O
texto que segue logo abaixo se encontra no livro The photoplay: a phsycological study, escrito por Hugo Munsterberg
em 1915. Mais do que uma curiosidade histórica – por ter sido um dos primeiros
estudos feitos sobre cinema – o texto de Munsterberg surge para nós como uma
provocação curiosa: o estudo das ações da forma do espetáculo fílmico sobre o espectador de
cinema. Munsterberg beira o científico neste estudo, buscando o embasamento de
suas afirmações junto a experimentações e técnicas desenvolvidas ao longo das décadas
no século XIX que envolvem a compreensão do que seriam profundidade e
movimento e como se dá a sua relação com o sujeito inteligente que com eles se
depara. De seu livro, encontram-se traduzidos para o português somente os
capítulos IV, V e VI no livro A
experiência do cinema. Este capítulo que é aqui apresentado faz parte da
primeira parte do livro juntamente com estes capítulos traduzidos por Teresa
Machado no citado livro.
PROFUNDIDADE E MOVIMENTO
O problema está agora bem claro para nós. Dar-nos-ia o instrumento fílmico apenas a reprodução fotográfica de uma performance no palco; existiria outro objetivo senão ser um substituto mais barato do verdadeiro teatro, e seria sua estética bem menor do que aquela da verdadeira arte dramática, estando relacionada a esta tal como a fotografia de uma pintura para a obra-prima original? Ou nos trariam as imagens em movimento uma arte independente, controlada por leis estéticas próprias, trabalhando com recursos intelectuais fundamentalmente diversos daqueles do teatro, com âmbitos próprios e objetivos ideais próprios? Se estes problemas até então negligenciados são nossos, precisamos perguntar em nossas futuras discussões sobre quais livros teriam posto em primeiro plano as imagens em movimento, nomeadamente a técnica física de produzir imagens para filme ou projetando filmes numa tela, ou qualquer outra coisa que pertença ao aspecto técnico ou físico ou econômico da indústria fílmica. Mais ainda, é evidente não ser de nosso interesse negociar estas imagens em movimento que servem de mera curiosidade ou altos desejos de conhecimento e informação. Estes filmes educacionais podem nos deliciar, e certamente muito deleite estético pode ser combinado com a satisfação intelectual, quando maravilhas de distantes continentes nos são desvelados. A paisagem de tais filmes de viagem pode ser bela, mas os filmes não são tomados como obras de arte. O objetivo é servir para difundir conhecimento.
Nosso interesse estético volta-se para os meios pelos quais o filme influência a mente do espectador. Se tentarmos entender e explicar os meios pelos quais a música exerce tão poderosos efeitos, nós não alcançamos nosso objetivo por meio da descrição da estrutura do piano ou do violino, ou explicando as leis físicas do som. Nós devemos nos voltar para a psicologia e perguntar pelos processos mentais dos tons escutados e dos acordes, de harmonias e desarmonias, do tom de qualidades e do tom de intensidades de ritmos e frases, e deve traçar como tais elementos são combinados em melodias e composições. Desta forma retornamos ao filme, primeiro com puro interesse psicológico, e perguntar pelos excitamentos elementares da mente que entram em nossas experiências das imagens em movimento. Agora negligenciamos por completo a ideia de performance teatral. Devemos bloquear o caminho se começarmos do teatro e perguntar o que teria restado em seu mero substituto fotográfico. Aproximamos a arte dos filmes de cinema como se ele permanecesse por completo sobre seu próprio solo, e extinguisse toda a memória do mundo dos atores. Analisaremos os processos mentais que especificam a forma artística e o empreendimento que se produz em nós.
Para começar do começo, o filme consiste de uma série de imagens planas em contraste com os objetos plásticos do mundo real que nos rodeiam. Mas devemos parar um momento: o que significa dizer que aquilo que nos rodeia aparece em nossa mente como plástico e as imagens em movimento como planas? A psicologia desta diferença é facilmente compreendida. Claro, quando estamos sentados na sala de cinema sabemos que vemos uma tela plana e que o objeto que vemos tem apenas duas dimensões, direita e esquerda, alto e baixo, mas não a terceira dimensão da profundidade, da distância entre nós ou a partir de nós. É plano como um retrato e nunca plástico como uma escultura ou arquitetura ou o palco de teatro. Ainda assim isso é conhecimento e não impressão imediata. Não temos qualquer direito de dizer que a cena que vemos na tela nos surge como imagens planas.
