pulsão.

            As três primeiras imagens apresentadas também têm como base a ontologia bergsoniana. Em Matéria e memória, Bergson procura distanciar-se de duas teses que ele afirma serem igualmente excessivas, a saber, o do idealismo e a do realismo. A primeira reduziria “a matéria à representação que temos dela”, enquanto a segunda faria da “matéria algo que produziria em nós representações mas que seria de uma natureza diferente delas” (BERGSON, 1999, p.4). A matéria seria algo mais do que a “representação” idealista e menos do que a “coisa” realista. Nesse sentido que Bergson compreende a matéria como um conjunto de imagens.

            Contudo, Bergson também desenvolve a ideia de que o intervalo entre movimento percebido e movimento executado pode produzir uma fissura, um retardo motor. A partir dessa problemática, Deleuze, no último capítulo do livro acerca da imagem-movimento, intitulado A crise da imagem-ação, desenvolve a possibilidade do surgimento de outra variedade da imagem-movimento, com a introdução do mental no cinema. Destarte, é pensada a crise da imagem-ação, e com ela, mais ainda, surge todo um questionamento da imagem-movimento pela quebra do esquema sensório-motor, que, quebrado por dentro, não se exerce, pois “as percepções e as ações não se encadeiam mais” (DELEUZE, 2009, p. 55). 

            A imagem mental não pertence ao mesmo nível da seleção de imagens feitas por Deleuze no interior da imagem-movimento (imagem-percepção, imagem-ação, imagem-afecção e com alguma ressalva, imagem-pulsão), uma vez que nela o “mental” incide de maneira exterior a imagem.
Aos olhos de Deleuze o principal representante do cinema da imagem mental é Alfred Hitchcock. Essa imagem é importante devido ao fato de que o cinema de Hitchcock oferece o principal atestado de crise da imagem-ação desde seu interior. Não estaria no “nível” do neorrealismo italiano, pois seu cinema ainda era de predominância da imagem-movimento, mas ali já se misturava os lugares ocupados por espectador e personagem.

            Disque M para matar (Dial M for Murder), por exemplo, pode ser visto como todo um processo de raciocínio, em que Tony Wendice (interpretado por Ray Milland) trama um plano para assassinar sua noiva Margot (Grace Kelly), e após a falha do plano, busca levá-la a prisão. Tony age como se tudo tivesse ao controle de seu raciocínio. O cálculo único se debruça, em termos de materialidade fílmica, sobre a unidade do cenário. Todo o filme se passa tendo como centro do cenário o apartamento do casal.

            Seis anos antes Hitchcock dirigia Festim Diabólico (no original: Rope). Nesse longa-metragem a unidade do cenário é ainda mais radical. Assim também é a unidade do raciocínio, filmado em uma só peça, um único plano que percorre o apartamento sem sair dele, tendo seus cortes de uma tomada para outra omitidos pelo virtuosismo técnico do diretor, que teve que lidar com a limitação dos rolos de filme que não passavam de 10 minutos. Dois jovens assassinam um rapaz e fazem um jantar festivo sobre o seu corpo, escondido em um baú. Assim como em Disque M para Matar, o filme acontece pelos argumentos expostos, numa batalha de ideias que gira em torno do tema do crime.

            Mas somente esses exemplos não são suficientes para determinar a especificidade de Hitchcock enquanto cineasta da imagem mental. Poderíamos elencar uma série de filmagens de outros cineastas que se aproximariam muito do que foi descrito até aqui. Uma rápida olhada no cinema norte-americano e poderíamos pensar em um elenco de filmes de investigação criminal ou de caráter mais diretamente judiciário que poderiam satisfazer as exigências do cinema da imagem mental. Mas isso soa contraditório com a ideia de que a imagem mental traz a crise da imagem-ação. Portanto, é válido acrescentar elementos que, junto aos descritos, possa oferecer uma visão mais satisfatória da peculiaridade da imagem mental. 