Nós podemos ter ficado mais fortemente conscientes desta diferença entre um objeto de nosso conhecimento e um objeto de nossa impressão se nos lembrarmos de um objeto bem conhecido, o estereoscópio. O estereoscópio, que era bem familiar às gerações recentes, consiste em dois prismas pelos quais os dois olhos vislumbram a fotografia de uma paisagem. Mas as duas fotografias não são idênticas. A paisagem é tomada de dois pontos de vista, uma da direita outra da esquerda. Tão logo estas duas visões são postas no estereoscópio o olho direito vê somente a imagem da direita e o olho esquerdo vê somente a imagem da esquerda. Sabemos muito bem que são apenas duas imagens planas que estão à nossa frente; ainda assim não podemos deixar de ver a paisagem em fortes formas plásticas. As duas visões são combinadas em uma apresentação de uma paisagem em que objetos aparecem bem mais distantes do que o primeiro plano. Sentimos de imediato a profundidade das coisas. É como se estivéssemos olhando um pequeno modelo plástico de uma paisagem e a despeito de nosso conhecimento objetivo não conseguisse reconhecer as imagens planas nas formas sólidas percebidas. Se não puder de outra forma, porque nunca em nossa vida prática vemos um objeto, um vaso em nossa mesa, como um corpo sólido, tomamos a impressão de que este caractere plástico antes de qualquer outra coisa por enxergá-lo com dois olhos vendo-o por dois pontos de vista. A perspectiva em que nosso olho direito vê as coisas em nossas mesas é diferente da perspectiva do olho esquerdo. Nossa visão plástica depende dessa combinação de duas diferentes perspectivas de vista, e nunca nós oferecemos aos dois olhos apenas um lado a ser visto, eles devem combinar a impressão das coisas substanciais. O estereoscópio ilustra claramente que o conhecimento de caracteres planos nas imagens por nenhum meio exclui a atual percepção de profundidade, e a questão que surge é se as imagens em movimento dos filmes, em despeito de nosso conhecimento da platitude da tela, não nos dão afinal de contas a real impressão de profundidade.
Pode ser dito de improviso que até mesmo a completa aparição da profundidade que o estereoscópio oferece não seria de modo algum contraditória à ideia das imagens em movimento. Então os filmes poderiam dar as mesmas impressões plásticas que o palco real oferece. Tudo o que seria necessário é isso. Quando os atores atuam nas cenas, não uma, mas duas câmeras seriam necessárias para fazer as imagens. Ambas as câmeras focariam a cena de dois diferentes pontos de vista, correspondendo à posição dos dois olhos. Os dois filmes são então projetados em tela ao mesmo tempo por um aparato duplo de projetores que assegura à completa correspondência dos dois filmes para que em todos os instantes as visões direita e esquerda se sobreponham na tela. Isso daria, claro, uma caótica, embaçada imagem. Mas se o aparelho que projete o lado esquerdo tenha um vidro verde em frente à lente e aquele que projete o lado direito tenha um vidro vermelho, e toda pessoa na audiência tenha um par de óculos com o vidro esquerdo verde e o vidro direito vermelho – um papelão lorgnette com papel gelatina vermelha e verde poderia fazer o mesmo serviço e custaria menos – o olho esquerdo poderia ver apenas o lado esquerdo, o olho direito apenas ver o lado direito. Não poderíamos ver as linhas vermelhas através do vidro verde nem linhas verdes por meio do vidro vermelho. No momento em que o olho esquerdo vê apenas o lado esquerdo e o lado direito vê apenas o lado direito, todo o caos de linhas na tela é organizado e vemos as imagens de uma sala na tela com a mesma profundidade como se fosse um cômodo sólido num palco e como se a parede estivesse realmente a alguns metros atrás dos móveis da frente. O efeito é tão impressionante que ninguém pode superar o sentimento de profundidade nestas condições.
Mas enquanto os filmes normais não nos oferecem esta impressão plástica completa, esta seria a confusão comum entre conhecimento acerca de um filme e a sua real aparição se fossemos negar que podemos ter a impressão de profundidade. Se muitas pessoas se movem num cômodo, ganhamos distintamente a sensação de que um se move atrás do outro em um filme. Eles se movem em nossa direção quanto de nós se distanciam, tal como se movem da direita para a esquerda. Percebemos as cadeiras ou a parede ao fundo do cômodo como mais distantes de nós que as pessoas em primeiro plano. Isto não é surpreendente se paramos para pensar como percebemos a profundidade, por exemplo, num palco real. Vamos imaginar que sentamos na orquestra de um verdadeiro teatro e vemos em nossa frente o palco representando um cômodo com móveis e pessoas nele. Nós agora vemos os diferentes objetos no palco a diferentes distâncias, alguns próximos, outros distantes. Uma das causas fora recentemente mencionada. Vemos tudo com nossos olhos direito e esquerdo partindo de diferentes pontos de vista. Mas se agora fechamos um dos olhos e olhamos para o palco apenas com o olho direito, o efeito plástico não desaparece. As causas psicológicas para estas percepções de profundidade com apenas um olho são essencialmente diferentes do aparente tamanho, da perspectiva das relações, das sombras, e das ações desempenhadas no espaço. Agora todos estes fatores que nos ajudaram a alcançar os móveis no palco tão sólidos e substanciais quanto seus papeis não são menores que aqueles projetados na tela.
Estamos muito prontamente inclinados a imaginar que nossos olhos podem diretamente alcançar as diferentes distâncias que nos rodeiam. Ainda é preciso imaginar uma larga placa de vidro é posta no lugar de uma cortina cobrindo todo o palco. Agora vemos o palco através da placa de vidro; e se vemos apenas com um olho é apenas evidente que cada ponto no palco deve lançar ao nosso olho os raios de luz que atravessam o vidro em um ponto particular. Para nossa visão não faria diferença se o palco estivesse realmente atrás da placa de vidro ou ainda que todos os raios de luz que passam pela placa de vidro viessem da própria placa. Se estes raios com todas suas diferenças de sombras e luz e a escuridão começasse da superfície da placa de vidro, o efeito no olho seria necessariamente igual se ele se originasse a diferentes distâncias atrás do vidro. Este é exatamente o caso da tela de cinema. Se as imagens são bem filmadas e a projeção bem feita e nós sentamos à distância certa da imagem, devemos ter a mesma impressão se olhássemos por meio de uma placa de vidro o espaço real.
O filme é, portanto, pobremente caracterizado se o aplainamento de suas imagens for tomado como detalhe essencial. Este aplainamento é uma parte objetiva de suas técnicas, e não uma característica daquela que realmente vemos no desempenho do filme. Estamos lá no meio de um mundo tridimensional e os movimentos das pessoas ou dos animais ou mesmo das coisas sem vida, como o movimento das águas ou o balanço das folhas pelo vento, fortemente se mantém em nossa sensação de profundidade. Muitas características secundárias dos filmes podem ajudar. Por exemplo, por uma bem conhecida ilusão de ótica o sentimento de profundidade é fortalecido se o primeiro plano está em descanso e o fundo em movimento. Assim, o navio passando em frente do fundo parado do porto de modo algum sugere a profundidade no mesmo grau que uma imagem feita no mesmo navio deslizando, então o navio parece estar em descanso enquanto o porto passa.