            Pois bem, Janela Indiscreta (Rear Window) nos parece o melhor exemplo para fechar a apresentação da ideia de imagem mental no cinema. Nessa obra reside o maior questionamento do esquema sensório-motor realizado no cinema de Hitchcock. O fotógrafo Jeff (protagonizado por James Stewart) se encontra paralisado em uma cadeira de rodas após um acidente de trabalho. Confinado em seu apartamento, o personagem passa a assistir o mundo a partir de sua janela. Por muitas vezes podemos perceber o corpo de Jeff atuar como um sistema sensório-motor danificado. Ao perceber os acontecimentos através de sua janela aberta, Jeff não pode responder da maneira que se esperaria em um filme de ação. Sua percepção não leva a uma ação imediata. Sua reação é retardada. Abre-se a fissura entre percepção e ação, revelando um estado de impotência motora.


             Para Deleuze, Hitchcock estabelece outra relação entre o pensamento e a imagem cinematográfica. Em Disque M, já era possível ver o espectador se tornar personagem com a câmera sendo direcionada, em alguns momentos de diálogos, para quem escuta, ocupando, assim, o lugar de quem fala. Mas se nessa obra espectador e personagem são unidos pelo tipo de enquadramento, em Janela Indiscreta o cineasta inglês faz dessa união a própria questão do filme. Jeff/Stewart é um espectador/ator do próprio filme, que gira em torno de sua visão, de sua expectativa e re-ação a partir daquilo que seus olhos e ouvidos apreendem.

            Deleuze constata em sua visão do cinema de Hitchcock um momento de reversão do domínio do movimento sobre o tempo. Segundo o autor, a imagem-tempo apareceria apenas com o neo-realismo italiano, em que o tempo estaria em condições de emergir de maneira direta, isto é, sem estar subordinado ao movimento. As imagens diretas do tempo seriam alcançadas por meio das imagens puramente óticas e sonoras, que Deleuze denomina de opsignos e sonsignos. Contudo, é possível notar que a imagem mental no cinema de Hitchcock não deixa de condicionar o personagem a uma situação ótica pura. Basta enquadrarmos o caso do personagem de James Stewart na cadeira de rodas, condenado a tocar o mundo fora de seu apartamento apenas com o olhar.

            Dessa maneira a imagem-movimento é colocada em xeque, sobretudo em função da quebra do esquema sensório-motor: “É que e o esquema sensório-motor já não se exerce, mas também não é ultrapassado, superado. Ele se quebra por dentro. Quer dizer que as percepções e as ações não se encadeiam mais” (DELEUZE, 2009, p. 55). A hierarquia que o movimento impunha sobre o tempo é desarticulada, a quebra leva às situações óticas e sonoras puras, mas o esquema sensório-motor ainda se apresenta, mesmo que quebrado.

            O movimento aberrante havia sido reconhecido, mas também conjurado. Tratava-se do movimento que foge a centros de determinação, uma espécie de movimento anormal. Deleuze acredita que o movimento aberrante oferece uma imagem do tempo em sua totalidade, anterior mesmo a ação, isto é, ao próprio movimento: “Se o movimento normal vai subordinar o tempo, do qual nos dá uma representação indireta, o movimento aberrante atesta uma anterioridade do tempo, que ele nos apresenta diretamente” (DELEUZE, 2009, p. 51). Deleuze acredita que esse movimento já se apresentava com os grandes pioneiros do cinema, como Jean Epstein. Mas nesse mesmo terreno deduziu-se uma tentativa de reparação desse movimento, de modo que as aberrações tenham sido normalizadas, compensadas, “submetidas a leis que salvavam o movimento, [...] e que mantinham a subordinação do tempo” (DELEUZE, 2009, p.54).

            Desse modo, foi preciso esperar cineastas como Hitchcock para que o movimento sofresse uma crise na imagem, no interior da imagem-ação – uma das formas mais marcantes da imagem-movimento, sobretudo em Hollywood. Foi preciso a inserção de uma interferência no esquema sensório-motor, uma desproporção instalada entre movimento recebido e movimento executado, entre a percepção e a ação, para que houvessem o aparecimento das situações óticas e sonoramente puras.