O efeito de profundidade é tão inegável que algumas mentes são atingidas por ele como sendo o poder chefe das impressões da tela. Vachel Lindsay, o poeta, sente que a característica plástica dos personagens em primeiro plano é tão grande que ele interpreta aquelas peças com muito mais ações individuais como um tipo de escultura em movimento. Ele diz: “as pouco distantes pessoas fora de moda falando no palco não possuem o apelo plástico neste sentido. Eles são por comparação pedaços de papelão com doces vozes, enquanto de outro lado os filmes estão cheios de gigantes mudos. Os corpos destes gigantes estão em escultura de alto relevo”. Outros têm enfatizado que este forte sentimento de profundidade os toca principalmente quando pessoas em primeiro plano ficam de pé com longa paisagem ao fundo – muito mais do que quando elas estão em um cômodo. Psicologicamente isso não é uma surpresa também. Se a cena fosse em um cômodo verdadeiro, cada detalhe iria parecer diferente aos olhos. No cômodo em cena ambos os olhos recebem a mesma impressão, e o resultado é que a consciência de profundidade é inibida. Mas quando uma paisagem de longas distâncias é o único pano de fundo, a impressão dada pelo filme e pela vida é a mesma. As árvores ou montanhas que estão a muitos metros de distância dos olhos dão a ambos os olhos exatamente a mesma impressão, enquanto a menor diferença entre os dois globos oculares não possui qualquer influência comparada com a distância dos objetos com relação a nosso rosto. Veríamos as montanhas com ambos os olhos como na realidade, e entretanto nos sentimos desimpedidos em nossa interpretação subjetiva da longa distância visão quando na tela é oferecida a mesma imagem da montanha para nossos olhos. Consequentemente nesses casos nós acreditamos que vemos as pessoas em primeiro plano e as paisagens à distância.
Não obstante nunca somos enganados; estamos inteiramente conscientes da profundidade, e ainda assim não a tomamos por profundidade real. Muitas coisas se põem no caminho. Algumas condições desfavoráveis são ainda deficiências da técnica; por exemplo, a câmera em alguns casos exagera as distâncias. Se vemos através de uma porta aberta a parede de fundo dentro de um ou dois outros cômodos, eles aparentam como um longo corredor. Mais ainda, temos a condição ideal de ver a perspectiva certa apenas quando estamos sentados em frente da tela a certa distância. Devemos sentar onde vemos os objetos no filme do mesmo ângulo que a câmera o havia fotografado. Se estamos muito próximos ou muito distantes, ou muito de um lado, percebemos a plasticidade da cena a partir de um ponto de vista que poderia demandar toda uma diferente perspectiva que aquela que a câmera havia fixado. Em filmes sem movimento, isso é menos incômodo; em filme com imagens em movimento cada novo movimento para ou partindo do fundo deve nos remeter a uma aparente distorção. Ainda, o tamanho e o quadro e toda ambientação lembra-nos fortemente da irrealidade do espaço percebido. Mas o ponto principal permanece aquele que vemos toda a imagem com ambos os olhos e não com apenas um, e que estamos constantemente nos lembrando do aplainamento da tela já que nossos dois olhos recebem idênticas impressões. E devemos adicionar um argumento relacionado a isso, nomeadamente, que a tela como tal é um objeto de nossa percepção e demanda uma adaptação do olho e uma localização independente. Somos jogados dentro deste conflito de percepção até mesmo quando olhamos para um espelho. Se ficamos a certa distância de um grande espelho numa parede, vemos nosso reflexo a mesma distância de nossos olhos na placa de vidro e que ao mesmo tempo o dobro do espaço atrás do reflexo. Ambas localizações tomam espaço em nossa mente e produzem uma interferência peculiar. Todos nós aprendemos a ignorar isso, mas a ilusão característica permanece como indicativo da realidade desta duplicidade.
No caso da imagem na tela este conflito é muito mais forte. Nós certamente vemos a profundidade, mas não podemos aceitá-la. Há muita coisa que inibe a crença e interfere com a interpretação das pessoas e da paisagem em nossa frente como verdadeiramente plástica. Eles certamente não são simplesmente imagens. As pessoas podem se movimentar em nossa direção e de nós se distanciar, e o rio pode fluir por dentro do vale. E ainda a distância em que as pessoas se movem não é a distância de nosso espaço real, como o teatro apresenta, e as pessoas não são de carne e osso. É uma experiência interior única, que é característica da percepção dos filmes. Temos a realidade em todas as suas dimensões; e ainda ela permanece efêmera, passando por sugestões superficiais sem verdadeira e plena profundidade, tão diferente de uma mera fotografia quanto de uma mera performance em palco. Isso trás nossa mente para dentro deste estado complexo e peculiar; e devemos ver que estas peças não são desimportantes partes da composição mental de todo espetáculo fílmico.
Enquanto o problema da profundidade da imagem fílmica é facilmente ignorado, o problema do movimento se abate sobre todo espectador. Parece que aqui o trato essencial do desempenho do filme é encontrado, e assim a explanação de que o movimento nos filmes é a questão principal que os psicólogos devem buscar. Sabemos que cada imagem que o fotógrafo tirou é imóvel. Sabemos, mais ainda, que não vemos a passagem da faixa de película. Sabemos que ele é rolado, mas este movimento de imagem a imagem não é visível. Ele acontece enquanto seu campo está escuro. O que objetivamente encontra nossos olhos é uma imagem estática seguida de outra, mas a reposição de uma pela outra não pode encontrar nossos olhos de forma alguma. Porque, ainda por cima, vemos um movimento contínuo? O problema não surge somente no cinescópio e interessou as gerações precedentes que se divertiram com o fenacistoscópio e com discos estroboscópios ou com o mágico cilindro zootropo e bioscópio. A criança que fazia um zootropo girava e olhava através de fendas de faixa preta do tambor em que em cada fenda havia um desenho de um cachorro em uma diferente posição. Assim com o passar das vinte e quatro fendas em frente aos olhos, as vinte e quatro posições se juntavam em um contínuo movimento de um poodle saltitante.
Mas este assim chamado fenômeno estroboscópio, por mais interessante que fosse, parecia oferecer nenhuma dificuldade. Os amigos do zootropo certamente conheciam outro brinquedo, o taumatrópio. Dr. Paris o inventou em 1827. Ele mostra duas imagens, uma a frente, uma no fundo de um cartão. Logo que o cartão é movido em direção ao centro do eixo, as duas imagens se fundem em uma só. Se um cavalo está de um lado e o montador de outro, se uma gaiola está de um lado e o pássaro de outro, vemos o montador no cavalo e o pássaro na gaiola. Isso não pode ser de outra maneira. Este é o simples resumo do pós-imagens. Se no escuro girarmos uma vara brilhante num círculo, não vemos um ponto se movendo de lugar para lugar, e sim vemos uma linha circular. Em nenhum lugar é quebrada devido, se o movimento é rápido, à pós-imagem[1] positiva da luz em suas primeiras posições que está ainda em efeito em nossos olhos quando o ponto brilhante tiver passado por todo o círculo e voltado para sua primeira posição novamente.
Falamos deste efeito como sendo uma pós-imagem positiva, porque é uma verdadeira continuação da primeira impressão e fica em contraste com a assim chamada pós-imagem negativa na qual a pós-imagem é contrária ao estimulo original. No caso de uma pós-imagem negativa a impressão da luz deixa a impressão de um ponto escuro, a impressão da escuridão dá uma pós-imagem luminosa. Preto se transforma em branco e branco se torna preto; num mundo de cores o vermelho deixa uma verde e verde uma vermelha pós-imagem, amarelo uma azul e azul uma amarela pós-imagem. Se olhamos para um pôr-do-sol carmesim e em seguida para uma parede branca, não vemos pontos vermelhos luminosos, mas pontos verdes escuros. Comparado a estas imagens negativas, as imagens positivas são curtas e duram apenas enquanto houver iluminação intensa. Ainda, se eles são evidentemente suficientes para preencher um intervalo entre duas faixas num disco estroboscópio ou num zootropo, o intervalo no qual o papel negro passa pelo olho e de acordo com o qual nenhum novo estímulo chega ao nervo. A explicação rotineira para o aparecimento do movimento estava de acordo: que toda imagem em uma particular posição deixasse no olho uma pós-imagem até que a próxima imagem com uma pequena diferença mudasse a posição do animal saltitante ou do homem marchando em vista, e sua pós-imagem durasse até que uma terceira viesse. As pós-imagens eram responsáveis de fazer com que as interrupções não fossem percebidas, enquanto o movimento por si só resultasse somente na passagem de uma posição para outra. O que mais é a percepção do movimento além da visão de uma longa série de diferentes posições? Se ao invés de olhar através do zootropo assistíssemos o trotar de um cavalo de verdade numa rua de verdade, veríamos todo seu corpo em uma nova progressiva posição e suas pernas em todas suas fases de movimento; e esta série contínua é nossa percepção de movimento.