            Mas em Hitchcock não predomina as imagens diretas do tempo. A reversão do domínio do movimento sobre o tempo em seu cinema ainda é muito inicial, na medida em que a imagem-movimento ainda não é agredida por inteiro em seu domínio. Ataca-se a imagem-movimento, mas o faz de seu interior, não escapando dela. Situações sonoras e óticas puras, enquanto vistas ainda a partir da imagem-movimento, mesmo que atestando a crise da imagem-ação, permanecem sob o modelo dicotômico situação-reação. As imagens, nesse modelo, necessitam de uma impossibilidade de ação decorrente de uma situação dada (por exemplo, a perna quebrada em Janela indiscreta), o que configura a situação ótica pura como resultado de um meio, como reação a um meio dado previamente. Por essa via, até mesmo o efeito de transformar o espectador em personagem é criado em função da identificação entre os dois em meio a uma situação sensório-motora. Por isso, em busca de um cinema da imagem-tempo, Deleuze recorre a outras produções. Algumas delas residem numa corrente que na história do cinema veio a se denominar neorrealismo, que emergiu na Itália do pós-guerra.

            Contra as interpretações correntes em seu tempo, André Bazin procurou analisar o neorrealismo sem se limitar ao conteúdo dos filmes, buscando atingir seus aspectos formais. Destarte, a importância do neorrealismo para a história do cinema não viria do conteúdo social de seus filmes, mas do fato de que essa corrente criou o que Bazin denomina de imagem-fato (Cf. BAZIN, 1991, p.253). Deleuze, por sua vez, concorda que a importância do neorrealismo não deve ser reconhecida apenas em seu conteúdo. No entanto, sua posição singular na história das imagens cinematográficas não reside em sua ligação com um pretenso realismo, mas sim em sua relação com o tempo, em poder propiciar uma imagem direta do tempo que reverta o predomínio do movimento. 

            Segundo o filósofo francês, independente de sua situação sensório-motora, o personagem neo-realista “registra, mais que reage” (DELEUZE, 2009, p.11). Assim como Hitchcock, o cinema neorrealista, a sua própria maneira, transforma as posições do espectador e do personagem em uma situação única. Tal configuração pode ser vista em filmes dirigidos por Roberto Rossellini.

            Rossellini é um diretor muito conhecido em torno da relação entre filosofia e cinema, sobretudo por ter realizado uma série de longas-metragens acerca da vida e das ideias de pensadores renomados na história da filosofia, como Sócrates, Agostinho, Descartes e Pascal. Mas o que mais interessa Deleuze em Rossellini são os sonsignos e opsignos, de modo que outros filmes são mais pertinentes para a discussão deleuzeana sobre a imagem-tempo. Mencionaremos dois deles, em que a transformação dos personagens em espectador é marcante.

            Em Alemanha ano zero (Germania anno zero), o jovem Edmund Koeler, interpretado pelo também Edmund (Moeschke) se suicida após tudo que vê. Do alto de um prédio em ruínas, nos últimos minutos do filme, após uma série de perambulações (característica marcante do neorrealismo) o garoto assiste o mundo lá fora, também em ruínas, inclusive o corpo de seu pai – principal motivo de sua perambulação durante todo filme – ser carregado, após o próprio Edmund ter lhe abreviado a vida de dor e sofrimento. O suicídio de Edmund não se dá somente por ter envenenado o pai. Sua morte não se entrecruza mais com sua ação do que com sua visão, ela está intrinsecamente ligada àquilo que ele vê, à sua condição de personagem-espectador.

            Europa '51 seria outro longa-metragem de Rossellini que serviria como exemplo. Irene Girard (vivida por Ingrid Bergman), personagem que não experimentava nada fora do mundo burguês em que vivia, após e a partir da morte do filho passa a conhecer o mundo das favelas e dos conjuntos habitacionais da Itália do Pós-guerra. Deleuze aborda essa cena no capítulo Para além da imagem-movimento, em A imagem-tempo: quando o olhar da personagem se livra da função prática de dona-de-casa, “que arruma as coisas e os seres, para passar por todos os estados de uma visão interior, aflição, compaixão, amor, felicidade, aceitação, [...] ela vê, aprendeu a ver” (DELEUZE, 2009, p.9). Assim, Deleuze parece enxergar nesse filme uma espécie de pedagogia do olhar.