Isto parece ser bem simples. Mas ainda foi lentamente sendo descoberto que a explicação está longe de ser simples e que isto não faz a menor justiça às verdadeiras experiências. Com o avanço da psicologia laboratorial moderna as investigações experimentais frequentemente se voltaram à análise de nossa percepção de movimento. Nos últimos trinta anos muitas pesquisas, notavelmente as de Stricker, Exner, Hall, James, Fischer, Stern, Marbe, Lincke, Wertheimer, e Korte tem lançado novas luzes sobre o problema com cuidadosos experimentos idealizados. Um deles veio rapidamente a primeiro plano: a percepção de movimento é uma experiência independente que não pode ser reduzida a uma simples visão de uma série de diferentes posições. Um conteúdo característico da consciência deve ser adicionada a esta série de impressões visuais. A mera ideia de fases em sucessão do movimento não é a ideia original de movimento. Ela é sugerida primeiramente por várias ilusões de movimento. Devemos acreditar que percebemos um movimento onde nenhuma mudança de impressão visual realmente ocorra. Isto, para ter certeza, pode resultar de uma má interpretação da impressão: por exemplo, quando no trilho de trem na estação olhamos para fora da janela e acreditamos de repente que nosso trem está se movendo, quando na realidade foi o trem vizinho que começou sua viagem. É o mesmo quando vemos a lua flutuando brevemente através das nuvens paradas. Estamos inclinados a considerar que estando em descanso que nós fixamos e a interpretar a relativa mudança no campo de visão quando há movimento naquelas partes que não fixamos.
Mas é diferente quando, por exemplo, vamos de encontro àquelas ilusões em que o movimento é forçado em nossa percepção por contraste depois do efeito. Olhamos para uma ponte flutuando na água e voltamos nossos olhos para a paisagem, a costa imóvel parece flutuar na direção oposta. Não é suficiente em tais casos se referir aos movimentos contrastantes dos olhos. Isto pode ser facilmente mostrado por experimentos que estes movimentos e contra movimentos no campo de visão podem proceder em oposições opostas ao mesmo tempo e nenhum olho, obviamente, é capaz de mover para cima e para baixo, para direita e para esquerda, num mesmo movimento. Um experimento muito característico pode ser desenvolvido com uma linha espiral negra num disco branco. Se girarmos este disco lentamente em torno de seu centro, a linha espiral produz a impressão de um contínuo alargamento das curvas concêntricas. As linhas começam no centro e expandem até desaparecer na periferia. Se olharmos por alguns minutos para estas curvas em expansão e voltar nossos olhos para o rosto de alguém que está ao lado, vemos prontamente como as características do rosto passam a encolher. Parece que todo o rosto estivesse encolhendo elasticamente em direção ao seu centro. Se giramos o disco na oposição contrária, as curvas parecem se mover das margens do disco em direção ao centro, ficando menores e menores, e então se olhamos para um rosto, a pessoa parece inchar e cada ponto de sua face parece se mover do nariz para o queixo ou para a ponta das orelhas. Nossos olhos que observam tais efeitos tardios não podem se mover no mesmo tempo do centro da face até as pontas das orelhas, do cabelo e do queixo. A impressão de movimento deve, portanto, ter outras condições que o desempenho atual do movimento, e acima de tudo que está claro de tais testes é que a visão de movimento é uma experiência única que pode ser inteiramente independente da atual visão de posições sucessivas. O olho, ele mesmo, toma a impressão de um rosto em descanso, e ainda assim vemos o caso de um rosto encolhendo, e outro inchando; em um caso todos os pontos parecem se mover em direção ao centro, e outro aparentemente se afastando do centro. A experiência de movimento é aqui evidentemente produzida pela mente do espectador e não animada sem ela.
Podemos aproximar os mesmos resultados de experimentos de modelos diferentes. Se um flash de luz em um ponto é seguido de um flash de outro ponto após um período de tempo muito curto, como um vigésimo de segundo, as duas luzes nos aparecem simultaneamente. A primeira luz ainda é totalmente visível quando o segundo flash surge, e isto não pode ser percebido que o segundo surge depois do segundo. Se agora no mesmo curto intervalo a primeira luz se move em direção ao segundo ponto, poderíamos esperar ver todo o processo como uma linha de luz em repouso, enquanto o começo e o fim do ponto aparecem simultaneamente, se o final é alcançado vigésimo de segundo depois do ponto ter surgido. Mas os experimentos demonstram o resultado oposto. Ao invés da esperada linha de luz, vemos o movimento de um ponto de luz em direção ao outro. Novamente devemos concluir que o movimento é mais que uma mera visão de posições sucessivas como neste caso vê movimento, enquanto as posições isoladas não aparecem como sucessivas, mas como simultâneas.
Outro grupo de interessantes fenômenos de movimento podem ser formados naqueles casos em que o objeto em movimento é melhor notado que a impressão de todo o campo no qual o movimento acontece. Devemos negligenciar uma área em nosso campo de visão, especialmente quando permanece distante do ponto em que fixamos, mas tão logo algo se move nossa atenção é puxada para aquela área. Percebemos o movimento mais rapidamente que toda a paisagem de fundo em que o movimento se executa. Os lenços esvoaçantes a uma distância considerável ou o balançar de uma bandeira de sinalização é característico disso. Tudo indica que o movimento é para nós algo diferente de uma mera visão de um objeto primeiro em um lugar e depois em outro. Podemos facilmente encontrar a analogia em outros sentidos. Se tocarmos a nossa nuca ou as costas de nossa mão com duas pontas de tal forma que as duas pontas fiquem a cerca de um terço de polegada de distância uma da outra, nós não discriminamos as duas pontas como duas, mas percebemos a impressão de apenas um ponto. Não conseguimos discriminar a pressão de um ponto do outro. Mas se movermos a ponta de um lápis de e para um ponto a outro percebemos distintamente o movimento em despeito de que o movimento entre dois pontos que não poderíamos discriminar. Isto é característico de que o experimentador em todos os campos de sensação, visual ou acústica ou tato, com frequência encontra a si mesmo diante de experimentos que teria percebido um movimento enquanto é capaz de dizer em que direção o movimento teria ocorrido.
Estamos familiarizados com a ilusão em que acreditamos ver algo que apenas nossa imaginação oferta. Se uma estranha palavra impressa é exposta a nossos olhos por um vigésimo de segundo, nós rapidamente substituímos por uma palavra familiar com letras semelhantes. Todos sabem o quão difícil é ler provas. Ignoramos os erros de impressão, que são, e substituímos as letras erradas que estão em nosso campo de visão pelas imaginárias letras corretas que correspondem a nossas expectativas. Também não estamos familiarizados com a experiência de abastecer com nosso desejo as associações de imagem de um movimento quando apenas o ponto inicial e o ponto final foram dados, como uma habilidosa sugestão influenciasse nossa mente. O prestidigitador permanece de um lado do palco quando aparentemente joga um relógio caro contra o espelho do outro lado do palco; a audiência vê o movimento sugestivo de sua mão e o desaparecimento do relógio e vê a alguns metros de distância os estilhaços do espelho. O espectador sugestionado não pode deixar de ver o voo do relógio pelo palco.
Os recentes experimentos de Wertheimer e Korte foram até detalhes mais sutis. Ambos experimentadores trabalharam com instrumentos delicados em que duas linhas de luz em uma superfície negra poderiam ser expostas em rápida sucessão em que seria possível mudar as posições das linhas, a distância das linhas, o tempo de exposição de cada, e o tempo entre a exposição de primeira e da segunda. Eles estudaram todos estes fatores, e mais ainda a influência de diferentes atenções dirigidas e a atitude sugestiva. Uma linha vertical é imediatamente seguida por uma horizontal, e as duas unidas podem dar a impressão de um ângulo correto. Se o tempo entre a linha vertical e a horizontal é longo, primeiro uma depois a outra será vista. Mas a certa extensão do intervalo de tempo, um novo efeito é alcançado. Vemos a linha vertical caindo e deitando achatada como uma linha horizontal. Se os olhos estão fixados no ponto do centro do ângulo, podemos esperar que o fenômeno do movimento possa parar, mas o caso é o contrário. O movimento aparente da vertical para horizontal tem que passar pelo nosso ponto de fixação e parece que devemos agora reconhecer claramente que não há nada entre estas duas posições, que as fases intermediárias de movimento estão em falta; e ainda o experimento mostra que por meio destas circunstâncias frequentemente tomamos as mais fortes impressões de movimento. Se usarmos duas linhas horizontais, uma sobre a outra, vemos, se o intervalo de tempo correto for escolhido, que o de cima se move em direção ao de baixo e vice-versa. Mas podemos introduzir uma interessante variação. Se fizermos a linha de baixo, que aparece objetivamente depois da de cima, mais intensa, a impressão que fica é de que o processo começa com a de baixo. Vemos primeiro a linha de baixo se movendo em direção a linha de cima que também se aproxima da de baixo; e então segue a segunda fase em que ambas parecem cair para a posição da mais baixa. Não é necessário ir mais longe em detalhes para demonstrar que a aparência de movimento não é de modo algum o resultado de uma pós-imagem e que a impressão de movimento é certamente mais que meramente percepção de sucessivas fases de movimento. O movimento nestes casos não é realmente visto de fora, mas possui um acréscimo, é visto pela ação mental, das imagens estáticas.