Embora, ao analisar o cinema de Vittorio De Sica, Deleuze dê mais atenção a Umberto D, outro exemplo de uma pedagogia da visão e de um aprendizado através do olhar pode ser oferecido pelo célebre longa-metragem Ladrões de bicicleta (Ladri di biciclette). Ali, o pressuposto para o desenrolar do enredo é precisamente uma quebra de um sistema sensório-motor, quando o personagem Antonio Ricci, antes ocupado com o seu trabalho ou com a procura dele, têm suas atividades mecânicas interrompidas pelo furto de seu instrumento de trabalho: a bicicleta. Passando a empreender uma tarefa que foge de seu cotidiano, ele começa a enxergar a Itália em suas misérias e contradições, realizando um movimento de apreensão da Itália em seu espírito, aprendendo a vê-la.

Deleuze diz não fazer história do cinema, mas parece acompanhar o aspecto histórico ao iniciar o segundo volume de sua obra abordando precisamente o neorrealismo, no período após a segunda guerra mundial, pois esse movimento é tido como a grande influência de várias outras manifestações coletivas envolvendo um estilo próprio na história do cinema, como a nouvelle vague, o cinema novo alemão e o cinema novo brasileiro, todos movimentos artísticos datados da segunda metade do século XX. São cineastas participantes dos movimentos citados que são constantemente invocados por Deleuze no segundo volume, nomes como Jean-Luc Godard, Alain Resnais, Werner Herzog, Wim Wenders e Glauber Rocha. No entanto, é preciso levar a sério quando Deleuze diz não fazer história do cinema. O que escrevemos até aqui já serve como exemplo de base dessa tese, uma vez que citamos alguns filmes de Hitchcock pertencentes ao cinema da imagem-movimento que são historicamente posteriores a filmes de Rossellini situados no cinema da imagem-tempo.

            Os personagens do cinema neorrealista, ao experimentarem situações óticas e sonoras puras, constatam a presença de algo muito forte, da ordem do intolerável, de algo impossível de ser vivido, segundo Deleuze. Essa experiência e essa constatação levam esse tipo de cinema para além do esquema sensório-motor, e para além da imagem-movimento. 

            A principal preocupação de Deleuze com essa linha de argumentação é pensar a passagem para a imagem-tempo, a liberação do tempo na imagem em sua forma pura. Para tanto, realiza o procedimento negativo de verificar os momentos de falência da imagem-movimento. O principal desses momentos ocorre com a imagem-ação. Nos livros de Deleuze não existe, de modo algum, uma crítica a imagem-movimento, mas sim aos clichês que a ocuparam e imobilizaram sua potência de criação. Esse movimento negativo liberta não só a temporalidade pura – questão que não aprofundamos aqui –, mas como podemos perceber desde já, libera também uma discussão em torno da relação entre personagem e espectador. Essa discussão amplia a formulação teórica acerca do cinema, não apenas de sua produção para sua recepção, mas para um mergulho em uma reflexão sobre a própria prática de ver e do aprendizado com as imagens. Assim o cinema mostra sua potência de destruição de clichês e de reinventar a si próprio.

AUTOR
Leonardo Araújo Oliveira — mestrando no programa de Pós-Graduação em Filosofia da UNESP. Bolsista CAPES. E-mail: leovash5@gmail.com

Referências bibliográficas:
BAZIN, André. O cinema: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991.
BERGSON, Henri. A evolução criadora. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
______. Matéria e memória. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
DELEUZE, Gilles. Cinema 1: a imagem-movimento. São Paulo: Brasiliense, 1985.
______. Cinema 2: a imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 2009.
DIAL M for Muder. Direção: Alfred Hitchcock. Produzido por Warner Bros., 1954. 105 min.
EUROPA '51. Direção: Roberto Rossellini. Produzido por Ponti-De Laurentiis Cinematografica, 1952. 113 min.
GERMANIA anno zero. Direção: Roberto Rossellini. Produzido por Tevere Film, SAFDI e Union Générale Cinematographique, 1948. 78 min.
LADRI di biciclette. Direção: Vittorio De Sica. Produzido por Produzioni De Sica, 1948. 93 min.
REAR Window. Direção: Alfred Hitchcock. Produzido por Paramount Pictures e Patron Inc., 1954. 112 min.
ROPE. Direção: Alfred Hitchcock. Produzido por Warner Bros., Transatlantic Pictures e Metro-Goldwyn-Mayer, 1948. 80 min.

FEIRA DE SANTANA-BA | nº 1 | vol. 2 | Ano 2015

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