A afirmação de que nossas impressões de movimento não resultam simplesmente da visão de estados sucessivos, mas inclui um ato mental superior em que as impressões visuais sucessivas entram meramente como fator não é certamente uma explanação. Não estabelecemos isto pela natureza daquele processo central superior. Mas nos é suficiente ver que a impressão de continuidade e de movimento resulta de complexos processos mentais em que as diversas imagens são postas unidas num ato superior. Nada pode caracterizar a situação mais claramente que o fato que teria sido demonstrado por muitos experimentos, nomeadamente, que este sentimento de movimento de modo algum interfere com a distinta consciência das importantes fases do movimento que estão faltando. Ao contrário, em certas circunstâncias ficamos mais cientes de que a aparência de movimento criada por nossa atividade interior quando estamos conscientes da interrupção entre as várias fases de movimento.
Chegamos às consequências. Qual é, então, a diferença entre ver a imagem em movimento e ver no palco real? Ali no palco onde os atores se movem o olho realmente recebe uma série continua. Cada posição vai para a seguinte sem qualquer interrupção. O espectador recebe tudo de fora e todo movimento que vê está acontecendo no mundo do espaço e de acordo com seus olhos. Mas se ele encara o mundo dos filmes, o movimento que ele vê aparece como movimento verdadeiro, e ainda é criado por sua própria mente. As pós-imagens de imagens sucessivas não são suficientes para produzirem uma contínua simulação; a condição essencial é mais a atividade interior que une separadas fases na ideia de uma ação conexa. Assim, chegamos à exata contrapartida de nossos resultados quando analisamos a percepção de profundidade. Vemos a profundidade nas imagens, ainda que a cada instante estejamos cientes que não é profundidade verdadeira e que aquelas pessoas não são realmente plásticas. É apenas uma sugestão de profundidade, uma profundidade criada por nossa própria atividade, mas não realmente vista, porque condições essenciais para a verdadeira percepção de profundidade estão faltando. Agora percebemos que o movimento também é percebido, mas que o olho não recebe as impressões de verdadeiro movimento. É apenas uma sugestão de movimento, e a ideia de movimento é em alto grau produto de sua própria reação. Profundidade e movimento vêm até nós de movo parecido no mundo das imagens em movimento, não como fatos concretos, mas como uma mistura de fato e símbolo. Eles estão presentes e ainda não estão nas coisas. Investimos as impressões com eles. O teatro tem tanto profundidade quanto movimento, sem nenhuma ajuda subjetiva; a tela os tem e ainda não os tem. Vemos coisas distantes e em movimento, mas fornecemos a eles mais do que recebemos; criamos a profundidade e a continuidade através de nosso mecanismo mental.
[publicado originalmente em The Photoplay: a psychological study publicado pela D. Appleton Company em 1916. p. 44-71.
AUTOR
* Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e editor da Revista Sísifo.
* Graduando em Filosofia pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e editor da Revista Sísifo.
NOTA
[1] No texto presente em A experiência do cinema é feita a preferência de manter o termo afterimage, do original. Indicamos ao leitor a nota feita por Ismail Xavier sobre o termo no referido livro. [N. do T.]
[1] No texto presente em A experiência do cinema é feita a preferência de manter o termo afterimage, do original. Indicamos ao leitor a nota feita por Ismail Xavier sobre o termo no referido livro. [N. do T.]
FEIRA DE SANTANA-BA | nº 1 | vol. 1 | Ano 2015
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